sexta-feira,26 abril 2024
ColunaTrabalhista in focoDa aplicação da ADC 58 e do trânsito em julgado parcial das...

Da aplicação da ADC 58 e do trânsito em julgado parcial das decisões trabalhistas

Coordenação: Francieli Scheffer

Ainda que filosoficamente o Direito tenha por objetivo captar e traduzir o valor ideal de Justiça dentro de determinada sociedade em uma época específica, de modo a disciplinar a vida relacional dos sujeitos, igualmente importante é preservar-se a segurança jurídica, que consiste no conjunto de condições que torna possível às pessoas o conhecimento antecipado das consequências diretas de seus atos. Como bem observa o professor Jose Afonso da Silva, uma característica fundamental da segurança jurídica repousa “(…) na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída”.1

A Professora Maria Sylvia Zanella de Pietro complementa lecionando que tal princípio apresenta “o aspecto objetivo, da estabilidade das relações jurídicas, e o aspecto subjetivo, da proteção à confiança ou confiança legítima (…)”, que “(…) leva em conta a boa-fé do cidadão que acredita e espera que os atos praticados pelo poder público sejam lícitos e, nessa qualidade, serão mantidos e respeitados pela própria Administração e por terceiros” 2, mormente o Poder Judiciário.

Pois bem, há alguns anos os critérios de atualização das dívidas trabalhistas vêm sofrendo sensíveis e reiteradas alterações tanto no campo legislativo como na esfera jurisprudencial, arrazoando uma série de julgados díspares e maculando, inegavelmente, a segurança jurídica.

Com efeito, desde 2015, quando o C. STF afastou a aplicação da TR para a atualização dos créditos de precatórios3, eis que a mencionado índice perdeu a aptidão para de recompor adequadamente o valor da moeda, violando, pois, o direito de propriedade (art. 5, XXII da CF), as execuções trabalhistas passaram a ser levadas à efeito de forma absolutamente discrepante, em todas as instâncias judiciais, com prejudicial impacto para trabalhadores e empregadores.

A despeito de decisões anteriores em sentido diverso, inclusive da Corte Maior da Justiça do Trabalho, ao julgar a ADC nº 58, em 18.12.2020, o pleno do C. STF decidiu, por maioria de votos, determinar a aplicação do IPCA-E na fase pré-judicial e da Selic na fase judicial, esclarecendo, em sede de julgamento de embargos de declaração, que o marco temporal da fase judicial deve ser entendido como a distribuição da demanda.

Ocorre que, enquanto a TR e o IPCA-E perfazem unicamente índices de correção monetária, a Selic contempla também os juros de mora, motivo pelo qual, ao tratar do tema, firmou o C. STF no item 7 da ementa:

“7. Em relação à fase judicial, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95; 84 da Lei 8.981/95; 39, § 4º, da Lei 9.250/95; 61, § 3º, da Lei 9.430/96; e 30 da Lei 10.522/02). A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem. – destaques nossos

Nesse passo, ao apontar a Selic como índice de correção monetária, a decisão houve por, na prática, afastar a aplicação dos arts. 883 da CLT e 39, §1º, da Lei 8.177/1991, segundo os quais os juros de mora eram devidos à razão de 1% ao mês, desde o ajuizamento da ação, causando significativo impacto na apuração dos créditos.

Além desse aspecto, no mínimo, controvertido, eis que o objeto da demanda não contemplava os juros, a fim de preservar a segurança das relações jurídicas, o C. STF procedeu à seguinte modulação dos efeitos da decisão:

“8. A fim de garantir segurança jurídica e isonomia na aplicação do novo entendimento, fixam-se os seguintes marcos para modulação dos efeitos da decisão: ( i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão, em ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória, todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento, independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal, devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC.
9. Os parâmetros fixados neste julgamento aplicam-se aos processos, ainda que transitados em julgado, em que a sentença não tenha consignado manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais)4. – grifos e destaques nossos

Como visto, restaram assegurados: i) todos os pagamentos já realizados; e ii) as sentenças transitadas em julgado com previsão específica de índices distintos daqueles fixados pelo C. STF, devendo ser aplicadas as novas diretrizes aos processos em curso ou àqueles em que o comando exequendo restou omisso ou, sendo expresso, contemple menção genérica à observância dos critérios legais.

Pois bem, ocorre que a justiça do trabalho tem uma característica peculiar que consiste na cumulação de pedidos, de modo que, não raro, as demandas são julgadas parcialmente procedentes, acolhendo-se alguns direitos e rechaçando-se outros.

