quinta-feira,28 março 2024
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Será que realmente não há, materialmente, crime de “obstrução da justiça” no direito penal brasileiro?

O presente texto tem o intuito de prestar um esclarecimento sobre polêmica que vem se instalando quanto à inexistência material no ordenamento jurídico – penal brasileiro de crime ou crimes de “obstrução da justiça”.
Não se trata de um trabalho com exageradas pretensões acadêmicas, mas, muito mais de um texto que visa esclarecer o público leigo e o de estudantes que se veem perdidos em meio à barafunda de “opiniões” expostas muitas vezes de maneira rápida e superficial, especialmente nas redes sociais. Entretanto, procurar-se-á não descurar da qualidade argumentativa e de conteúdo.
O que motivou esta iniciativa foi a consulta formulada por ex – aluno, atualmente em pós – graduação, que leu na rede social facebook a manifestação de Gustavo Badaró, dirigindo-se aos “jornalistas” e afirmando que “não existe crime de obstrução da justiça”.
Como em praticamente todo post de facebook, a informação é veiculada de maneira informal, sem apego a critérios metodológicos, o que é absolutamente natural.
Em um primeiro plano é preciso ressaltar que parece que o intento, o principal ponto visado pelo autor do post citado acima, foi o de formular uma crítica explícita à atecnia que marca os textos jornalísticos quando noticiam fatos ligados ao Direito. E nisso não se lhe pode tirar a razão.
Quantas vezes se verifica, em notícias jornalísticas, a utilização absolutamente inadequada de termos técnico – jurídicos. Apenas para citar alguns exemplos práticos: a troca de furto por roubo; a troca de sequestro ou extorsão mediante sequestro por rapto ou a confusão entre os dois primeiros termos; o uso de gírias como “sequestro – relâmpago”, “saidinha de banco” etc., como se “nomen júris” fossem; a confusão entre injúria – preconceito e crime de racismo; a confusão entre denunciação caluniosa e calúnia ou entre os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria); dificuldade de discernir entre os termos exoneração, demissão e afastamento; confusão frequente entre saída temporária e indulto, dentre muitos outros casos.
A narrativa dos fatos já é um trabalho hercúleo, seja para o jornalista, seja para qualquer pessoa em sua vida cotidiana, pois que as palavras jamais podem equivaler às coisas e acontecimentos concretos. Em meio a essa dificuldade natural se adiciona aquela do uso de uma linguagem técnica relativa a determinado campo da atuação humana, o que requer uma especialização e traz riscos de equívocos os mais variados para os leigos.
Em suma, a verbalização do mundo da vida é viável, mas sempre como um projeto inacabado, incompleto e imperfeito. O Ser não se presta completamente à verbalização, a linguagem não abarca todo o Ser. Afirmar que a linguagem pode abarcar todo o Ser seria o mesmo que trocar o significado pelo signo, ou melhor, identificar o significado com o signo, o que equivale a uma espécie de retorno às crenças primitivas em palavras mágicas que se confundem com o objeto verbalizado.
Bronowski já havia detectado esse limite descritivo em sua afirmação de que “a Ciência é uma descrição do mundo, ou melhor, uma linguagem para descrever o mundo”. E todos sabemos o quão aquém do mundo está a ciência e, portanto, essa linguagem descritiva acima mencionada. É o mesmo autor que, citando o “Princípio da Incerteza” de Heisenberg, consigna que toda “descrição da Natureza contém determinada incerteza essencial e irremovível”.
A linguagem é a via de acesso à humanidade do homem como ser pensante e relacional, mas também, paradoxalmente, é um limite para a expressão das ideias. Frequentemente ela é insuficiente, independentemente da habilidade do escritor ou do orador, para exprimir aquilo se pretende. Sempre vale a pena citar a agudeza do espírito de Saramago ao sentenciar:

“Todos os dicionários juntos não contêm nem metade dos termos de que precisamos para nos entendermos uns aos outros”.

