sexta-feira,29 março 2024
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Sou barato, mas sem garantia?

Sou barato mas sem garantia A cultura refurbished no Brasil

Você poderia estar se perguntando “cultura o quê?”, mas refurbished está mais próximo da sua realidade do que você imagina.

Em tradução livre, refurbished seria remodelado, mas para nós, teria um significado semelhante a remanufaturado.

Fora do Brasil, a aquisição de produtos refurbished é comum, e o conceito e peculiaridades da categoria é do conhecimento da população estrangeira, que quando adquire, normalmente o faz sem dúvidas.

No Brasil, temos uma outra perspectiva, atrelamos, em sua maioria, a produtos usados.

Sejam usados ou não, não são produtos tipos como novos, portanto, interessa saber: como fica a garantia destas mercadorias? Num direito consumeiro extremamente protecionista, a garantia do CDC deve ser aplicada?

Excluindo as lojas físicas do Brasil, podemos encontrar virtualmente duas grandes lojas que trabalham com produtos refurbished (Sou Barato e Liquidae).

Em suas explicações, a loja Sou Barato (3) descreve que comercializa produtos devolvidos por outros clientes e/ou que tiveram a embalagem danificada; que após passarem por avaliação técnica que garante suas perfeitas condições estéticas e funcionais, são reembalados e oferecidos com desconto. Salienta a Sou Barato comercializar produtos novos, usados e reembalados.

A loja Liquidae (2) explica que seus produtos tiveram a embalagem original aberta, amassada ou rasgada, e então passam por uma ‘remodelagem’ que poderá ir de uma simples substituição da embalagem original ou limpeza, até a substituição de componentes avariados, dependendo de um laudo revisional. Antes de comercializados, os produtos são submetidos a um rigoroso controle de qualidade para avaliar se possuem as normas de qualidade e especificação determinantes de um produto novo. Esclarece o site que ao comprar um item reembalado, o consumidor não estará comprando um produto com defeito ou fora do padrão.

Não pretendemos com este artigo ingressar na discussão de produto usado ou novo. Mas, dentro dos conceitos de mercadoria comercializada pelos sites, identificar como se administrará a garantia do CDC frente a estes produtos.

Cumpre salientar que o consumidor que adquire tais mercadorias não poderia alegar futuramente que se sente lesado em razão de não se tratar de produto novo. Isto porque, ambas lojas virtuais informam, de maneira clara, tratar-se de produtos uma vez manuseados/usados.

Por exemplo, o Sou Barato (3), divide os produtos nas categorias, e quando se trata de um produto exclusivamente usado, traz em caixa alta a palavra “usado” antes da descrição da mercadoria. Ambos sites fazem referências a possibilidade de a mercadoria apresentar sinais estéticos: pequenos riscos, lascas, amassados e desgastes.

Quando a informação não for clara, e o consumidor receber produto refurbished em lugar de produto novo, caberia a devida indenização:

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VÍCIO NO PRODUTO. NOTEBOOK “REFURBISHED”. DEVER DE DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO PELO BEM. DANO MORAL OCORRENTE. CONFIGURAÇÃO DE DESRESPEITO PARA COM A CONSUMIDORA. QUANTITATIVO INDENIZATÓRIO MINORADO. Em que pese as alegações da demandada, restou incontroverso nos autos que fora vendido para a autora um notebook “refurbished”, ou se seja, um bem remanufaturado, o que a própria ré não nega. Ocorre que, não bastasse tratar-se de um produto usado e recolocado à venda, não há provas de que a consumidora tenha sido informada a respeito, o que torna verossímil sua alegação de que tomou conhecimento de tal fato quando o bem apresentou defeito e fora encaminhado à assistência técnica. Portanto, descurou-se a requerida no dever de informação que exige o art. 6º , III , do CDC . O consumidor não é obrigado a permanecer com um produto que fora vendido como novo, quando, na verdade, já era usado, sobretudo quando o bem ainda apresenta defeitos e não é consertado em tempo hábil. Assim, correta a condenação da ré à devolução do valor pago pelo bem. No que tange aos danos morais, este restam configurados diante da configuração de desrespeito para com a consumidora, assim como pela frustração da sua compra e, ainda, pelo caráter dissuasório do instituto. Por outro lado, o quantitativo indenizatório fixado em R$ 5.000,00, merece ser reduzido para R$ 2.000,00, valor este que melhor atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. SENTENÇA PARCIALMENTE MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO PROVIDO, EM PARTE. (Recurso Cível Nº 71004432704, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Roberto Behrensdorf Gomes da Silva, Julgado em 21/08/2013)

O Código de Defesa do Consumidor não diferencia produto usado de produto novo.

Segundo o art. 26, inciso II do CDC, a garantia legal dos produtos refurbished aqui analisados são de noventa dias. Prevê o parágrafo primeiro do referido artigo que a contagem do prazo se inicia a partir da entrega efetiva do produto.

Aqui, devemos salientar um equívoco apontado no site da Liquidae (2), quando assevera que “[… ] o período de sua garantia é baseado na data em que sua nota fiscal foi emitida”. O que não seria razoável, por exemplo, se o produto levar alguns dias para ser efetivamente entregue, a nota fiscal é emitida no ato da aquisição on line, prejudicaria o direito do consumidor. Ensina Nunes (1, p. 428):

Quer a lei que o consumidor usufrua de um período no qual nenhum vício pode surgir. Para que isso ocorra, isto é, para que se possa começar a contar esse período, é necessário que o consumidor tenha contato real, concreto, com o produto ou com o serviço. Em outras palavras, é preciso que o consumidor possa começar a usufruir (usando e/ou consumido) do produto e do serviço para que comece a correr (contra ele) o prazo para reclamar da garantia. (grifo nosso).

Desta maneira, acertada é a informação da Sou Barato (3) quando diz:

Garantia: Este produto USADO foi revisado pelo distribuidor, está em perfeitas condições de funcionamento e têm garantia legal de 90 dias, fornecida pelo distribuidor, exclusivamente em relação a defeitos de funcionamento. O prazo de 90 dias é contado da data de entrega do produto. (grifo nosso).

Uma vez que o CDC não diferencia produtos novos de usados, o prazo para reclamar a garantia legal dos produtos refurbished será de 90 dias – produtos duráveis -, contados a partir da efetiva entrega ao consumidor.

Ensina Nunes (1, p. 432) que frente a responsabilidade objetiva do fornecedor, deverá especificar na oferta ou no contrato de compra e venda as condições reais em que o produto está sendo vendido.

Não se deve confundir a garantia legal com a garantia contratual. A garantia legal advém do Código de Defesa do Consumidor, pelo qual o fornecedor não poderá se eximir. Quando o fornecedor indicar garantia superior ao prazo legal, normalmente está se referindo a garantia contratual.

Um ponto extremamente controvertido é o da troca da mercadoria que apresentou defeitos. Digamos que houve a troca, e que o novo produto também apresente defeitos, a garantia legal (90 dias) tem contagem contínua ou renova-se a partir da entrega da nova mercadoria?

Entendemos que a garantia legal persegue o objeto, portanto, a partir da entrega de novo objeto, renova-se a contagem do prazo de 90 dias para reclamar eventuais defeitos.


Bibliografia

1 NUNES, L. A. R. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

2 LIQUIDAE. Produtos reembalados. Disponível em < http://www.liquidae.com.br/produtos-reembalados>. Acesso em 07-09-2016.

3 SOU BARATO. Como funciona?. Disponível em: < http://www.soubarato.com.br/>. Acesso em 07-09-2016.

 

 

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