quinta-feira,28 março 2024
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STJ busca conciliar segurança do testamento e respeito à manifestação da última vontade

Instrumento previsto nos artigos 1.857 e seguintes do Código Civil (CC) para que o autor da herança decida como deve ser dividida a parte de seus bens que não é reservada aos herdeiros necessários, o testamento pode ser público – quando é escrito por um tabelião no cartório competente – ou privado – hipótese em que o documento não é levado a cartório, mas se exigem, como regra, três testemunhas para que tenha validade.

Nos termos dos artigos 735 e 736 do Código de Processo Civil (CPC), o juiz, após ouvido o Ministério Público, somente mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento público se não achar vício externo que o torne suspeito de nulidade ou falsidade, de modo que eventuais defeitos quanto à formação e à manifestação da vontade do testador devem ser apurados no inventário ou em ação de anulação, pois o procedimento a ser seguido para a apresentação de testamento é de jurisdição voluntária.

Na análise do testamento, o importante é garantir a finalidade do ato

Se, de um lado, a legislação pormenoriza os critérios para reconhecimento e processamento do testamento, com o objetivo de evitar fraudes e assegurar o cumprimento da última vontade do testador, há, de outro, inúmeras situações da vida real que levam à sua elaboração sem a observância de certas formalidades, o que pode resultar na invalidação do documento.

É assim que, por exemplo, surgem casos como os de testamento público sem assinatura do tabelião, testamento particular assinado por apenas duas, e não três testemunhas, ou testamento de próprio punho que não foi assinado pelo testador.

Diante de tais situações, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem buscado compatibilizar a exigência de segurança quanto às disposições testamentárias com o abrandamento de rigores formais, para assegurar que prevaleça, por fim, o real desejo manifestado em vida pelo autor da herança.

No julgamento do EAREsp 365.011, o ministro Marco Aurélio Bellizze lembrou que a corte, a partir do REsp 302.767, tem “contemporizado” o rigor formal do testamento, entendendo ser ele válido sempre que estiver presente a real vontade do testador, manifestada de modo livre e consciente.

Da mesma maneira, a ministra Nancy Andrighi, ao analisar o REsp 1.633.254, observou que, em se tratando de sucessão testamentária, o objetivo a ser alcançado é a preservação da manifestação de última vontade do falecido. Segundo ela, as formalidades previstas em lei devem ser examinadas à luz dessa diretriz.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a jurisprudência do STJ vem abrandando a exigência dos requisitos essenciais do testamento particular, afastando os rigores do formalismo exacerbado em detrimento de sua finalidade, quando não houver dúvidas em relação à vontade do testador.

“O ponto-chave é, sempre e sempre, afastar qualquer incerteza em relação à disposição de última vontade, livre e espontânea, do testante”, destacou Salomão no AREsp 1.534.315.

Dispensa de testemunhas só é válida em situações excepcionais

Para o testamento particular redigido de próprio punho ser considerado válido, deve haver a assinatura de pelo menos três testemunhas idôneas, a leitura e a assinatura do documento pelo testador perante as testemunhas e o registro do ato em cartório. A jurisprudência do STJ tem admitido a flexibilização dessas formalidades, desde que o documento seja pelo menos assinado pelo testador e por testemunhas idôneas.

Ao analisar o REsp 1.639.021, a Terceira Turma manteve decisão que não reconheceu a validade de um testamento de próprio punho. No recurso, alegou-se que a falta de assinatura de testemunhas que deveriam ter presenciado a lavratura do documento seria formalidade superável, tendo em vista a inexistência de disputa com incapazes ou herdeiros necessários.

De acordo com o processo, a testadora, uma viúva sem herdeiros necessários, estabeleceu como ato de última vontade a distribuição de seu patrimônio entre parentes na linha colateral consanguínea e afins, na forma de herdeiros testamentários e legatários.

O relator no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, reconheceu a possibilidade de, em circunstâncias específicas, o juiz dispensar a presença de testemunhas. No entanto, ele observou que não houve nenhuma situação emergencial que justificasse essa medida, especialmente porque se passaram quase três meses entre a elaboração do testamento e a morte da autora da herança.

