quinta-feira,28 março 2024
TribunaisSTF: Planos e seguros privados de assistência à saúde (ADI 1931/DF)

STF: Planos e seguros privados de assistência à saúde (ADI 1931/DF)

Em decisão publicada no informativo nº 890 do STF, o Plenário se debruçou sobre dispositivos da Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros privados de saúde, e entendeu que certas modificações trazidas pela MP nº 2.177-44/01 seria inconstitucionais por violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição.

DIREITO CONSTITUCIONAL – ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou prejudicada a ação no tocante aos artigos 10, inc. VI; 12, incisos I, c, e II, g, e parágrafos 4º e 5º; e 32, parágrafos 1º, 3º, 7º e 9º, todos da Lei 9.656/1998, e, na parte conhecida, julgou parcialmente procedentes os pedidos, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 10, § 2º, e 35-E da Lei 9.656/1998, bem como do art. 2º da Medida Provisória n. 2.177-44/2001. Falaram, pela requerente, Confederação Nacional de Saúde – Hospitais Estabelecimentos e Serviços – CNS, Dr. Marcelo Ribeiro; e, pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Advogada-Geral da União. Impedidos o Ministro Dias Toffoli, ausente neste julgamento, e o Ministro Roberto Barroso. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 7.2.2018.
(ADI 1931/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7.2.2018.)

O Plenário julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 10, § 2º, e 35-E da Lei 9.656/1998, que dispõe sobre planos e seguros privados de assistência à saúde, bem como do art. 2º da Medida Provisória 2.177-44/2001 [1], que modificou o referido diploma normativo.

Em caráter preliminar, a Corte julgou prejudicada a ação no tocante aos artigos 10, VI; 12, I, “c”, II, “g”, e §§ 4º e 5º; e 32, §§ 1º, 3º, 7º e 9º, também da Lei 9.656/1998, ante o advento de sucessivas modificações legislativas a alterar o conteúdo dos dispositivos, sem que tenha havido aditamento à inicial.

No mérito, a Corte afirmou que os artigos 10, § 2º, e 35-E da Lei 9.656/1998, assim como o art. 2º da Medida Provisória 2.177-44/2001, por preverem a incidência das novas regras relativas aos planos de saúde em contratos celebrados anteriormente à vigência do diploma normativo em questão, implica em afronta ao art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal (3). No ponto, destacou que a vida democrática pressupõe segurança jurídica, e esta não se coaduna com o afastamento de ato jurídico perfeito e acabado mediante aplicação de lei nova, sendo impróprio inserir nas relações contratuais avençadas em regime legal específico novas disposições, sequer previstas pelas partes quando da manifestação de vontade.

No tocante aos demais dispositivos impugnados na ação direta, a Corte os reputou compatíveis com o texto constitucional.

Relativamente aos artigos 10, 11 e 12 da Lei 9.656/1998, ressaltou que o legislador, ao restringir a liberdade de contratação, atuou de forma consentânea com a proteção de outras garantias fundamentais, não havendo que se falar em ofensa ao devido processo legal substantivo. Em realidade, interveio o legislador na medida necessária para assegurar a prestação idônea dos serviços à população.

Nessa medida, a defesa intransigente da livre iniciativa é incompatível com o fundamento da dignidade da pessoa humana, bem assim com os deveres constitucionais do Estado de promover a saúde (CF, art. 196) e prover a defesa do consumidor (CF, art. 170, V). Assim, ao editar o diploma impugnado, o legislador se atentou para o objetivo maior do Estado: proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a satisfazer valor maior, qual seja, a preservação da dignidade do homem.

Em relação ao art. 15, parágrafo único, da lei atacada, o Plenário aduziu que seu conteúdo não se mostra despropositado. Em realidade, a norma em questão atende ao que disposto no art. 230 da Constituição Federal — que impõe a todos o dever de auxiliar os idosos —, valendo registrar que a própria evolução legislativa posterior à publicação do diploma questionado veicula determinação igualmente protetiva, a limitar a livre iniciativa, em favor da proteção do idoso (Estatuto do Idoso, art. 15, § 3º).

No que diz com o art. 19, § 5º, do ato normativo impugnado, a Corte afirmou que a norma nele cristalizada conforma-se ao princípio da razoabilidade. Sua disciplina direcionaria à linearidade ao impor que, independentemente de impasses no registro administrativo das empresas de planos de saúde ou na adequação, à nova disciplina normativa, dos contratos celebrados após 2 de janeiro de 1999, os consumidores não poderiam ser prejudicados.

Em relação art. 32 da norma em questão, aduziu que, sob o ângulo formal, o dispositivo é compatível com a Constituição Federal. A regra não implica a criação de nova fonte de receitas para seguridade social, nos termos do art. 195, § 4º, da Constituição, mas, sim, consiste em desdobramento da relação contratual entabulada em ambiente regulado, não havendo que se falar na necessidade de edição de lei complementar.

Outrossim, em relação à constitucionalidade material do dispositivo, registrou que a análise da natureza do ressarcimento nele cristalizado evidencia sua conformidade com o devido processo legal substantivo. Isso porque a norma em questão não confere tratamento desigual entre cidadãos com e sem plano de saúde. A nenhuma pessoa será negado tratamento em hospital público, considerada a universalidade do sistema. Porém, se o Poder Público atende a particular em virtude de situação incluída na cobertura contratual, deve o Sistema Único de Saúde ser ressarcido, tal como faria o plano de saúde em se tratando de hospital privado.

Muito embora o Poder Público atue gratuitamente em relação aos cidadãos, não o faz no tocante às entidades cuja atividade-fim é justamente assegurar a cobertura de lesões e doenças, cabendo, nesta senda, distinguir os vínculos jurídicos em jogo: constitucional, entre Estado e cidadão (CF, art. 196); obrigacional, entre pessoa e plano de saúde; e legal, entre Estado e plano de saúde (Lei 9.656/1998, art. 32).

A escolha do agente privado de atuar na prestação de relevantes serviços à saúde, de forma concorrente com o Estado, pressupõe a responsabilidade de arcar integralmente com as obrigações assumidas. A norma impede o enriquecimento ilícito das empresas e a perpetuação de modelo no qual o mercado de serviços de saúde submeta-se unicamente à lógica do lucro, ainda que às custas do erário. Entendimento em sentido contrário resultaria em situação em que os planos de saúde recebem pagamentos mensais dos segurados, mas os serviços continuam a ser fornecidos pelo Estado, sem contrapartida.

Além do mais, a sistemática inaugurada pelo ato atacado, e complementada pela Instrução Normativa 54/2014 da Diretoria de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar, assegura que o ressarcimento seja precedido de processo administrativo, assegurada a ampla defesa, o contraditório e o direito a recurso.

ADI 1931/DF

 


[1] Medida Provisória 2.177-44/2001: “Art. 2º Os arts. 3º, 5º, 25, 27, 35-A, 35-B, 35-D e 35-E da Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, entram em vigor em 5 de junho de 1998, resguardada às pessoas jurídicas de que trata o art. 1o a data limite de 31 de dezembro de 1998 para adaptação ao que dispõem os arts. 14, 17, 30 e 31”.

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