quinta-feira,28 março 2024
ArtigosTSE e monitoramento das redes sociais

TSE e monitoramento das redes sociais

1-A NOTÍCIA

Foi veiculada na imprensa a notícia de que o Tribunal Superior Eleitoral contratou a empresa “Partners Comunicação Integrada” para fins de monitoramento das redes sociais brasileiras. O contrato seria no valor de R$ 250 mil reais por prazo de 12 meses, totalizando mensalmente um gasto de R$ 20,8 mil reais.
Segundo consta, os serviços incluem:
monitoramento online e em tempo real da presença digital do TSE e de temas de interesse da Justiça Eleitoral em redes sociais, com a entrega de alertas em tempo real (por app, email, SMS ou WhatsApp), relatórios analíticos diário, semanal e mensal com análise quantitativa e qualitativa e elaboração de plano mensal de ação estratégica para atuação em redes sociais.

Resta nítido que a partir de agora as redes sociais no Brasil não são livres, mas submetidas a uma vigilância constante sob o pretexto de assegurar a legalidade, democracia, ou seja, lá qual palavra de ordem esteja em voga no momento a fim de sustentar a perpetuação de um estado de exceção.

2-SOBRE A CONTRATAÇÃO

Embora se afirme que a empresa enfocada já teve contratos antecedentes com o TSE, bem como que tem contratos vigentes com o Ministério das Comunicações, o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, há a informação de que
em 2013, o jornal Correio Braziliense informou que Marcelo Estrela Fiche e seu adjunto, Humberto Alencar, que ocupavam a chefia da Assessoria Técnica e Administrativa do Ministério da Fazenda na época do governo de Dilma Rousseff (PT), teriam recebido propina da empresa Partnersnet Comunicação Empresarial. Segundo as denúncias, a empresa teria posto funcionários fantasmas na folha de pagamentos do ministério.Alencar e Fiche, ex-chefe de gabinete do ex-ministro Guido Mantega, foram exonerados de seus cargos em dezembro de 2013, sob a acusação de receberem propina no valor de R$ 60 mil. A Partners, que já recebeu ao menos R$ 40 milhões em contratos com o governo federal desde 2012, tem sede em Belo Horizonte (MG) e escritório em Brasília (DF).
Considerando que a contratação se deu por meio de processo licitatório público é de se imaginar que a empresa esteja regularizada, bem como que seus representantes para os contratos que já mantém e que vem agora a manter com a União, estejam com as certidões criminais, civis, fiscais etc. todas em dia, algo que somente se poderá saber mediante vista dos respectivos procedimentos administrativos. A notícia do envolvimento da empresa em corrupção no ano de 2013 acende um alerta, mas não significa que tenha havido condenação de algum envolvido. Obviamente, em havendo irregularidades impeditivas da contratação e sendo esta feita sem desclassificação necessária da empresa envolvida, poderia haver até mesmo crime da Lei de Licitações (Lei 14.133/21) no decorrer do procedimento.

