quinta-feira,28 março 2024
ColunaConsumidor AlertaO que você precisa saber sobre: internet lenta ou indisponível.

O que você precisa saber sobre: internet lenta ou indisponível.

Internet

O quão importante você, nobre leitor, entende ser a internet em sua vida? Qual a sensação de ficar “desconectado”? Ou melhor, qual o sentimento desfrutado perante uma internet lenta e que não cumpre o prometido? Não posso entrevistar todos os brasileiros, mas posso afirmar com certa convicção que este é um problema enfrentado, com frequência, por todos nós.

Vez ou outra somos impossibilitados de realizar aquela tarefa que só poderia ser realizada on-line. É um bela dor de cabeça! Contudo, às vezes, o simples fato da ocorrência desta “falha na prestação de serviços” já nos incomoda bastante, e não somente pelo motivo de que ocasionalmente nosso trabalho é feito pela internet, mas também por esta nos proporcionar diversão e entretenimento.

É pela internet que nos mantemos conectados com os amigos e com o mundo. É por meio da internet que você lê este artigo e é por meio dela que eu escrevo. Até mesmo alguns cursos nos dias atuais são disponibilizados na forma on-line. Posso trazer aqui um exemplo pessoal, pois eu mesmo faço minha pós-graduação na modalidade “EAD“, isto é, à distância e com aulas on-line. Podemos ir um pouco além e afirmar que até o pagamento de contas é feito virtualmente ou, na intenção de comprovar que vivemos em um mundo “digital”, até o poder judiciário está em fase de mudanças e, em muitos lugares, para ajuizar uma ação já é necessário possuir uma conexão com a rede mundial de computadores ou a famosa “www” (world wide web). Muitos advogados, operadores do Direito e profissionais de outros ramos já assinam digitalmente, através do que é chamado “certificado digital“.

certificado
Assinatura digital? Não é bem assim…

Pois bem, não restam dúvidas da importância da internet em nossas vidas. Não mais surpreende que você passe horas a fio conectado à internet ou nunca desconecte, mesmo quando sai de casa. Ela é vital, portanto, correto? Mas e a qualidade do que é considerado vital? Corresponde esta às nossas necessidades? Está o Brasil conseguindo acompanhar de forma eficiente esta tendência mundial? Bom, são muitos questionamentos e alguns exigiriam estudos profundos envolvendo áreas profissionais especializadas. Nesse contexto, nos ateremos aqui ao seu direito enquanto consumidor, nossa especialidade.

Há uma previsão interessante no Código de Defesa do Consumidor [1], mais especificamente no capítulo de proteção contratual, que é de imprescindível conhecimento de sua parte, leitor:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

A norma supramencionada decorre do princípio da transparência, e um dos destinatários ou objetos do dispositivo consumerista mencionado é o típico contrato de adesão, em que todas as cláusulas são estipuladas ou confeccionadas de antemão pelo fornecedor ou prestador de serviços, sem a possibilidade de que o consumidor discuta a alteração do conteúdo do contrato. Na prática, muitos consumidores nem tomam ciência das cláusulas estabelecidas nos contratos de adesão e, por esse motivo, o Código de Defesa do Consumidor estabelece uma proteção contra o parceiro contratual economicamente mais forte, isto é, o fornecedor ou prestador de serviços. Sistematizando:

O contrato não obriga o consumidor:

I) Se não toma conhecimento prévio de seu conteúdo.

II) Se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Levando a disposição legal para aplicabilidade ao tema em discussão, podemos afirmar que se você, leitor, não tomou ciência daquele contrato de telefonia/internet ou a redação do contrato não ficou plenamente compreensível, independentemente da intenção do fornecedor ou prestador de serviços, você, em tese, não está obrigado a respeitar nenhuma cláusula e, portanto, não está obrigado a pagar nenhum tipo de encargo em caso de rescisão contratual.

(…) a avaliação da redação que dificulte a compreensão do sentido e alcance da cláusula independe da verificação da intenção do fornecedor. O pressuposto da clareza é absoluto, e não só decorre do princípio da boa-fé objetiva com todos os seus reflexos como está atrelado ao fenômeno da oferta, regulado nos arts. 30 e s., sendo que o art. 31 é taxativo ao designar que qualquer informação (que compõe o contrato por força do art. 30) deve ser correta, clara, precisa, ostensiva etc. E ainda que assim não fosse, para que não reste qualquer dúvida, o § 3º do art. 54, que cuida do contrato de adesão, dispõe no mesmo sentido (…). [2]

Vejamos, então, o que dispõe o artigo 54 do CDC:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

(…)

§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

É comum na prática que as prestadoras de serviços estabeleçam, nos contratos de internet, uma “garantia mínima” de velocidade bem abaixo daquela, de fato, anunciada. Sobre este assunto, a Anatel [3] já se manifestou e, com embasamento nos artigos 16 a 18 da Resolução nº 574/2011 da própria Anatel, afirmou o seguinte:

1) A velocidade da conexão não deve ser inferior a 40% da velocidade que foi ofertada ao cliente. Ou seja, quando a prestadora oferece um pacote com velocidade de 1 Mbps, a velocidade nunca pode ser inferior a 400 kbps;
2) Considerando todas as conexões à Internet, a média mensal da velocidade não deve ser inferior a 80% da velocidade ofertada ao cliente. Ou seja, a média da velocidade ao longo do mês não pode ser inferior a 800 kbps, seguindo o exemplo acima.

