sexta-feira,29 março 2024
ColunaDireitos (&) HumanosTrabalho análogo à escravidão em vinícolas no RS

Trabalho análogo à escravidão em vinícolas no RS

A denúncia

 

Uma operação da Polícia Rodoviária Federal junto com a Polícia Federal e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), realizada em 22/02/2023, resgatou 207 trabalhadores em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Os resgatados, em sua maioria, oriundos da Bahia, foram recrutados para trabalhar na colheita da uva. A contratação se deu por meio da empresa terceirizada Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA., para prestar serviço para as vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi.

O resgate ocorreu depois que três trabalhadores fugiram do local e fizeram a denúncia junto à PRF, em Caxias do Sul. No local de trabalho, os fiscais do MTE encontraram uma máquina usada para aplicação de choque elétrico e tubos de spray de pimenta. Além disso, as investigações preliminares indicam que os empregados eram submetidos a jornadas exaustivas, só podiam comprar produtos em um único estabelecimento comercial, recebiam comida imprópria para o consumo, etc.

Em entrevista ao Globo Rural, um dos trabalhadores resgatados, que já está em sua cidade natal, Salvador (BA), afirmou que os supervisores agrediam os funcionários com “choques e murros nas costelas”.

Em seu relato, discorreu:

“A gente acordava às 4h da manhã à base de grito. Chamando a gente de demônio. ‘Acorda demônio, acorda para trabalhar. Baiano bom é baiano morto. Se não trabalhar vai morrer’. Os que não conseguiam acordar para trabalhar tomavam choque no pé. Ou murro na costela para ter que ir acordar para trabalhar”

Contou ainda que foi para o Rio Grande do Sul porque estava desempregado e recebeu uma proposta de trabalho com salário de R$ 2 mil a R$ 4 mil, passagem de ida e volta, alimentação e dormitório. Porém, não foi isso que aconteceu.

Relato do trabalhador:

“Mas chegando lá foi tudo enganoso. O que encontrei foi um alojamento, que disseram que era uma pousada, um galpão com mais de 200 pessoas dentro, um quarto em frente ao outro com nove pessoas. O café da manhã era um pão com café, meio dia a quentinha azeda, que a gente não comia. E chegava de noite não tinha comida pra gente. Comida toda azeda”.

Os trabalhadores resgatados ficaram alojados no ginásio Darcy Pozza, em Bento Gonçalves, até que pudessem voltar para casa. Dos 207 trabalhadores resgatados, 194 partiram de ônibus do Rio Grande do Sul para a Bahia no início do sábado (25/02). Outros quatro trabalhadores preferiram ficar em Bento Gonçalves; e nove gaúchos retornarão de ônibus às suas cidades nos próximos dias. A Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA., pagará todos os custos com o transporte dessas pessoas. Ademais, segundo a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, o governo da Bahia afirmou que esperará pelos trabalhadores com equipes de assistência social em cada um dos municípios de chegada.

 

A prisão

 

O dono da empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA., Pedro Augusto Oliveira de Santana, foi preso em flagrante por manter os trabalhadores em situação análoga à escravidão. O referido pagou fiança, foi solto e responderá em liberdade.

Em nota, as vinícolas repudiaram os fatos relatados pelos trabalhadores. Anunciaram que, após esse fato, encerraram contrato com Fênix Prestação de Serviços e informaram que haverá mudança na fiscalização para que, esse tipo de conduta, não se repita.

 

As vinícolas podem ser responsabilizadas?

 

As vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton contrataram a Fênix, que oferecia mão de obra. Entretanto, em nota, as vinícolas disseram que desconheciam as irregularidades praticadas contra os trabalhadores recrutados pela empresa terceirizada.

Alegam que estão isentas de culpa, porém, de acordo com o gerente regional do MTE em Caxias do Sul, Vanius Corte, ainda que tentem se isentar da culpa, juridicamente, elas podem ter responsabilidade subsidiária sobre o crime flagrado em suas fazendas, isso porque a partir do momento que há contratação de um serviço terceirizado, as empresas têm o dever de fiscalizar a execução do trabalho e tem a responsabilidade de examinar se ele oferece as condições adequadas.

Vanius Corte menciona que:

“As pessoas que tomaram esse serviço, as pessoas que foram beneficiadas por esse serviço, também podem ser responsabilizadas. Chamamos isso de responsabilidade subsidiária. Primeiro, o empregador tem a responsabilidade”. Ou seja, “Se ele não pagar, as pessoas que trabalharam em determinada vinícola, que prestaram o serviço lá, podem cobrar, e nós vamos chegar nesse ponto, dessa vinícola que se beneficiou desse trabalho”, acrescentou.

 

Trabalho escravo contemporâneo

 

Tanto nas regiões urbanas quanto rurais, milhares de pessoas são colocadas em situação de escravidão. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 25 milhões de pessoas são vítimas do trabalho análogo à escravidão, incluindo mulheres e crianças.

A exploração ilícita e precária do trabalho é o que caracteriza a condição análoga a de escravo. Logo, considera-se exploração, condições degradantes como o constrangimento físico e/ou moral a que o trabalhador é submetido, jornada exaustiva, ausência de remuneração ou remuneração irregular, privação da liberdade, retenção de documentos, alojamento sem condições de habitação, ausência de instalações sanitárias e de água potável. Esses são alguns exemplos de condições que evidenciam o trabalho forçado.

Diante disso, faz-se necessário campanhas voltadas para a comunidade, a fim de informar o que é o trabalho análogo ao de trabalho, bem como, quais são as suas características, como identificar e denunciar. É necessário também, a criação de casas de apoio em todos os estados brasileiros, pois na maioria dos casos, a vítima não tem para onde ir caso saia do local da exploração, isso dificulta ainda mais as denúncias.

Cabe destacar também que a impunidade é outro fator que dificulta a erradicação da exploração laboral. Há um reduzido número de pessoas físicas punidas por praticar esse crime, este fato faz com que os empregadores acreditem que se cometerem esses desvios nada acontecerá. Portanto, recursos financeiros para combater esse tipo de crime também devem ser assunto de debate, pois nos últimos anos houve uma drástica redução nessas verbas para o combate ao trabalho escravo.

 

 

 


REFERÊNCIAS:

 

Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2023/03/05/conheca-a-producao-de-uva-e-vinho-na-serra-gaucha-e-como-a-denuncia-de-trabalho-escravo-afetou-o-setor.ghtml. Acesso em: 07 de mar. 2023.

 

Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/o-que-se-sabe-sobre-caso-de-trabalho-an%C3%A1logo-%C3%A0-escravid%C3%A3o-no-rs/a-64865707. Acesso em: 07 de mar. 2023.

*Imagem ilustrativa. Fonte disponível em: http://abet-trabalho.org.br/flagrantes-de-trabalho-escravo-chegam-a-1-723-em-2018/. Acesso em: 07 de mar. 2023

Advogada. Pesquisadora Científica. Possui obras publicadas em Revistas e Jornais de grande circulação.
E-mail: cassiarafaelle.juridico@gmail.com

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