quinta-feira,18 abril 2024
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Ué, revogaram o novo CPC? Parte 3

Finalmente, eis o desfecho da nossa série de artigos “Ué, revogaram o novo CPC?
Ué, revogaram o novo CPC? Parte 2

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Não posso terminar a trilogia de artigos sem dizer que todos esses novos entendimentos sobre o novo CPC foi feito fora “da forma da lei”, e sim através dos quasímodos de entendimentos coletivos que chamam atualmente de enunciados, os quais ganham cada vez mais força em nossas terras brasileiras.
Aqui na Bahia o assunto já é moda (faço esse parêntese regional por ser desta bela terra, que muito amo, logo tenho conhecimento para falar – presunção jure et de jure). A resposta para polêmicas já deixou de ser, infelizmente, aqueles estudos doutrinários robustos vindos de juristas esforçados, estudantes e arquitetos de ideias por longo período de tempo. Enunciado por essas bandas, se não for exagero, está saindo até em mesa de bar.

Recentemente, ganhou ares no Ministério Público da Bahia alguns enunciados criminais.

Para começar a queda de nossas bocas, repito: criminais!
Sentou? Falo de novo: Criminais.
Isso mesmo. Gravou? Ótimo (não falo mais).

O princípio da legalidade (ou “legaliteralidade” como chamava Pontes de Miranda) já se foi (esta última expressão feliz, quiçá, foi junto com o saudoso jurista). Eis um dos enunciados aprovados pela instituição fiscal da lei estadual:

“No que concerne à aplicabilidade do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, a dedicação do agente a atividades criminosas pode ser extraída de elementos como a quantidade, diversidade e natureza do entorpecente apreendido, da existência de condenações sem trânsito em julgado, ações penais e inquéritos policiais em curso, bem como de procedimentos investigatórios criminais, como obstáculo à concessão do referido benefício.” (Decisão unânime tomada em 29 de maio de 2015).

Uma afronta ao Estado de Inocência!Não faremos aqui uma defesa desse princípio para não fugir do assunto deste artigo, mas recomendamos o texto do Promotor de Justiça Rômulo de Andrade Moreira sobre o assunto [1]. Fato é que como este enunciado do MP, ainda que sem trânsito em julgado, um histórico frágil pode lhe condenar às agruras da prisão. Veja que a decisão do enunciado foi unânime!
Normas severas como essas assustam a população e fazem da sociedade apenas um lugar mais tormentoso de se viver, onde pessoas ainda não julgadas por seu histórico podem ser condenadas por tal passado. Peculiaridades do Brasil que não são atuais. No século 18, conta uma fábula que Frederico II, Rei da Prússia, ao tomar conhecimento do Livro V das Ordenações, que cuidava do Direito Criminal no Brasil, perguntou ao Marquês de Pombal, irônico: “Mas ainda há alguém vivo por lá?
Mas não se preocupe caro leitor, não raro ainda encontramos pessoas fora das cadeias aqui na Bahia.
Onde se quer chegar é na natureza dos enunciados, esse instituto disforme que vem tomando espaço no Direito brasileiro, constituindo mais uma jabuticaba, como diria Lênio Streck sobre súmulas:

 “(…) a súmula brasileira é jabuticaba também pelo fato de se tentar compará-la aos precedentes da common law. Ora, lá um precedente é feito para resolver casos passados, de forma incidental. Aqui, ela é feita para justamente fazer o contrário: resolver, com pretensões de lei, todos os casos futuros. Trata-se, no fundo, de uma forma de antecipação de tutela hermenêutica. Uma cautelar de sentidos. Uma tentativa de “colocar” para dentro de um enunciado todas as coisas das quais esse enunciado trata em tese.” (STRECK, Lênio Luiz. Súmula não vinculante 500 do STJ  é inconstitucional e ilegal. Conjur, 08/11/2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-nov-08/lenio-streck-sumula-nao-vinculante-500-supremo-inconstitucional-ilegal>).

Da mesma forma são os enunciados, porém qualificadas por uma questão mais prejudicial: não há amparo legal. A constituição não outorgou a qualquer colegiado além daqueles definidos em seu bojo o poder de produzir entendimentos os quais, uma vez sumulados, deveriam recomendar e orientar a Justiça.<
Vale dizer que os enunciados não se tratam apenas de posicionamentos jurídicos reiterados sobre matérias fáticas postas à apreciação judicial. O nome disso é jurisprudência e já existe há longo tempo.
Enunciados são um misto de esnobismo e vaidade de quem não pode legislar. Franksteins jurídicos, incapazes de vincular, mas pretensiosos para serem seguidos por uma comunidade que, nem sempre, os quis ou votou na existência deles. Você, leitor, votou em algum dos seis enunciados do ENFAM? Mas sua vida pode ser decidida com base neles caso algum juiz acate tais excrescências.
Bem por isso que devemos ter cuidado com todo tipo de fundamento que não decorre da lei. A lei é a expressão democrática da vontade popular. Existe, porque permitimos e tivemos oportunidade de escolher quem nos representasse, seja para criar ou para obstar determinada lei. Não é o que ocorre com normas além do âmbito legal, como enunciados, provenientes de posicionamentos cozinhados nas copas políticas da conveniência e dos acordos, alheios à soberania popular.
Ninguém vota em juízes. E isso é mais um motivo para que se atenham ao que dispõe a lei. Não devem cegos pela lei e agirem como os magistrados franceses antigos, famosos pela conduta de “bouche de loi” (boca da lei). Porém não devem ser surdos às expressões soberanas populares. O cidadão que muito pouco não é ouvido em suas politicas públicas não necessita de ainda mais muros quando comparece ao Judiciário, agora criador de barreiras para ouvi-lo.
O Estado deve satisfações àqueles que lhe buscam e fundamentação nas respostas que oferece. Como ensina com fulgor Pierre Calamandrei, “não basta que os magistrados conheçam com perfeição as leis tais como são escritas; seria necessário que conhecessem igualmente a sociedade em que essas leis devem viver” (Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 183).
É preciso dar um basta nessa avalanche modista do conluio judicial que é a fabricação em série de enunciados, constituídos por quem não pode legiferar, tampouco possui o poder constitucional de sumular. Essa terceira via normativa não pode existir.
Como já advertia Calmon de Passos em sábias palavras, “infelizmente, no Brasil pós 1988 se adquiriu a urticária do ‘autonomismo’, e todo mundo é comandante e ninguém é soldado, todo mundo é malho e ninguém é bigorna” (CALMON DE PASSOS, J.J.. Súmula vinculante. in Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 9(1) 163-176, jan.-mar.1997, p. 176).
Torçamos para que o novo CPC sobreviva, senão, será natimorto.


Notas de Fim:
1 MOREIRA, Rômulo de Andrade. Os Enunciados do CONCRIM – Conselho de Procuradores e Promotores de Justiça com atuação na área criminal. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun. 2015. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.53857&seo=1>. Acesso em: 13 set. 2015.

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