quinta-feira,28 março 2024
ColunaDireito da SaúdeTelemedicina: Preceitos, Regulamentação e suas Expectativas Após o Surgimento da Covid-19

Telemedicina: Preceitos, Regulamentação e suas Expectativas Após o Surgimento da Covid-19

Coordenação: Alan Kozyreff

 

Autores:
*Carolina Alves dos Santos
*Cíntia Aiko Inoyama
*Emily Aranha Machado
*Isabella Ferreira da Silva
*Laura Pierini Pimenta da Silva

O que é telemedicina

Por conta dos frequentes avanços tecnológicos trazidos pela última metade do séc. XX, a troca de informações expandiu ao ponto de possibilitar inovações nos diferentes ramos científicos dentro da área da saúde. O envelhecimento da população atrelado à carência na propagação e acessibilidade dos cuidados médicos, possibilitou a aplicação da telemedicina como uma solução versátil e dinâmica para os problemas diários existentes na rede de saúde pública em inúmeros países.

Para Jose Manuel Santos de Varge Maldonado, coordenador adjunto do Mestrado Profissional de Política e Gestão em CT&I em Saúde na Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP, a telemedicina pode ser definida como o “uso das tecnologias de informação e comunicação na saúde, viabilizando a oferta de serviços ligados aos cuidados com a saúde especialmente nos casos em que a distância é um fator crítico”.

Desde 1950, as frequentes e constantes demandas em saúde acionou a publicação de artigos e implementação dessas práticas no mundo. Durante a realização e aplicação de tais estudos, se percebeu que as principais problemáticas para a implementação da telemedicina consistiam nas distâncias geográficas, a falta de equidade e integralidade do acesso à saúde nas mais variadas localidades do mundo.

No Brasil, dada a extensa área territorial, a alta complexidade do sistema de saúde e falta de uniformidade de profissionais nas diferentes regiões, comprometem o atendimento uniforme e adequado gerando vulnerabilidade nas ações ambulatoriais. Portanto, houve em 1989, a criação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, sendo o incentivo essencial para utilização da telemedicina em apoio a atenção primária no país.

É inegável as possibilidades que a utilização da telemedicina pode proporcionar nas políticas públicas em saúde no Brasil e no mundo, no entanto, cabe ressaltar que os desafios e limitações trazidos por esta prática, como por exemplo, os aspectos de acessibilidade dos serviços e tecnologias e o prejuízo nas interações médico/profissionais de saúde e pacientes, precisam ser solucionados e amparados por meio de regulamentações e diretrizes para garantir a efetiva e segura implementação.

 

Regulamentação na legislação brasileira

Antes da chegada da pandemia do novo Coronavírus, a telemedicina era amparada pela Resolução nº 1.643/2002 do Conselho Federal de Medicina – CFM, na qual era restrita a utilização apenas para casos emergenciais ou de suporte entre os médicos, facilitando a emissão de laudos à distância e a entrega de diagnósticos.

Porém, com a crise de saúde pública causada pela extensiva propagação da doença durante os meses de 2020, o CFM encaminhou ao Ministério da Saúde o ofício nº 1.756/2020 que disciplinava as práticas de teleorientação, telemonitoramento e teleinterconsulta. Após o direcionamento da medida, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 467, trazendo uma interpretação mais abrangente do tema e reconhecendo a importância da telemedicina diante à situação extraordinária. Foi a partir deste momento que se tornou possível a criação da Lei nº 13.989/2020, regulamentando, ainda de forma acanhada, a telemedicina, enquanto durar a pandemia no país.

A lei é composta por apenas 6 artigos, os quais são suficientes para exteriorizar as condutas a serem seguidas nesse período. Além de definir a atuação prevista da telemedicina no país, a norma não possui qualquer tipo de restrição em relação à especialidade médica permitida para usufruir da prática e nem acerca de formas de cobrança dos serviços médicos realizados, deixando a critério do profissional.

Um dos principais impactos causados pela utilização da telemedicina, é a necessidade de mudanças e adaptações na assinatura de documentos, tais como prontuários e receitas médicas. Por mais que a referida lei não preveja essa situação e também não vede a utilização de recursos eletrônicos para realizar tais assinaturas, é preciso ressaltar a relevância desses mecanismos para que o exercício da medicina seja eficaz, uma vez que só estes garantem o pleno alinhamento às práticas previstas em consultório e o acesso dos pacientes às suas respectivas receitas.

Atualmente, os documentos legais responsáveis pela regulamentação das assinaturas eletrônicas e a digitalização de documentos são a MP 2.200-2/2001 e o Decreto nº 10.278/2020, portanto, quando observado todos os dispositivos legais referentes à matéria em questão, pode-se concluir que os médicos estão autorizados a assinar documentos necessários à distância. E, a fim de manter a validade legal dos tais documentos, faz-se indispensável a certificação ICP-Brasil.