Também na clássica obra “As mil e uma noites” encontra-se exemplo dessa constatação na literatura:

“Até então não havia Aladim visto outras mulheres de rosto descoberto, a não ser sua mãe, mulher já idosa e que nunca fora realmente bela. Ouvira dizer que havia criaturas lindíssimas, mas por mais que sejam as palavras que se empregam numa descrição, não causam nunca a mesma impressão que a realidade”.

Nunca é demais lembrar a antológica passagem de Machado de Assis:

“A melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada; e, se bem me lembro, um filósofo antigo demonstrou o movimento andando”.

Dessa forma, fato é que no mundo da vida, no mundo material, não nas abstrações nominalistas da terminologia técnico – jurídica, há sim a prática de atos que configurariam o que se poderia tranquilamente chamar de “obstrução da justiça”.
Ora, segundo o dicionário, no vernáculo, a palavra “obstrução” tem o significado de “impedimento parcial ou total”. “Justiça”, por seu turno, é um termo extremamente equívoco, seja sob o ponto de vista vocabular ordinário, filosófico, ético, jurídico, econômico etc. E para perceber essa multifariedade do termo não é sequer necessário lançar-se a pesquisas nas áreas especializadas. Um retorno ao dicionário já nos mostra o básico que importa na presente discussão:

“Justiça. [Do lat. Justitia, por via semierudita] S.f. 1. Conformidade com o direito; a virtude de dar a cada um aquilo que é seu. 2. A faculdade de julgar segundo o direito e melhor consciência. 3. Conjunto de magistrados judiciais e pessoas que servem junto deles. 4. O pessoal dum tribunal. 5.P. ext. O Poder Judiciário”.

Pois bem, sobre o termo “Justiça”, no contexto ora em discussão, importa sua significação enquanto virtude de aplicar corretamente o direito e tomar a decisão “justa”, correta, bem como a conformação da palavra como a designação da máquina judiciária em seu amplo sentido, abrangendo todo o Poder Judiciário e outros órgãos que atuam na administração da Justiça, tais como o Ministério Público, a Polícia Judiciária, a Polícia em geral, Peritos e funcionários judiciais.
A noção corrente em ordenamentos onde o crime com o “nomen juris” de “obstrução da justiça” existe é, basicamente, a seguinte:

“Individuals who attempt to prevent or influence the administration of justice can be charged with the serious crime of obstructing justice. Common examples of the obstruction of justice include bribing or threatening a judge and encouraging false testimony of a witness or defendant.
Obstruction of justice crimes are handled in a serious manner because laws are set in place as measures of protection for those who execute justice”.

A própria palavra inglesa “obstruction” pode ser traduzida como “obstrução, obstáculo, impedimento, estorvo”.
Encontra-se no “Legal – Dictionary” a seguinte definição de “obstrução da justiça”:

“A criminal offense that involves inferference through words and actions, with proper operations of a court or officers of the court.
The integrity of the judicial system depends on the participant’s acting honestly and without fear or reprisals. Threatening a judge, trying to bribe a witness, or encouraging the destruction of evidence are examples of obstruction of justice”.

Tudo indica, portanto, que, ao menos na linguagem coloquial, comumente utilizada pela imprensa, há que reconhecer que se podem identificar muitas condutas previstas como crime no ordenamento jurídico brasileiro, as quais configurariam clara e evidentemente, “obstruções da justiça”.
Tratando da literatura, Barthes pode nos brindar com uma lição aplicável ao caso, “mutais mutandis”:

“Sabemos que la lengua es un corpus de prescripiciones y hátitos común a todos los escritores de una época. Lo que equivale a decir que la lengua es como una naturaleza que se desliza enteramente a través de la palabra del escritor sin darle, sin embargo, forma alguma, incluso sin alimentarla: es como un círculo abstracto de verdades, fuera del cual solamente comienza a depositarse la densidad de un verbo solitario. Encierra toda la criación literaria, algo así como el cielo, el suelo y su interacción dibujan para el hombre un habitat familiar. Es menos una fuente de materiales que un horizonte, es decir, a la vez límite y estación, en una palabra, la extensión tranqüilizadora de una economia. El escritor, en definitiva, no saca nada de ella: la lengua es para el más bien como una línea cuya transgresión quizá designe una sobrenaturaleza del lenguage; es el área de uma acción, la definición y la espera de um posible. No es el lugar de um compromiso oficial, sino solo relfejo sin elección, propriedad indivisa de los hombres y no de los escritores; permanece fuera del ritual de las Letras; es un objeto social por definición, no por elección”.