O ministro salientou que a ausência de assinaturas não foi o único vício que levou à invalidação do testamento, pois não houve a leitura e a assinatura do documento pelo testador na presença das testemunhas, nem mesmo se observou a vontade expressa da testadora de que fosse realizado o registro em cartório.

“Não se desconhece que, na elaboração de testamento particular, é possível flexibilizar algumas formalidades prescritas, desde que o documento tenha sido, de fato, assinado pelo testador e por no mínimo três testemunhas, bem como quando as demais circunstâncias dos autos indicarem que o ato reflete a vontade do testador, o que não ocorre na presente hipótese”, finalizou o ministro.

Real intenção do testador deve ser privilegiada

Em outro caso analisado pela Terceira Turma – REsp 1.401.087 –, entendeu-se que é possível flexibilizar formalidades previstas em lei para a elaboração de testamento particular na hipótese em que o documento foi assinado pelo testador e por três testemunhas idôneas.

Os ministros rejeitaram a argumentação dos filhos de um homem cujo testamento foi feito quando ele estava internado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Como não receberam bens da parte disponível do patrimônio do falecido, os filhos sustentaram que as condições físicas e mentais do pai eram “fragilíssimas”, lançando dúvida sobre os possíveis efeitos dos medicamentos que ele estava tomando.

Contestaram, também, o fato de se tratar de testamento particular digitado e lido por advogada, e não redigido de próprio punho ou por processo mecânico, como prevê o artigo 1.876 do Código Civil.

Ao analisar o caso, porém, a Terceira Turma decidiu não ser possível invalidar o testamento, cujas seis laudas tinham a rubrica do testador.

Conforme destacou o relator, ministro João Otávio de Noronha, ao se examinar o ato de disposição de última vontade, “deve-se sempre privilegiar a busca pela real intenção do testador a respeito de seus bens”, manifestada “de forma livre, consciente e espontânea” e desde que “atestada sua capacidade mental para o ato”.

Formalidades legais devem ser examinadas caso a caso

Ao admitir como válido testamento particular que, mesmo não tendo sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital, a Segunda Seção destacou que cada situação deve ser analisada individualmente, para que se verifique se a ausência de alguma formalidade é suficiente para comprometer a validade do testamento, em confronto com os demais elementos de prova.

O colegiado reiterou que, nos processos sobre sucessão testamentária, o objetivo a ser alcançado deve ser a preservação da manifestação de última vontade do falecido, de modo que as formalidades legais devem ser examinadas à luz dessa diretriz máxima.

A relatora do REsp 1.633.254, ministra Nancy Andrighi, explicou que a jurisprudência do STJ permite, excepcionalmente, a relativização de algumas das formalidades exigidas pelo Código Civil no âmbito do direito sucessório.

“A regra segundo a qual a assinatura de próprio punho é requisito de validade do testamento particular traz consigo a presunção de que aquela é a real vontade do testador”, afirmou a magistrada, ressaltando, porém, que, na falta da assinatura exigida por lei, admite-se a apresentação de provas de que se tratava realmente de sua última vontade.

Ao analisar o recurso especial da herdeira beneficiária do testamento, Nancy Andrighi observou que o Poder Judiciário não deve interferir nas disposições testamentárias – com exceção apenas daquilo que for estritamente necessário para confirmar que a disposição dos bens retratada no documento corresponde efetivamente ao desejo do testador.

A ministra lembrou que, em processos analisados anteriormente pelo STJ, foram abrandadas as formalidades previstas no artigo 1.876 do CC, como no REsp 701.917, em que a Quarta Turma admitiu, excepcionalmente, a relativização das exigências legais no tocante à quantidade de testemunhas para se reconhecer a validade do testamento particular.

No caso citado pela magistrada, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, disse que, no tocante ao testamento privado, “ainda que seja imprescindível o cumprimento das formalidades legais a fim de preservar a segurança, a veracidade e a legitimidade do ato praticado, deve-se interpretar o texto legal com vistas à finalidade por ele colimada”.

Exigências para testamento de cego podem ser flexibilizadas

O descumprimento de exigências legais para a confecção de testamento público de pessoa cega – segunda leitura e expressa menção a essa condição no corpo do documento – não gera a sua nulidade se mantida a higidez da manifestação de vontade do testador.