O método de atendimento médico remoto foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde – OMS, no início dos anos 90, sendo considerado uma alternativa comum para diagnóstico e tratamento de pacientes nos territórios da América do Norte, Europa e Ásia, sempre objetivando o acesso à saúde dos habitantes que residem em regiões afastadas dos atendimentos hospitalares localizados em centros urbanos, bem como, a redução de custos logísticos. O avanço na execução da telemedicina no exterior é tanto que, já são realizadas cirurgias por meio de braços robóticos controlados à distância. Quando comparado à forma que o Brasil aderiu ao método, é notório um atraso na regulamentação legal, ao ponto de ter que ocorrer uma pandemia mundial para que finalmente detenha de um amparo na legislação.

A eclosão da pandemia do novo Coronavírus tornou a telemedicina uma questão de segurança para os pacientes e os profissionais da área de saúde. No Brasil, há uma falta de sintonia entre as tecnologias que a telemedicina pode nos proporcionar e o aparato legal brasileiro, que, atualmente, é insuficiente para assegurar a aplicação de forma segura e competente. Os principais obstáculos que nos impede da expansão essencial da telemedicina, ao nível dos países mais desenvolvidos, é a escassez de verba pública, infraestrutura e materiais necessários para realização de tais procedimentos, além da falta de experiência técnica dos profissionais de medicina formados no Brasil. Apesar da facilidade que a informação nos traz, para progredirmos será primordial uma reformulação na execução da medicina em todo o país.

 

Ética profissional

A ética na telemedicina define-se como um conjunto de preceitos e normas que devem ser acolhidos e respeitados por todos os profissionais da área. São preceitos que regem a prática médica com o objetivo de aumentar a segurança nos atendimentos, nas tomadas de decisões e nos procedimentos.

Além de orientar os profissionais no que diz respeito às condutas médicas mais apropriadas em diferentes casos, o Código de Ética é revisto e atualizado periodicamente, sempre buscando as práticas mais atualizadas e eficazes, isto posto, é evidente a seriedade quanto a preservação da vida dos pacientes.

Os princípios essenciais para que a telemedicina seja aplicada de forma íntegra consistem na confidencialidade, no qual afirma que a relação médico-paciente deve ser construída sob os fundamentos da confiança, portanto, é indispensável a garantia de que os dados pessoais do paciente não serão compartilhados digitalmente sem qualquer tipo de autorização; na humanização, sendo crucial para que os médicos não percam a empatia, uma vez que não há o contato físico imediato, logo, é necessário que as ações do profissional sejam norteadas pelo zelo, honra e dignidade afrente aos pacientes; e por fim a equidade, referindo-se a busca pelo tratamento justo e igualitário a todos dentro do acesso à saúde, independente de distinções sociais, econômicas e geográficas que podem existir na população.

A partir da década de 1990, através da Declaração de Tel Aviv sobre responsabilidades e normas éticas na utilização da telemedicina, diversos países iniciaram a discussão acerca dos impactos da telemedicina na vida de sua população. Os principais pontos no cerne ético que foram e ainda são tratados dentro de tais discussões, consistem na diferença do acesso à tecnologia em diferentes partes do mundo, na confidencialidade dos dados do paciente, na formação em tecnologia do profissional da saúde e na interferência da telemedicina no laudo médico final.

 

Aplicabilidade da telemedicina atualmente: aspectos positivos e negativos após covid-19

No Brasil e no mundo inteiro, a telemedicina tem rompido barreiras, eliminando distâncias graças a aplicação de tecnologias modernas tais como a internet e os sistemas de comunicação (como áudio, vídeo e imagem). Entretanto a aplicabilidade da telemedicina no Brasil está evoluindo gradativamente e ainda precisa avançar muito para obter o potencial de outros países, contudo, com a chegada da pandemia acelerou significativamente sua adesão e regulamentação, atendendo a uma demanda que antes já era urgente para as redes de saúde no país. Neste sentido, Dr. Chao Lung Wen, médico e pesquisador da telemedicina, afirma que em 60 dias o Covid-19 fez uma transformação na telemedicina, que não ocorreu durante 18 anos no Conselho Federal de Medicina.

Com intenção de reduzir a circulação de pessoas nas ruas e, consequentemente, promover a diminuição de aglomerações, freando a disseminação do vírus e para que com isso as autoridades de saúde tenham tempo para implementar medidas de combate ao vírus, foram criadas normas jurídicas, por hora temporárias, para realização de serviços médicos por meio de tecnologias de informação e comunicação.

Como pontos positivos da telemedicina, temos a supressão do deslocamento do paciente. O atendimento virtual permite que as consultas sejam mais rápidas, pontuais e simples. Otimizando o tempo do médico e reduzindo os custos para o paciente. Em tempos de pandemia, garantem um ambiente mais seguro. Pois, há quem diga que o tempo de espera para atendimento médico em clínicas e hospitais é absurdamente longo, e neste período de espera o risco de se contaminar é alto.

