quinta-feira,28 março 2024
ArtigosVícios construtivos: de quem é a responsabilidade?

Vícios construtivos: de quem é a responsabilidade?

Por: Ana Couto.

 

Após um longo período de crise na economia, especialistas mostram-se otimistas para 2019 e preveem um aumento na oferta de crédito. Acreditando neste cenário, muitas pessoas já planejam concretizar o sonho da casa própria.

Entretanto, alguns cuidados devem ser observados para que esse sonho não se transforme em pesadelo. Neste sentido, indaga-se: quais as medidas devem ser tomadas a fim de se evitar vícios construtivos em imóveis comprados na planta? E, surgindo os vícios construtivos, o que prevê a legislação brasileira sobre o assunto? De quem é a responsabilidade? Qual é o tipo de ação cabível para reparar os danos e indenizar o comprador que se sentiu prejudicado?

Antes de responder a estas perguntas, deve-se, primeiro, esclarecer o que são “vícios construtivos”, estes definidos pela norma que fixa as diretrizes e conceitos básicos de engenharia, a ABNT NBR 13752 ( item 3.75), assim entendidos como:

“Anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor. Podem decorrer de falha no projeto, ou da execução, ou ainda da informação defeituosa sobre sua utilização ou manutenção.”

Diante disso, dúvidas existem sobre o que pode ou não ser considerado vício.

Importante salientar que neste artigo abordaremos somente a relação estabelecida entre o fornecedor (construtor/vendedor) e o consumidor (comprador), sendo, portanto, regida pela Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Não trataremos dos casos que devem ser analisados sob a égide do Código Civil, como, por exemplo, os negócios jurídicos celebrados entre construtor e o empreiteiro.

Pois bem. Ao adquirir um imóvel na planta, o comprador é convocado a participar de uma vistoria técnica. Nesse momento, é importante estar acompanhado de um profissional (Engenheiro ou Arquiteto) de confiança, a fim de que sejam constatados eventuais defeitos, como rachaduras, desníveis, instalações elétricas defeituosas, vazamentos, metragem a menor, etc.

Importante lembrar que os vícios podem ser aparentes (de fácil percepção) ou ocultos (aqueles que são percebidos após o uso), diferenciando-se apenas quanto ao prazo para requerer, em juízo, a reparação do dano ou a indenização devida.

Realizada a vistoria técnica, o comprador receberá um Manual do Proprietário, que contém as orientações de manutenção e conservação do imóvel. Assim, verificado que o defeito do imóvel decorre de atos praticados pelo comprador, que tenha agido em desconformidade com o Manual do Proprietário, não se estará diante de um vício construtivo, eximindo o construtor e o incorporador de qualquer responsabilidade. Podemos citar como exemplo uma mudança na planta do imóvel, realizada pelo comprador, e que, em razão da reforma, afetou um cano, causando infiltração.

Do contrário, em sendo verificado que o vício decorre de falha do projeto ou da execução, o Consumidor certamente poderá reclamar seus direitos perante a Justiça.

Após muita divergência sobre a matéria, a jurisprudência consolidou entendimento de que o prazo de 5 anos previsto no artigo 618 do Código Civil, aplicado subsidiariamente à relação consumerista, se trata de prazo de garantia.

Portanto, o imóvel tem prazo de garantia de 5 anos. Caso seja verificado algum vício, começará a fluir outro prazo (este prescricional, previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor) para ajuizamento da ação, a depender da finalidade que se pretende, e que será:

A) De 90 (noventa) dias, se a pretensão é que o dano seja reparado (execução do serviço), nos termos do artigo 26 do CDC. Neste caso, a Ação será de Obrigação de Fazer;
B) De 5 (cinco) anos, se a pretensão consiste na rescisão do contrato e/ou indenização por danos materiais ou morais.

No caso da Ação de Obrigação de Fazer, o construtor terá o prazo de 90 (noventa) dias para resolver o problema, e, não sendo resolvido, o consumidor terá o direito de pedir o abatimento do preço ou a substituição do bem, a seu exclusivo critério. Lembrando que, em se tratando de vício oculto, o prazo para a propositura da Ação começará a fluir a partir do momento em que ficou evidenciado o vício (artigo 26, II, §3º do CDC).

E se o vício oculto aparecer após escoado o prazo de garantia, a responsabilidade do construtor/incorporador permanece? A resposta é: depende. O juiz analisará o caso concreto, levando em consideração a vida útil do material que supostamente apresenta o vício. Em sendo considerado que o material utilizado na obra teria, por exemplo, vida útil de 20 anos e o defeito se apresentou em 15 anos, ou seja, após o prazo de garantia, mas antes da sua vida útil, o construtor/incorporador poderá ser responsabilizado.

Como se vê, é importante que a vistoria técnica seja detalhada, descrevendo pormenorizadamente eventuais falhas. Caso elas existam, deve o consumidor notificar por escrito a construtora, a fim de evitar dúvidas quanto ao prazo para reclamar.

Conclui-se, portanto, que a responsabilidade do construtor ou vendedor deverá ser analisada no caso concreto, a fim de verificar se os vícios decorrem de falha do projeto ou de sua execução e, ainda, se estes estão cobertos pelo prazo de garantia ou se a responsabilidade deverá ser afastada em decorrência da prescrição.

 


Referências:
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial, Brasília, 11 jan. 2002.
BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 12 set. 1990.
NBR 13752, 1996 – Norma de Perícias de Engenharia na Construção Civil.

 

 

* Ana Couto , colaborou com nosso site por meio de publicação de conteúdo. Ela é advogada, coordenadora no escritório Araújo Massote & Moss Advogados. Formada pelo centro universitário de belo horizonte – UNI-BH, especialista em direito público pelo centro universitário Newton Paiva, com experiência em direito empresarial e cível (principalmente contratos, direito do consumidor, reparação civil, execuções, direito imobiliário e direito bancário), tanto na advocacia contenciosa, quanto na advocacia consultiva e preventiva.

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