Com base nesse entendimento, ao analisar o REsp 1.677.931, a Terceira Turma decidiu que não há como considerar nulo um testamento pela falta de algumas formalidades fixadas em lei, quando a vontade do falecido foi completamente satisfeita com os procedimentos adotados.

O entendimento unânime foi proferido em recurso originado em ação de nulidade de testamento. Ao STJ, o recorrente alegou que o testamento deveria ser considerado nulo, pois não atendeu às formalidades essenciais: faltaram a assinatura na primeira folha e a confirmação, no próprio instrumento, de que o testador era cego, além de não ter acontecido a dupla leitura do documento pelo tabelião e por uma das testemunhas.

De acordo com a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, há entendimento predominante no STJ acerca da preservação da declaração de vontade, mesmo diante da ausência de algum requisito formal.

Em seu voto, ela afirmou que, tendo sido atendidos os pressupostos básicos da sucessão testamentária – como a capacidade do testador, o respeito aos limites do que pode dispor e a legítima declaração de vontade –, as formalidades exigidas por lei podem ser abrandadas, pois a finalidade do testamento foi completamente satisfeita.

Testamento apócrifo não é considerado válido

Ainda que seja possível flexibilizar as formalidades prescritas em lei, esse abrandamento do rigor formal não alcança o documento apócrifo, mesmo que escrito de próprio punho.

Esse foi o entendimento da Terceira Turma ao julgar o REsp 1.444.867, interposto contra decisão que considerou que a falta da assinatura do testador e da leitura do documento perante as testemunhas não seria razão suficiente para invalidar o ato.

Na decisão de segundo grau, foi considerado que, apesar da ausência da assinatura do testador, os depoimentos das testemunhas, aliados às demais circunstâncias e a outros documentos, evidenciaram de modo seguro que o testamento particular, redigido de próprio punho, exprimiu a vontade do falecido.

No STJ, entretanto, o entendimento foi outro. O relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, reconheceu que o tribunal já aceitou abrandar o rigor das formalidades em relação às testemunhas, desde que o documento seja redigido e assinado pelo testador.

“No caso em apreço, além da falta de leitura para as testemunhas, o próprio testamento é apócrifo, denotando dúvida até mesmo acerca da finalização de sua confecção. Logo, ainda que se admita, em casos excepcionalíssimos, a relativização das exigências contidas nos incisos II e III do artigo 1.645 do Código Civil de 1916, é imperativo, para que se reconheça a validade do testamento particular, que tenha ele sido escrito e assinado pelo testador”, disse o ministro.

Apesar de a situação ter sido analisada sob o enfoque do Código Civil de 1916, vigente ao tempo da prática do ato, o relator destacou que o mesmo entendimento vale para o Código Civil de 2002, com a inovação trazida pelos artigos 1.878 e 1.879.

Assinatura do tabelião é requisito indispensável

Embora a jurisprudência do STJ admita flexibilizar alguns requisitos no registro do testamento, a assinatura do tabelião ou de seu substituto legal é requisito indispensável de validade. Afinal, o notário é quem possui fé pública para dar autenticidade ao documento.

O entendimento foi fixado no REsp 1.703.376 pela Terceira Turma, ao manter acórdão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) que negou pedido de abertura, registro e cumprimento de testamento público apresentado por uma irmã da falecida – documento no qual a titular teria deixado todos os bens para as suas irmãs.

Por sua vez, o viúvo apresentou testamento registrado apenas 19 dias antes do documento indicado pela irmã, no qual somente ele era apontado como beneficiário.

O ministro Moura Ribeiro explicou que os testamentos são atos solenes, cercados por formalidades essenciais cujo objetivo é resguardar a última vontade do testador – que não estará mais vivo para confirmá-la – e também os direitos dos herdeiros necessários, circunstâncias pelas quais, em regra, devem ser observados os requisitos do artigo 1.864 do CC.

Entretanto, exatamente para preservar a manifestação de vontade da pessoa que morreu, Moura Ribeiro enfatizou que as formalidades devem ser observadas com parcimônia e de acordo com as peculiaridades de cada caso.