Por outro lado, temos custos elevados dos softwares e demais equipamentos para a prática da medicina de maneira virtual, podendo estes custos ser repassado ao paciente, tornando a consulta com valor excessivamente alto. Outro aspecto negativo seria a necessidade de um treinamento adequado para os médicos e profissionais da saúde, gerando mais gastos para os gestores da saúde. E, igualmente se aplica aos pacientes com mais idade que não possuem familiaridade com a tecnologia. Podemos citar também, a impossibilidade da realização de exames físicos, outro grande problema da telemedicina. Pode ocorrer vazamento de dados, invasão de hackers no sistema de clínicas e hospitais, expondo dados do paciente. O uso de aplicativos, métodos, ferramentas e canais não criptografados e regulamentados, tornam a prática da telemedicina vulnerável.

 

Perspectivas futuras

A Associação Paulista de Medicina (APM), “entende que Telemedicina é uma realidade que veio para ficar”, portanto, julga necessário que este procedimento esteja devidamente regulamentado, para que preserve os atos privativos dos médicos e a segurança dos pacientes.

A observação feita pelo site http://telemedicinesummit.com.br/ quanto a transformação digital, envolve os cuidados à saúde, partindo da qualidade de vida e o estímulo a saúde, passando por atos preventivos, com diagnóstico, tratamento, inclusive a reabilitação e por fim, procuram trazer cuidados às pessoas em seus domicílios. Neste aspecto, inseridos na saúde digital, encontramos a telemedicina e a telessaúde, práticas adotadas pelos médicos e profissionais da saúde que devem ser feitas de forma responsável e humanizada, priorizando o cuidado na vida das pessoas, onde, quando e, sempre que possível, como elas querem e precisam.

Neste sentido, temos as palavras do médico, professor e pesquisador, Dr. Chao Lung Wen, que descreve em seus trabalhos a transformação digital da sociedade moderna, que está passando por uma aceleração exponencial e nomeia a atual sociedade como sendo a “Sociedade 5.0”, e ao lado deste conceito, está interligada o que denomina “Medicina Conectada” e a “Saúde Conectada 5.0”.

Conforme o artigo “Frente Parlamentar Mista da Telessaúde vai debater a implementação definitiva da pratica da telemedicina”, publicado no site citado, no dia 26 de novembro de 2020, foi inaugurado na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar Mista da Telessaúde (FPMT), formada por 207 parlamentares, sendo 200 deputados federais e sete senadores, dos quais objetivos são unir forças dentro e fora do Congresso Nacional para debater a implementação definitiva e efetiva da prática da telemedicina e da prestação de serviços de saúde a distância por meio de tecnologias da informação e comunicação em todo território brasileiro, além de discutir outros temas relacionados às inovações em saúde.

Este artigo informa ainda que, “com a pandemia de Covid-19 e o isolamento social, a prática da telessaúde, que já era um pleito antigo do setor, superou as adversidades e foi autorizada no Brasil pela lei 13.989/2020 durante o período de calamidade pública. Tendo em vista os bons resultados da aplicação da nova norma, veio a necessidade de tornar essa prática permanente”.

Levando-se em consideração esses aspectos, as perspectivas futuras da telemedicina serão promissoras, principalmente no aspecto social, visto que, a expansão do acesso a telemedicina aproxima o cidadão ao serviço à saúde, auxiliando na resolução de desigualdades geográficas e sociais à saúde, contribuindo para a organização do sistema de saúde brasileiro, possibilitando a eficácia e eficiência nos cuidados à saúde. Portanto, para que isso ocorra, é de extrema relevância a regulação da telemedicina, para que se tenha qualidade, segurança, ética, eficiência e preservação do sigilo.

 


 *Graduandos em Direito pela Universidade de Sorocaba – UNISO. Produção realizada no Laboratório Jurídico em Direito Médico e Hospitalar. 


 

Referências

Maldonado, J.M.S.V; Marques, A.B., Cruz, A. Telemedicina: desafios à sua difusão no Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 32 Sup 2:e00155615, 2016. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00155615

  1. Soirefmann, M.; Blom, M.B; Leopoldo, L.; Cestari, T. TELEMEDICINA: UMA REVISÃO DA LITERATURA. Rev HCPA 2008;28(2):116-9.
  2. Brito, B.O & Leitão, L.P.C. Telemedicina no Brasil: Uma estratégia possível para o cuidado em saúde em tempo de pandemia? Revista Saúde em Redes (ISSN 2446-4813), v. 6, Supl. 2 (2020). DOI: 10.18310/2446-48132020v6n2Suplem.3202g550
  3. https://www.conjur.com.br/2020-mai-12/reflexoes-uso-telemedicina-tempos-covid-19
  4. http://telemedicinesummit.com.br/
  5. Revista DOC: “Telemedicina: Você Está Preparado para o Futuro. nº70, 2020. Volume 01”.
  6. WEN, Chao Lung. IESS: Telemedicina do Presente para o Ecossistema de Saúde Conectada 5.0, 2020

Advogado e professor. Doutorando em Ciências Farmacêuticas, Mestre em Direito da Saúde e especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

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