Há entendimento jurisprudencial que expõe a aparente legalidade na eventual oscilação da velocidade de internet banda larga, no sentido de que esta oscilação seria um fato inerente ao serviço e dependeria de diversos fatores que fugiriam do controle da empresa. No entanto, em casos extremos, alegada judicialmente uma velocidade de conexão abaixo dos parâmetros estabelecidos pela Anatel, é plausível a indenização por danos morais e/ou materiais, ficando a cargo da empresa prestadora de serviços provar, em regra, diante da hipossuficiência técnica do consumidor, a velocidade fornecida, quando aplicado pelo julgador a inversão do ônus da prova, conforme disposição legal do CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

(…)

Há, também, entendimento jurisprudencial no sentido de que, diante de interrupções no sinal de internet, existe direito favorável ao consumidor de abatimento do preço do serviço prestado com defeito, haja vista a responsabilidade objetiva do prestador de serviços, conforme previsão expressa no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Vejamos:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (…)

No entanto, a indenização por danos morais não é “automática” no caso de vício na prestação de serviços, isto é, não há, em tese, presunção de danos morais. Lembramos que o dever de indenizar surge com a comprovação pelo consumidor dos elementos da responsabilidade civil: dano, ilicitude da conduta e nexo causal. A falha na prestação de serviços nesta temática não ofenderia, a princípio, direitos de personalidade. Todavia, importante registrar que a condenação das empresas ao pagamento de danos morais nas hipóteses em estudo é controversa. Em pesquisas jurisprudenciais [4] foi possível verificar posicionamentos completamente diferentes em um mesmo julgado. No acórdão abaixo exibido, prevaleceu o entendimento da ocorrência de dano moral indenizável, mas é apreciável o entendimento em contrário:

EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE INTERNET. VELOCIDADE CONSIDERAVELMENTE INFERIOR À CONTRATADA. REITERAÇÃO DE RECLAMAÇÕES. CONTRATAÇÃO PESSOAL PELO CONSUMIDOR DE PROFISSIONAL PARA APURAÇÃO DO PROBLEMA. INÉRCIA DA PRESTADORA DO SERVIÇO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. MÁ-FÉ CONSUBSTANCIADA.
– É entendimento consagrado na jurisprudência pátria que o mero inadimplemento contratual não enseja reparação por danos morais. Assim, provado nos autos que o descumprimento negocial importou transtorno e perturbação ao consumidor que ultrapassaram a insatisfação natural ínsita à mora, deve ser reconhecida a ocorrência de dano moral indenizável, uma vez conspurcados direitos da personalidade.
(…)
V.V.
– O fornecimento de serviço de internet de maneira diferente da contratada não enseja qualquer ofensa ao direito da personalidade, bem como, não acarreta repercussão no mundo exterior, limitando-se a ensejar meros aborrecimentos.

É aparentemente unânime a ideia de que, conforme exposição acima, a violação do contrato, por si só, não enseja a reparação por danos morais. No entanto, é quase certo que o consumidor, diante de uma situação de descumprimento do contrato pela empresa, como no caso da indisponibilidade do sinal de internet, passará por transtornos. Só que, como já exposto neste artigo, estes danos não são presumíveis, cabendo ao autor da demanda provar o alegado, ainda que deferida a inversão do ônus da prova. É o que se conclui.

Vale a pena mencionar ainda um trecho do mesmo julgado, mesmo que pertencente à exposição do voto vencido (Desembargador Marco Aurelio Ferenzini), que evidencia de forma nítida uma forma de raciocínio que restringe a possibilidade da condenação de empresas ao pagamento de indenização por danos morais:

Viver em sociedade implica em conviver com eventuais dissabores inerentes aos equívocos e falhas imanentes em todo ser humano e também em todos mecanismos, instrumentos e procedimentos que visam dar conforto, segurança, celeridade e praticidade no dia-a-dia. Somente estará imune aos aborrecimentos aquele que se predispuser a viver isolado do convívio humano e dos meios que facilitam a vida do homem moderno.

Nobres colegas e caros leitores, o discurso jurídico acima mencionado é, sem dúvida alguma, uma exposição racional, lógica e coerente. No entanto, ouso afirmar que injusta! E, ainda que respeitando o posicionamento adotado pelo douto Desembargador, desconheço situações em que as empresas prestadoras de serviços de internet aceitem conviver com “eventuais dissabores inerentes aos equívocos e falhas imanentes em todo ser humano“, afinal arrisco declarar que ninguém será poupado de pagar a conta por exemplo, em que pese a insuficiência de recursos financeiros ser considerada, também, um “dissabor inerente a todo ser humano”. Ora, o que vale para o primeiro, também deveria valer para o segundo, nada obstante, na prática, não é bem este o retrato dos fornecedores e prestadores de serviços nas relações de consumo. Faço ressalvas, claro, às exceções. Me baseio, logo, nos princípios que regem as relações de consumo. Não afasto, em nenhuma hipótese, o dever do consumidor em honrar seus compromissos.


[1] BRASIL. Lei nº 8.078. Brasília, 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm> . Acesso em 14/03/2016.

[2] NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

[3] http://www.anatel.gov.br/consumidor/index.php/banda-larga/direitos/velocidade-de-conexao />. Acesso em: 14 de mar. 2016.

[4] JURISDIÇÃO. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. 14ª Câmara Cível. Apelação Cível 1.0481.10.002676-6/001 0026766-22.2010.8.13.0481 (1). Relator(a) Des.(a) Cláudia Maia. Publicação: 16/12/2014.

Advogado. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

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