A língua e a linguagem são os limites em que se movem todos aqueles que escrevem ou falam, com maior rigidez para os que escrevem. No entanto, a língua não é propriedade do escritor ou de quem quer que seja. Seus signos servem para exprimir mensagens e a finalidade de toda escritura ou fala é a consecução da comunicação das ideias que se pretende transmitir ao interlocutor. Desde que a expressão utilizada seja adequada para exprimir o conteúdo pretendido, não transmitindo uma mensagem falsa ou totalmente equivocada, pode até haver algum questionamento quanto à linguagem técnica, mas jamais uma arrogante condenação ou apropriação da linguagem por terceiros, ainda que esses terceiros componham algum grupo detentor de um linguajar técnico peculiar, como, por exemplo, o vocabulário jurídico ou, mais popularmente, o chamado jocosamente de “juridiquês”.
Com fulcro nos estudos de Bakhtin, chega-se à “Doutrina da Refração”. De acordo com essa tese, os signos não somente refletem, mas também refratam mundo. Enfim, os signos não simplesmente descrevem um mundo constatado, eles implicam interpretações ou talvez melhor, usando a terminologia de Ricoueur, produzem uma descrição argumentativa do mundo. Ou seja, não apenas descobrem sentidos, mas constroem sentidos. Medvedev destaca que em uma mesma época ou em um mesmo grupo social não está presente apenas uma impressão sobre o mundo, mas várias que inclusive podem ser contraditórias. Se essa era desde sempre uma afirmação verdadeira, mesmo em sociedades aparentemente homogêneas do passado, torna-se por demais atual e visível nas sociedades heterogêneas do presente.
De acordo com o pensamento do Círculo de Bakhtin:

“não é possível significar sem refratar. Isso porque as significações não estão dadas no signo em si, nem estão garantidas por um sistema semântico abstrato, único e atemporal, nem pela referência a um mundo dado uniforme e transparentemente, mas são construídas na dinâmica da história e estão marcadas pela diversidade de experiências dos grupos humanos, com inúmeras contradições e confrontos de valorações e interesses sociais. Em outras palavras, a refração é o modo como se inscrevem nos signos a diversidade e as contradições das experiências históricas dos grupos humanos. Sendo essas experiências múltiplas e heterogêneas, os signos não podem ser unívocos (monossêmicos); só podem ser plurívocos (multissêmicos). A plurivocidade (o caráter multissêmico) é a condição de funcionamento dos signos nas sociedades humanas”.

Com isso obviamente não se quer dizer que se pretenda promover um retorno a um estágio mágico das sociedades humanas, no seio do qual a palavra dita teria força de transformar a realidade posta. Neste texto trata-se exatamente do inverso disso. Aqui se está tratando especificamente do fenômeno da linguagem em si, de sua relação com as coisas e os acontecimentos, de sua capacidade de transmiti-los, narrá-los como são. Já foi visto que a linguagem tem limites para isso.
Trazendo para o mundo jurídico a questão dessa plurivocidade dos signos, é visível que o jargão ou a linguagem técnica do Direito constitui uma espécie de barreira comunicativa entre os demais membros de uma dada sociedade e aqueles versados nas ciências jurídicas. É claro que esse fenômeno também ocorre com outras áreas que igualmente ou até mais densamente são dotadas de um vocabulário técnico hermético (v.g. biologia, medicina, informática etc.). A consciência da plurivocidade nos convoca a compreender que a comunicação somente se dará de forma aceitável e eficaz se formos capazes de ajustar nossa linguagem ao público interlocutor. Caso contrário, o que ocorrerá será uma conversa de surdos que não sabem sequer libras.
Dessa forma, volta-se a afirmar que em termos vernaculares, em sua significação material, não formal ou abstrata, referente ao vocabulário técnico jurídico, há sim muitas formas, seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo de praticar “obstrução à justiça”. Ademais, no campo jurídico – penal, há uma miríade de infrações previstas, no ordenamento brasileiro ou estrangeiro, que constituem formas de “obstrução da justiça” num sentido amplo. É claro que não é a todas elas que formalmente se atribui pela dogmática ou pela lei a designação de “obstrução à justiça”. Não obstante, há uma noção material, inclusive plenamente acessível à intuição do leigo em seu senso comum, do que se constitui em atos de “obstrução da justiça”. Isso é o que certamente leva a imprensa a utilizar o termo de forma generalizada e atécnica. Obviamente, é admissível um reparo terminológico (formal) a essa atitude da imprensa, mas isso não significa que se possa afirmar o seguinte com relação à questão do conceito material:

“A ideia de obstrução da justiça como, impedir ou dificultar a realização de um processo, ou interferir no seu desenvolvimento, ou ainda dificultar ou prejudicar a realização da justiça mediante uma decisão correta, não é tipificada como crime no ordenamento jurídico brasileiro” (sic) (grifo nosso).

Essa assertiva supra configura um nominalismo inviável e um formalismo obtuso, incapaz de enxergar no ordenamento jurídico brasileiro as mais diversas espécies de previsões legais que podem ser chamadas, coloquialmente, de “obstrução da justiça”. Certamente a alegação é feita de forma praticamente inconsciente, influenciada por aquilo que Crochik aponta como uma tendência contemporânea do pensamento, consistente no “primado da forma” ou “formalização”, o qual insufla uma maneira de pensar idealista, que acaba deixando de lado a realidade das coisas, o seu conteúdo material, para aferrar-se a formas, descrições abstratas, identificadas com o mundo, confundindo, enfim, os nomes com as coisas. É preciso libertar-se dessa prisão do intelecto que infecta o pensamento. Há uma breve parábola oriental intitulada “Recipiente e Conteúdo”, que pode servir muito bem como uma orientação para todos. O Mestre, ao morrer, deixa um bilhete como último ensinamento aos discípulos:
“- Entendam a diferença entre o recipiente e o conteúdo, e a fonte da sabedoria estará à disposição de vocês”.
Observe-se que o autor em comento, na passagem acima transcrita, não faz a simples afirmação de que não há um “nomen juris” de “obstrução da justiça” no ordenamento brasileiro (isso não seria novidade), mas que a própria “ideia” de “obstrução da justiça” nos seria estranha! Ora, isso nos reduziria, mais do que já somos, a incautos, estultos e ingênuos extremados (senão a corruptos que erigem um ordenamento jurídico para ser simplesmente burlado de forma impune).
O crime e o “nomen juris” de “obstrução da justiça” existe, sem dúvida alguma, em legislações alienígenas. Não se pretende aqui fazer uma espécie de transplante forçado do direito estrangeiro para o nacional, mas apenas de constatar que nosso legislador não foi tão incauto ao ponto de jamais prever condutas que podem sim, materialmente, constituir atos ou omissões de “obstrução da justiça”. Não se trata de pretender usar maneirismos ou expressões importadas, ainda que traduzidas, mas de saber, com cautela e bom senso, comparar a legislação brasileira com aquilo que é previsto em outras terras. Na precisa lição de Cruet:

“O verdadeiro título do direito comparado não é dar às diversas legislações uma orientação uniforme, é sugerir, pelo estudo das legislações estrangeiras, soluções verdadeiramente nacionais”.

Reconhece Badaró que no Código Penal Brasileiro há um Capítulo que trata “Dos Crimes contra a Administração da Justiça”. Ele mesmo arrola diversos crimes que, numa ampla acepção, configuram obstruções, impedimentos, embaraços ou desvios da justiça.
Quem pode negar que na “Denunciação Caluniosa” (artigo 339, CP) há um obstáculo para a consecução da justiça? Apontando alguém como autor de um crime inexistente ou falsamente como autor de um crime que efetivamente ocorreu, o indivíduo impõe obstáculos nítidos à administração da justiça, ou seja, num sentido lato, a obstrui, a desvia de seu rumo. O mesmo se diga da “Auto – acusação falsa” (artigo 340, CP), do “Falso Testemunho ou Falsa Perícia” (artigo 342, CP). São todas essas condutas que obviamente têm o potencial de obstruir a consecução da justiça, mas são denominadas formalmente no direito pátrio de “Crimes contra a Administração da Justiça”. Outro exemplo óbvio e que coincide com a casuística apresentada por autores norte – americanos acima mencionados, é o crime de “Coação no curso do Processo” (artigo 344, CP). Ora, um dos exemplos anteriormente mencionados, retirado dos ensinamentos norte – americanos como caso de “obstrução da justiça”, é exatamente a intimidação ou suborno de um juiz (apenas para lembrar: “Common examples of the obstruction of justice include bribing or threatening a judge and encouraging false testimony of a witness or defendant” e “Threatening a judge, trying to bribe a witness, or encouraging the destruction of evidence are examples of obstruction of justice”). E o que dizer da “Fraude Processual” (artigo 347, CP)? Não é esse crime uma clara e evidente conduta obstrutiva da justiça? Seu “nomen juris” é diverso realmente, mas materialmente, no mundo dos fatos, é mais do que evidente que o Brasil incrimina sim atos concretos de obstrução da Justiça, sob a nomenclatura geral de “Crimes contra a Administração da Justiça” e com uma divisão em vários tipos penais específicos. E não para por aí, o próprio Badaró proporciona vários outros exemplos cabíveis na concepção que se está a defender: Sonegação de papel ou objeto de valor probatório (artigo 356, CP), Violência ou Fraude em Arrematação Judicial (artigo 358, CP) e Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito (artigo 359, CP). São crimes com “nomen juris” diversos, mas com uma característica material em comum: constituem sempre condutas que consistem em obstruir, obstaculizar, impedir, embaraçar, burlar ou desviar a consecução da justiça.
Os “Crimes contra a Administração da Justiça” nada mais fazem do que punir ações e omissões que acabem de uma maneira ou outra obstruindo faticamente o regular andamento da justiça num sentido amplo, abrangendo não somente o Judiciário, mas o Ministério Público e a Polícia.
Nas palavras de Teles:

“A administração da justiça, a distribuição da justiça, a atuação do Poder Judiciário, bem assim dos órgãos indispensáveis à sua atividade, como as autoridades policiais, do Ministério Público, da Advocacia e de todos os operadores do Direito, é bem jurídico importantíssimo e deve estar, também, ao amparo do Direito Penal contra ações que se voltam contra sua regularidade, seu normal funcionamento, sua credibilidade e o respeito que todos a ela dedicam. Por isso, o Código Penal dedicou o Capítulo III do Título XI aos crimes contra a administração da justiça”.

Em seus comentários ao crime de “Coação no curso do Processo”, Bitencourt aponta o intento, com a incriminação da conduta em destaque, de “impedir que a justiça seja obstada”:

“Tutela-se o interesse de que a justiça não seja obstada ou desvirtuada por qualquer fator estranho ao seu desenvolvimento válido e regular, assegurando acima de tudo a imparcialidade de suas decisões” (grifo nosso).

Na tradicional lição de Magalhães Noronha, “crimes contra a administração da justiça” constitui
“o nome que se usa para designá-los e é a primeira vez que aparece em nossa legislação. Com ele, tem em vista o legislador, os fatos que empecem ou estorvam uma das finalidades do Estado: a distribuição da justiça” (grifo nosso).

Perceba-se que o autor noticia a prévia existência de condutas incriminadas em nosso ordenamento (antes da legislação de 1940), que revelavam a obstrução à consecução da justiça, mas que não se achavam devidamente sistematizadas e sob uma denominação comum (v.g. no Código do Império e no Código de 1890). Ora, isso não significava que não havia antes infrações penais tutelando a “Administração da Justiça”. O nome dado apenas identifica melhor, sistematiza, coordena, agrupa em uma categoria nominada essas condutas atentatórias. Igualmente, porque hoje estão sob a nomenclatura de “Crimes contra a Administração da Justiça”, não há fundamento para afirmar que no Brasil não se pune a “obstrução da justiça” enquanto fato concreto. Não é correto afirmar que não há tipificação para atos de “obstrução da justiça” no ordenamento jurídico brasileiro. O que não há realmente é um “nomen juris” com essa designação. No entanto, há uma série de tipos penais que configuram, de uma maneira ou outra, condutas obstrutivas da justiça.

Badaró em seu primeiro post (há um outro posterior) se fixa no Código Penal Brasileiro à cata de um tipo penal que se encaixe na conduta do Presidente Michel Temer. Assim sendo, faz a afirmação de que não existe no Brasil crime que configure “obstrução da justiça” num posicionamento nominalista e formalista, bem como alega que a conduta do Presidente seria atípica, somente configurando uma imoralidade grave.
É, porém, preciso retomar o principal enfoque deste texto, o qual diz respeito à suposta inexistência de um ou mais crimes de “obstrução da justiça” no Brasil, aplicáveis ou não à conduta específica do Presidente Michel Temer. Nesse passo, seria aconselhável, conforme ficou patente em respostas e críticas à manifestação de Badaró, que o autor do post, observasse não somente o conteúdo material dos tipos penais do Código penal, conforme já exposto (“Crimes contra a Administração da Justiça”), mas procedesse a uma breve observação da legislação esparsa.
Logo de início seria perceptível que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90) prevê claramente um crime que constitui, sem a menor dúvida, materialmente falando, uma conduta de “obstrução da justiça” da Infância e Juventude. Ali não há, novamente, um “nomen juris” formal, mas a descrição da conduta corresponde àquilo que se entende por “obstrução da justiça” de acordo com o senso comum e mesmo em comparação com legislações estrangeiras:

“Art. 236. Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta lei”.

A doutrina especializada, como não poderia deixar de ser, explica, da seguinte forma, a finalidade do dispositivo:
“O objetivo jurídico da presente norma é justamente garantir o regular funcionamento da justiça menorista, sem que haja embaraços ou impedimentos ao seu exercício”.
Note-se que a lei e a doutrina usam as palavras “impedimento e embaraço”, sendo já visto neste texto que a palavra “obstrução” tem exatamente o significado de “impedimento, obstáculo ou estorvo”, seja em português, seja na forma inglesa (“obstrutction”).

Esta é a lição de outro autor especializado. Silva afirma que as ações previstas no tipo penal em estudo são “impedir e embaraçar”. Para o autor, o verbo “impedir” deve ser interpretado como “o ato de tolher, de obstruir, de tornar impraticável” alguma coisa” (grifo nosso). Quanto a “embaraçar”, deve ser entendido como a conduta de “por dificuldade à execução de determinada providência”. De qualquer forma a Justiça da Infância e Juventude seria “obstruída” pela conduta do criminoso.

Lima é ainda mais explícita ao afirmar que o artigo 236 do ECA criminaliza a conduta daquele que “cause obstrução na atividade daqueles que têm o dever de proteger” as crianças e adolescentes (grifo nosso).
Outro exemplo é o artigo 70, número 1, alíneas “a” a “f”, do Estatuto de Roma (Tribunal Penal Internacional), que, como é de trivial conhecimento, integra a legislação brasileira, no mínimo, como norma supra legal. Ali são previstas infrações contra a administração da justiça mediante as quais as atividades do TPI são obstadas ou obstruídas. Em 22.03.2017, o TPI condenou cinco pessoas exatamente por “obstrução das atividades do tribunal”. O termo usado na sentença do TPI para a conduta dos condenados, por 13 vezes é o seguinte: “to obstruct justice” (“obstruir a justiça” em português).
Assim dispõe o artigo 70 do Estatuto de Roma:

“Artigo 70. Infrações contra a Administração da Justiça. 1. O Tribunal terá competência para conhecer das seguintes infrações contra a sua administração da justiça, quando cometidas intencionalmente: a) Prestação de falso testemunho, quando há a obrigação de dizer a verdade, de acordo com o parágrafo 1 o do artigo 69; b) Apresentação de provas, tendo a parte conhecimento de que são falsas ou que foram falsificadas; c) Suborno de uma testemunha, impedimento ou interferência no seu comparecimento ou depoimento, represálias contra uma testemunha por esta ter prestado depoimento, destruição ou alteração de provas ou interferência nas diligências de obtenção de prova; d) Entrave, intimidação ou corrupção de um funcionário do Tribunal, com a finalidade de o obrigar ou o induzir a não cumprir as suas funções ou a fazê-lo de maneira indevida; e) Represálias contra um funcionário do Tribunal, em virtude das funções que ele ou outro funcionário tenham desempenhado; e f) Solicitação ou aceitação de suborno na qualidade de funcionário do Tribunal, e em relação com o desempenho das respectivas funções oficiais”.
Diante desse quadro, como é possível, a não ser por uma visão míope do ordenamento jurídico brasileiro, afirmar que não existe, ao menos materialmente falando, crime de “obstrução de justiça”?

E não é só isso. Como visto, aquilo que conhecemos como “Coação no curso do processo”, como, por exemplo, intimidar uma testemunha, parte, promotor, juiz, autoridade policial etc., é normalmente apresentado como caso, no Direito estrangeiro, de “obstrução da justiça”. Pois bem, não é somente no artigo 344, CP que esse crime é previsto no Brasil. Prado lembra que condutas similares estão descritas, por exemplo, no artigo 4º., I, da Lei 1.579/52 (com relação a violência ou ameaça contra membros de Comissão Parlamentar de Inquérito). Há ainda a previsão do artigo 111 da Lei 12.529/11 a penalizar “todo aquele que se opõe ou obstaculiza a intervenção judicial, ou, cessada esta, pratica qualquer ato que direta ou indiretamente anule seus efeitos no todo ou em parte ou desobedece a ordens legais do interventor” (grifo nosso).

Oposição, obstaculização, anulação de efeitos da determinação judicial ou desobediência às determinações do interventor judicialmente nomeado, não podem, no mínimo materialmente, pelo menos no vocabulário vernacular, ser compreendidas como espécies de “obstrução da justiça”? Parece mais que óbvia a resposta positiva. Tanto é fato que a Lei 12.529/11, manda responsabilizar o autor dessas condutas por resistência (artigo 329, CP), desobediência (artigo 330, CP) ou coação no curso do processo (artigo 344, CP), conforme o caso.

Ademais, é de se lembrar que, conforme o caso concreto, há também alguns crimes contra a administração pública, perpetrados por funcionários públicos ou mesmo particulares que podem, em sentido lato, ser considerados como atos de “obstrução da justiça”. Exemplificando: quando um juiz, promotor ou delegado de polícia prevarica em suas funções na área criminal, é mais que óbvio que criam com isso um entrave ou “obstrução” à administração escorreita da justiça (inteligência do artigo 319, CP); quando alguém desobedece ordens judiciais ou ordens de uma autoridade policial, está, claramente, opondo óbices ou “obstruindo” a justiça num sentido amplo, o mesmo vale para a resistência (inteligência dos artigos 329 e 330, CP).

Mas, analisando especificamente a conduta do Presidente Michel Temer, e considerando, “ad argumentandum tantum”, que tenha ele realmente, de alguma forma, participado da prática de suborno para que uma testemunha não revelasse tudo que sabia no processo criminal da chamada “Operação Lava – Jato”, a qual, sabidamente, versa sobre “Crime Organizado”, é claro e evidente que incidiria no tipo penal previsto no artigo 2º., § 1º., da Lei 12.850/13 (Lei do Crime Organizado).

