sábado, 27/julho/2024
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Acúmulo e desvio de função na seara trabalhista

Coordenador: Ricardo Calcini.

 

No ambiente do direito do trabalho, dois temas bastante comuns podem ser vistos com certa frequência nas reclamações trabalhistas, quais sejam: acúmulo e desfio de função. Deste modo, para melhor compreensão inicialmente se faz necessário estabelecer a diferença entre os dois conteúdos.
É importante consignar ainda, que o conceito apresentado foi construído a partir de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, entretanto, sem afastar as disposições legais sobre o assunto.
Assim, o acúmulo de função pode ser compreendido como sendo a realização de atividade diversa ao contrato de trabalho, executada em conjunto com as atividades finais próprias ao cargo de contratação. Em outras palavras, o acúmulo de funções é caracterizado pela prática de função e/ ou atribuição que ultrapassa o objeto do contrato de trabalho firmado. É possível observar, portanto, o aumento das atividades realizadas diariamente, com funções que extrapolam a sua atribuição, como consequência é possível verificar um maior desgaste físico e psicológico do trabalhador.

Por sua vez, o desvio de função é caracterizado quando o empregado passa a exercer uma função completamente diversa da qual foi contratado para executar, por exigência do empregador. Sob este aspecto, cabe a ressalva de que o desvio de função não pode ser eventual ou excepcional, ou seja, de forma não esporádica o trabalhador que foi contratado para exercer atividades relacionada a um cargo “X” passa a executar atividades inerentes do cargo “Y”, diverso daquele para o qual foi contratado.

Como sabemos que o empregado é a parte hipossuficiente da relação, e que na maioria dos relatos se vê pressionado a aceitar esse tipo de situação visando a manutenção do seu emprego, a seara trabalhista vem se posicionando sobre os temas. Desta forma, muito embora não se tenha uma legislação específica versando sobre o acúmulo e o desfio de função, os tribunais já possuem jurisprudências construídas a partir das interpretações e diretrizes transferidas da legislação trabalhista – CLT.

Ao ser analisado uma situação de acúmulo de função, é importante ter em mente que as atribuições extras delegadas ao trabalhador precisam ser compatíveis com as funções contratadas. Deste modo, o trabalhador passará a exercer uma nova função, diversa da estabelecida originalmente, o que irá gerar mais exigências e responsabilidades.
Neste diapasão, o entendimento do TST – Tribunal Superior do Trabalho – é pela procedência dos pedidos de acúmulo de função, desde que esteja devidamente demonstrado nos autos da reclamação trabalhista as atividades próprias e diversas ao contrato de trabalho de forma simultânea. Vejamos:

ACÚMULO DE FUNÇÕES. CONFIGURAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. É insuscetível de revisão, em sede extraordinária, a decisão proferida pelo Tribunal Regional à luz da prova carreada aos autos. Somente com o revolvimento do substrato fático-probatório seria possível afastar a premissa sobre a qual se erigiu a conclusão consagrada pela Corte de origem, no sentido de que ficou demonstrado o acúmulo de funções, porquanto, além de executar as atividades para as quais a reclamante fora contratada (técnica de enfermagem), as acumulava com as que deveriam ser exercidas por assistente médico, que lhe exigiam maior responsabilidade e conhecimentos técnicos, razão pela qual devido o pagamento do acréscimo salarial. (…) Agravo de instrumento não provido. (TST – AIRR: 1347520115040011, Relator: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 25/06/2014, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/07/2014)

Comprovado o acúmulo de função, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial após a análise do seu caso concreto. Para tanto, se faz necessário a comprovação de que as novas funções desenvolvidas exigem maior especialização ou complexidade, que justifique a diferenciação no salário.
No que tange ao desvio de função, destaca-se entre os fundamentos, o enriquecimento ilícito do empregador, uma vez configurado ato ilícito nos termos do artigo 927 do Código Civil, e no disposto no artigo 483, “A” da CLT que assim versa:

Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

Corroborando o entendimento acima exposto, temos a decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho que segue:

RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. DIFERENÇA SALARIAL. DESVIO DE FUNÇÃO. PARCELAS VINCENDAS. A percepção das diferenças salariais decorrentes de desvio de função visa evitar o enriquecimento ilícito do empregador, ao qual é imposto o dever de fiscalizar seus empregados e as atividades que cada um desenvolve (…) Recurso de revista a que se dá provimento. (TST – RR: 441008920085010007, Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 30/04/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/05/2014)

Uma vez comprovado o desfio de função, se faz necessário verificar os direitos decorrentes da irregularidade observada. Para tanto, deve ser analisado o disposto na Orientação Jurisprudencial nº 125, da Secção de Dissídios Individuais I, que estabelece o disposto abaixo:

125. DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA (alterado em 13.03.2002)
O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.

Neste sentido, se for reconhecido o desvio de função os tribunais têm defendido o entendimento de que deve haver um novo contrato, assim como a revisão salarial. Deve ser mencionado ainda, que o trabalhador terá garantido o direito de receber às diferenças salariais vencidas no período de 05 anos, contados a partir do ajuizamento da Reclamação Trabalhista, conforme a disposição inserida na Súmula 275 TST, in verbis:

SÚMULAS Nº 275 – PRESCRIÇÃO. DESVIO DE FUNÇÃO E REENQUADRAMENTO
I – Na ação que objetive corrigir desvio funcional, a prescrição só alcança as diferenças salariais vencidas no período de 5 (cinco) anos que precedeu o ajuizamento.
II – Em se tratando de pedido de reenquadramento, a prescrição é total, contada da data do enquadramento do empregado

Por fim, é importante mencionar que não existe proibição legal para o remanejamento de funcionário dentro de uma empresa, mas para que isto ocorra corretamente um novo contrato prevendo a recolocação do trabalhador em uma nova função deve ser formalizado, assim como o salário ajustado. Desta forma, objetiva-se garantir os direitos dos trabalhadores e evitar ações judiciais em face da empresa/ empregador.

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Advogada, especialista em direito processual civil, pós-graduanda em serviço social e gestão de projetos sociais.

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