Nessa linha, também é usual que as partes recorram de alguns dos pedidos julgados improcedentes, não o fazendo com relação a outros, em face dos quais opera-se o trânsito em julgado, em razão da preclusão do direito de praticar-se o ato irresignatório.

Interessante pontuar, nesse aspecto, que se trata de preclusão lógica, eis que o ato processual consistente na interposição da peça recursal foi levado à efeito a tempo e modo sem, contudo, enfrentar determinado tema o que implica, por consequência, na resignação quanto aos termos do julgado, sendo defeso à instância superior, portanto, ocupar-se de eventual reforma.

Com efeito, além de representar corolário do princípio tantum devolutum quantum apellatum, também é imperativo da inércia do Poder Judiciário, resguardada por diversos dispositivos legais, especialmente os arts. 141 e 492 do CPC, sob pena de caracterizar, inclusive, nulidade processual.

O C. TST já reconheceu a existência da coisa julgada parcial ao dizer sobre o marco inicial da contagem do prazo decadencial para o aforamento de ação rescisória, consignando a possibilidade de ocorrência de trânsito em julgado em momentos e tribunais diferentes, conforme os direitos objeto da irresignação recursal. Vejamos:

Súmula nº 100 do TST
AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 13, 16, 79, 102, 104, 122 e 145 da SBDI-2) – Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005
(…)
II – Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial. (ex-Súmula nº 100 – alterada pela Res. 109/2001, DJ 20.04.2001)
(…) – grifos e destaques nossos

Ao nosso ver, a decisão é sobremaneira acertada e efetivamente reflete a realidade dos processos trabalhistas, contudo, smj, evidencia uma lacuna nos efeitos modulatórios propostos pelo C. STF, posto que, ao cunhar a imprecisa expressão “sentenças transitadas em julgado”, abre margem interpretativa para a solução dos casos em que houve trânsito em julgado parcial, em instância inferior, a respeito dos critérios de atualização da dívida trabalhista.

A coisa julgada parcial também já foi objeto de análise doutrinária, sendo conceituada pelo Ilustre Jurista Gustavo Filipe Barbosa Garcia nos seguintes termos:

“Se o recurso é parcial, ou seja, com impugnação de apenas parte da sentença condenatória, o capítulo não abrangido pela irresignação transita em julgado de imediato, independente do recurso interposto. Se este capítulo refere-se ao mérito, há produção da res judicata material, possibilitando a execução definitiva, se condenatória a decisão.”5

A fim de solucionar essa celeuma, invocamos a inteligência dos arts. 503, caput e §1º e 507 do CPC, de aplicação subsidiária a esta Especializada por força do art. 769 do texto consolidado:

Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.- grifos e destaques nossos

Com efeito, a imutabilidade trazida no bojo do primeiro dispositivo em referência corrobora o texto constitucional, mais precisamente o art. 5, XXXVI da Carta, ao passo que o segundo dispositivo endossa a possibilidade do trânsito parcial, vedando às partes o direito de rediscutir matérias sobre as quais já tenham sido operados os termos da preclusão.

Portanto, em arremate, sustentamos pela possibilidade e dever de ser reconhecida e declarada a coisa julgada parcial nas hipóteses em que a r. sentença ou o v. acórdão expressamente adotaram entendimento sobre os critérios de atualização monetária – juros de mora e correção monetária – e não foram objeto de irresignação por quaisquer das partes, devendo tais critérios prevalecerem para fins de execução, sempre que firmados antes de 18.12.2020, data do julgamento da ADC nº 58 pelo C. STF.

BIBLIOGRAFIA

1 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006.
2 https://www.migalhas.com.br/depeso/302189/o-stj-e-o-principio-da-seguranca-juridica, consultado em 29/03/2022 às 12h30.
3 https://conexaotrabalho.portaldaindustria.com.br/media/publication/files/RT%20Informa%20N.%2061%20julho%20-%20STF%20suspende%20processos%20trabalhistas%20que%20afastam%20a%20aplicacao%20da%20TR%20para%20correcao%20monetaria%20de%20debitos%20judiciais.pdf, consultado em 29/03/2022 às 12h30
4 https://www.conjur.com.br/dl/adc-581.pdf
5 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Capítulos autônomos da decisão e momentos de seu trânsito em julgado. Revista de Processo, n. 111, São Paulo, RT, 2003, p. 296.

Fernanda Franzini C. P. Barretto

Advogada Trabalhista. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com Extensão em Direito e Processo do Trabalho pela Instituição Toledo de Ensino e Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -