sexta-feira, 26/julho/2024
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Desvirtuamento do vínculo de estágio

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Segundo o art. 2° do Decreto n°. 87.497/82 o estágio são:

[…] as atividades de aprendizagem social, profissional, cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizadas na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação da instituição de ensino.

A Lei 11.788/08 é a que atualmente dispõe sobre os estágios, e nela, se estabelece que o estágio:

[…] o é o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

Portanto, é evidente que o vínculo de estágio visa a formação do estagiário, agregando a ele, pela prática da prestação de serviço, experiência condizente com a graduação no qual está submetido. É, evidentemente, um meio de preparar antecipadamente o estudante para a vida e trabalho.

Assim sendo, conforme os ensinamentos de Martins (1, p. 171) “ […] o objetivo é a formação profissional do estagiário, tendo, portanto, finalidade pedagógica, embora haja pessoalidade, subordinação, continuidade e uma forma de contraprestação”.

Ocorrerá o desvirtuamento do vínculo de estágio, quando identificados que a atividade desempenhada pelo estagiário não agrega valor à sua formação, pelo que, poderá ser reconhecido o vínculo empregatício à esta relação, nesse sentido, manifestou o TST:

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 13.015/2014. CONTRATO DE ESTÁGIO. ENTE PÚBLICO. DESVIRTUAMENTO. CONTRATO NULO. SÚMULA Nº 363 DESTA CORTE. Trata-se de pedido de isonomia salarial e demais consectários decorrentes do desvirtuamento do contrato de estágio celebrado entre as partes. A Turma entendeu que a nulidade do contrato de estágio havido entre as partes enseja a condenação do reclamado, ente público, aos depósitos do FGTS e ao pagamento do saldo de salários, nos termos da Súmula nº 363 desta Corte. O reclamante requer o pagamento de todas as verbas rescisórias inerentes à dispensa sem justa causa, inclusive quanto às diferenças salariais decorrentes da isonomia com os demais empregados do réu. Na hipótese em que o contrato de estágio celebrado por ente público é declarado nulo pelo desvirtuamento da avença, porque o contratado, na realidade, não está desempenhando funções que lhe proporcionem experiência prática no seu campo de formação, em estrita observância ao princípio da primazia da realidade, a consequência é o pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e o direito aos valores referentes aos depósitos do FGTS, nos termos em que preconiza a Súmula nº 363 desta Corte. Desse modo, a Turma, ao limitar a condenação do reclamado decorrente do desvirtuamento do contrato de estágio aos termos em que preconiza a Súmula nº 363 desta Corte, observou detidamente o entendimento nela consagrado. Agravo desprovido. (AgR-E-ED-RR – 298-44.2011.5.07.0015, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 27/10/2016, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 04/11/2016).

O desvirtuamento do vínculo de estágio, em muitas vezes, diz respeito ao método de camuflar um vínculo empregatício, levantando mão-de-obra mais barata, impondo ao estagiário atividades típicas dos empregados inseridos naquele contexto. À exemplo da decisão colhida junto ao TST:

VÍNCULO DE EMPREGO. DESVIRTUAMENTO DO ESTÁGIO. Na hipótese, o Regional, com base na prova produzida nos autos, concluiu pelo desvirtuamento do estágio e pela existência de vínculo de emprego entre as partes, já que presentes os requisitos previstos no artigo 3º da CLT. Consignou o Tribunal a quo que, apesar de o Centro de Integração Empresa-Escola no Paraná – CIEE, segundo reclamado, ter anexado aos autos alguns documentos decorrentes do contrato de estágio pactuado entre as partes, constatou-se, da análise desses próprios elementos de provas, que –não houve acompanhamento do estágio pela instituição de ensino, nem tampouco houve supervisão pelo Banco réu, o que não atende os requisitos previstos no art. 1º, §3° da Lei 6.494/77-. Registrou, ainda, a Corte regional a coerência dos depoimentos prestados pela reclamante e pelas testemunhas, ao afirmarem que -a) não tinham conhecimento da existência de qualquer relatório de estágio ou de supervisão de estágio; b) a autora desempenhava atividades iguais aos demais empregados do banco, tendo sido, inclusive, caixa, utilizando-se de senha do gerente ou de outros colegas; c) tinha metas a cumprir na venda de produtos do banco, participando das reuniões de distribuição de metas; d) nunca faltou ao trabalho para atender atividades escolares; e) poderia ser advertida pelo Banco réu, sendo tratada como uma empregada do banco-. Destacou o depoimento do preposto, o qual confirmou que -a autora realizava venda de produtos e que utilizava a senha do gerente-. Desse modo, concluiu o Tribunal Regional que, no caso, está –patente o desvirtuamento dos fins do estágio, na medida em que a autora exerceu atividades típicas bancárias, com cobrança de metas e tratamento igual aos demais empregados do banco- e que -o recorrente não teve a intenção de proporcionar à autora a complementação de sua formação profissional, mas sim, de contratar, mediante a modalidade do estágio, uma empregada, para suprir as suas necessidades na área de atuação da autora-. Nesse contexto, diante da comprovação de que a relação existente entre as partes era de emprego, e não de estágio, não há falar em ofensa ao artigo 4º da Lei nº 6.494/77. Para se concluir de forma distinta, ou seja, pela não descaracterização do contrato de estágio e, em consequência, afastar o vínculo de emprego reconhecido, seria imprescindível o reexame da prova coligida nos autos, procedimento vedado nesta fase recursal de natureza extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. […]. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 99800-39.2008.5.09.0068, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 13/11/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/11/2013).

Entretanto, não são apenas as atividades desempenhadas ou não que poderão caracterizar o desvirtuamento do vínculo de estágio, a discordância fática com a própria legislação que regula o estágio propriamente dita poderá incidir na desvirtuação.

Poderá acontecer, de o estagiário desempenhar atividades típicas de estágio, contribuindo o vínculo para sua formação profissional, que, entretanto, estarão desvirtuadas.

É essencial, que o vínculo de estágio respeite as previsões legais contidas na Lei 11.788/08. O art. 7° elenca inúmeras obrigações das instituições de ensino que deverão ser respeitadas. Evidente, por exemplo, a necessidade de confecção de relatórios de atividades periódicos. Vejamos, se o estágio é um mecanismo de aprendizado, o resultado deste objetivo deve ser verificado a fim de contemplar-se formação condizente à que se espera do estagiário.

Portanto, não havendo a fiscalização e acompanhamento da entidade universitária, por exemplo, em desrespeito ao art. 7° da Lei 11.788/08, será reconhecido o vínculo empregatício frente ao desvirtuamento do contrato de estágio, nesse sentido, manifestou o TST:

I – RECURSOS DE REVISTA DA COOPERATIVA DE CRÉDITO SICREDI E DO BANCO COOPERATIVO. […] EMPREGADO DE COOPERATIVA DE CRÉDITO. […] VÍNCULO DE EMPREGO. CONTRATO DE ESTÁGIO. DESVIRTUAMENTO. 1. Conforme registrado no acórdão do Regional, é insuficiente que tenha sido firmado o termo de compromisso previsto no artigo 3º da Lei nº 6.494/1977. 2. Para a caracterização de um contrato de estágio é imprescindível que o programa de estágio integre o currículo escolar e que haja o acompanhamento das atividades pela instituição de ensino, requisitos que não foram observados, razão pela qual é cabível o reconhecimento do vínculo de emprego. 3. No contexto em que dirimida a controvérsia, conclusão contrária demandaria reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que é vedado por óbice da Súmula nº 126 desta Corte. 4. Recurso de revista de que não se conhece. […]. 4. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (ARR – 57000-33.2008.5.04.0521, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 03/08/2016, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/08/2016).

Podemos extrair dessas breves considerações, que o cumprimento com a previsão legal que regra as relações de estágio, não trarão benefícios apenas aos estagiários, uma vez que, poderão estar inseridos no mercado de trabalho para fins de experiência e complementação de estudos; mas, de um ponto de vista patronal, é no cumprimento rigoroso da legislação, que evitar-se-á o reconhecimento de vínculo empregatício às relações que visavam a natureza jurídica de estágio desde a sua concepção.


Bibliografia

1 MARTINS, S. P. Direito do trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

Advogada. Especializada em Direito Empresarial e dos Negócios na instituição de ensino UNIVALI; e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na instituição de ensino Unisul.

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