Na hipótese dos autos, o ministro ressaltou que o notário é dotado de fé pública, e sua atuação faz parte da própria substância do ato, de forma que sua assinatura – assim como a sua presença – é imprescindível para a manifestação de última vontade, como forma de evitar nulidades e garantir segurança jurídica.

“Como negócio jurídico, o testamento, para ser válido, requer também a presença dos requisitos do artigo 104 do CC, quais sejam, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, sendo que, no caso, o último requisito não se mostrou presente, porque a lei exige expressamente a assinatura do tabelião que presenciou e registrou o negócio jurídico, que, como visto, tem fé pública e confere legitimidade a ele”, afirmou o relator.

Falta da terceira testemunha não é motivo para invalidade

A leitura do testamento na presença de duas testemunhas, e não de três como exige o Código Civil, é vício formal que pode ser relativizado, tendo em vista a preservação da vontade do testador.

Com o entendimento firmado no julgamento do REsp 1.583.314, a Terceira Turma deu provimento a um recurso para confirmar o testamento particular que havia sido invalidado pela falta da terceira testemunha. A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, destacou que a jurisprudência permite a flexibilização de algumas formalidades, mas estabelece uma gradação entre os vícios que podem ocorrer.

Os vícios de menor gravidade, segundo a relatora, são puramente formais e se relacionam aos aspectos externos do documento. São hipóteses diferentes de vícios como a falta de assinatura do testador, os quais contaminam o próprio conteúdo do testamento, “colocando em dúvida a sua exatidão e, consequentemente, a sua validade”.

“São suscetíveis de superação os vícios de menor gravidade, que podem ser denominados de puramente formais e que se relacionam essencialmente com aspectos externos do testamento particular, ao passo que vícios de maior gravidade, que podem ser chamados de formais-materiais porque transcendem a forma do ato e contaminam o seu próprio conteúdo, acarretam a invalidade do testamento lavrado sem a observância das formalidades que servem para conferir exatidão à vontade do testador”, afirmou a ministra.

Da mesma maneira decidiu o STJ ao analisar o REsp 828.616: a ausência de leitura do testamento perante três testemunhas reunidas concomitantemente não é suficiente para invalidar o testamento, pois as testemunhas confirmaram que o próprio testador foi quem levou o documento para elas assinarem. Nesse processo, todas as testemunhas confirmaram as assinaturas lançadas no documento, sendo que uma delas demonstrou também conhecer seu conteúdo.

Testador não tem de redigir o texto pessoalmente

Para ser considerado legalmente válido, o testamento particular elaborado por processo mecânico – digitado e impresso – não possui como requisito essencial ter sido redigido pessoalmente pelo próprio testador.

O entendimento foi firmado pela Quarta Turma, que, ao julgar o AREsp 1.534.315, negou provimento a recurso especial cujo propósito era invalidar testamento particular por falta de comprovação de que foi escrito pessoalmente pelo testador.

Segundo a parte que recorreu, o Código Civil exigiria que o testamento particular fosse escrito pessoalmente pelo testador, não importando se de forma manual ou mecânica. As instâncias ordinárias não acolheram essa argumentação.

As regras de validade do testamento particular, contidas no artigo 1.876 do CC, foram fielmente seguidas, afirmaram as testemunhas, completando que o testamento lhes foi apresentado pela própria testadora, que estava lúcida e o leu em sua presença.

Para o ministro Marco Buzzi, relator do agravo em recurso especial, é o que basta para validar o testamento, pois a lei não exige prova de que ele tenha sido digitado ou datilografado pelo próprio testador.

O magistrado considerou correto o acórdão recorrido, que decidiu ser desimportante para a análise da validade do testamento particular o fato de, eventualmente, não ter sido digitado pela testadora.

“Cuida-se de circunstância que não é destacada pela lei como requisito de validade de tal modalidade de disposição de última vontade, incapaz, portanto, de tornar inválido o ato jurídico em análise”, afirmou o relator.

 


EAREsp 365011
REsp 302767
REsp 1633254
AREsp 1534315
REsp 1639021
REsp 1401087
REsp 701917
REsp 1677931
REsp 144867
REsp 1703376
REsp 1583314
REsp 828616

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