3-PATENTES VIOLAÇÕES DA LEGISLAÇÃO E CONSTITUIÇÃO COM O MONITORAMENTO DAS REDES SOCIAIS
No Brasil há direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos tais como os de expressão, pensamento, informação, consciência, religião, imprensa, reunião, trabalho etc. Assim sendo não há previsão legal de qualquer órgão de censura ou mesmo controle das comunicações em rede social, publicações, textos, interações etc., e se houvesse ou se pretensamente se cogitasse disso, seria inconstitucional. Assim sendo, a própria iniciativa de monitorar as redes sociais já nasce ilegítima, ilegal e inconstitucional.
Poder-se-ia alegar que o intento é de evitar crimes eleitorais ou outras infrações na redes sociais, o que seria uma exceção. Isso jamais pode prosperar. O Tribunal Superior Eleitoral (grifo nosso) é um órgão do Poder Judiciário com competências jurisdicionais “ratione materiae” (em razão da matéria – eleitoral), bem como atribuições de natureza administrativa ligadas ao processo eleitoral (v.g. emissão e controle de títulos de eleitor, organização das eleições, fiscalização, registro de Partidos Políticos, registro de candidatos etc.). Não obstante, não detém o TSE, o TRE ou os Juízos Eleitorais de primeiro grau atribuição de investigação criminal, a qual é adstrita às Polícias Judiciárias (Civil e Federal) e ao Ministério Público, mesmo em crimes eleitorais. As Ações de Investigação Eleitoral não se referem a um poder de investigação geral, mas atrelado à provocação de terceiros. Todos os componentes desses órgãos judiciais são magistrados e não podem exercer investigação, sob pena de violação patente do Sistema Acusatório.
Ainda que assim não fosse, o monitoramento geral e diuturno das redes sociais não poderia ser levado a termo nem mesmo por órgãos legitimados para a prática de atos de investigação ou de coleta de informações de inteligência. Monitorar indiscriminadamente redes sociais configuraria o que se chama de “fishing expedition”, “pesca probatória” ou “investigação prospectiva ou por prospecção”.
Conforme leciona Rosa:
Fishing expedition, ou pescaria probatória, é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem “causa provável”, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém (grifo nosso).
E o mesmo autor dá como exemplo dessa prática abjeta proibida no Direito Moderno exatamente se referindo a casos de “investigações criminais dissimuladas de fiscalizações de órgãos públicos (Receita Federal, controladorias, Tribunais de Contas, órgãos públicos etc.)”. Certamente podemos incluir nessa lista final de Rosa o Tribunal Superior Eleitoral, ao institucionalizar uma modalidade de “investigação prospectiva” ou “pesca probatória” por meio do monitoramento das redes sociais, sem um alvo definido, sem justa causa, sem um objeto definido de investigação, apenas uma rede jogada aleatoriamente para verificar o que retorna. Essa espécie de procedimento é vedada até mesmo aos órgãos dotados de legitimidade legal e constitucional para investigar, o que dizer de um órgão do Poder Judiciário que, ao reverso, é proibido de praticar atos investigatórios, bem como é regido pelo “Princípio da Inércia”, somente podendo agir por provocação de interessados, da Polícia ou do Ministério Público?
Significa dizer que qualquer informação coletada mediante esses monitoramentos espúrios será prova ilícita, bem como qualquer prova que advenha desses atos será ilícita por derivação, segundo a chamada “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada” (“Fruits of the poisonous tree doctrine” – artigo 157 e seu § 1º., CPP).

4-CONCLUSÃO
O monitoramento das redes sociais brasileiras pelo TSE é eivado de inconstitucionalidade e ilegalidade, de forma que quaisquer dados obtidos são inservíveis para fins de instrução probatória seja de procedimentos criminais, civis ou administrativos, inclusive eleitorais.
Sequer a cogitação de uma ideia dessas já seria algo assustador, mas acaba essa aberração se concretizando sob os olhos de todos porque há tempos se permitiu que inquéritos ilegais e inconstitucionais como o das “Fake News” e o dos chamados “Atos Antidemocráticos” (afora outros apêndices) tivessem andamento e contassem com a corroboração do nosso mais alto tribunal e a inércia do nosso Senado em sua função fiscalizatória de freios e contrapesos. Assim, vamos caminhando de ilegalidade em ilegalidade, de abuso em abuso, numa não tão lenta conformação de um Estado Policial ao estilo dos totalitarismos históricos e contemporâneos.

5-REFERÊNCIAS
ABDO, Camila. TSE contrata empresa para monitorar redes sociais. Disponível em https://revistaoeste.com/politica/tse-contrata-empresa-para-monitorar-redes-sociais/ , acesso em 28.11.2022.

MARTINS, Laís. TSE finalmente contrata empresa para monitorar redes sociais. Disponível em https://www.terra.com.br/byte/tse-finalmente-contrata-empresa-para-monitorar-redes-sociais,9fc6e27073212713f9d77cdc9ec82e22ga6l8rrw.html , acesso em 28.11.2022.

ROSA, Alexandre Morais da. A Prática de Fishing Expedition no Processo Penal. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-jul-02/limite-penal-pratica-fishing-expedition-processo-penal , acesso em 28.11.2022.

Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós Graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

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