Neste ponto é surpreendente que Badaró tenha, em seu primeiro post, se aferrado ao Código Penal, sem abrir as vistas à legislação esparsa, que, aliás, era a mais explicitamente aplicável ao caso concreto. A menção do tipo penal supra se fazia imprescindível, ainda que fosse para afastar sua tipificação ou mesmo para criticar o dispositivo ou discorrer sobre não se tratar tal crime de alguma espécie de “obstrução da justiça”, mesmo porque consta da página 22 do pedido de investigação contra o Presidente Michel Temer, da lavra do Procurador – Geral da República, Rodrigo Janot, a imputação da prática de “crime de obstrução da justiça previsto no § 1º. do artigo 2º. da Lei 12.850/13”. É claro que se trata de um simples post de facebook, mas a omissão do tema é deveras surpreendente.
É somente num segundo post, já em resposta a internautas que criticam suas afirmações anteriores e, inclusive a uma Senhora identificada como Eliana Naninha Verneck, a qual sugere uma retratação, que Badaró, vem a mencionar o artigo 2º., § 1º., da Lei 12.850/13, ainda assim mantendo sua posição de que “não há crime de Obstrução da Justiça entre nós” (sic).

Nesse ponto Badaró afirma que, em sua interpretação, o crime supra mencionado “não é ‘Obstrução da Justiça’, no sentido geral de um crime contra a administração da justiça” (sic). Seria, para o autor, “um delito especial” e “muito mal redigido”.
Percebe-se que o autor se fixa no Código Penal como se somente esse diploma legal pudesse prever crimes contra a administração da justiça, já que é ali que está alocado o Capítulo com essa nomenclatura. Mais uma vez é interessante notar o formalismo e nominalismo imperantes, como se os nomes fossem as coisas e a forma determinasse, isoladamente, o conteúdo. Parece não haver a noção de que há previsões de legislação esparsa que podem muito bem tutelar o bem jurídico “administração da justiça”, o que, aliás, já foi fartamente demonstrado neste texto.

É bem verdade que Badaró afirma discordar de Luiz Flávio Gomes, mas este é explícito em afirmar que o crime previsto no artigo 2, § 1º., da Lei 12850/13 é um delito de “obstrução da investigação” e “contra a administração da justiça”. Isso em um sentido amplo, abrangendo “processo” e “fase investigatória”, no que está em acordo com Guilherme de Souza Nucci, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto.
Em obra anterior, específica sobre a Lei 12.850/13, escrita em coautoria com Marcius Tadeu Maciel Nahur, já se afirmou que o crime do artigo 2, § 1º. sob comento tutela o bem jurídico “administração da justiça”. Nessa mesma obra são tecidas críticas à configuração legal do dispositivo, em concordância parcial com o exposto por Badaró. Ocorre que não se pode confundir os defeitos de uma coisa com a sua inexistência. Um dispositivo legal pode ter falhas redacionais, problemas de interpretação, mas isso, não leva à justificação da alegação de sua inexistência. Realmente o § 1º., do artigo 2º., da Lei 12.850/13 não é um primor redacional; é, como popularmente se diz, “mal acabado” (sic). Mas, isso não implica em sua inexistência e não justifica a falta de menção sobre ele na fala do autor quando faz a contundente afirmação de que não existe no Brasil crime de “obstrução da justiça”. Como já dito anteriormente, nem mesmo que fosse para fazer um contraponto e afastar a natureza jurídica do dispositivo, havia de ser mencionado logo de início e não somente depois de provocação crítica. Quando o autor mantém seu posicionamento e em fundamentação passa a tecer críticas ao dispositivo sob comento, continua incidindo na confusão entre defeito e inexistência, entre o capricho de não gostar do dispositivo e a alegação de que ele não existe. Ora, a título de descontração, pode-se dizer que o parágrafo pode ser “feinho”, mas ele existe. Afinal, como popularmente se diz, “uma pessoa feia é igual a uma pessoa bonita, só que feia” (sic). No entanto, tanto o “feio” como o “bonito” existem. Um artigo de lei ruim é igual a um artigo bem redigido, só que ruim. O defeito não gera inexistência. Ademais, fosse assim no campo jurídico (confusão entre defeito e inexistência), e então grande parcela de nossa legislação, especialmente a mais atual, seria simplesmente uma espécie de conto de fadas ou quimera.
Entre as críticas ao artigo 2º., § 1º., da Lei 12.850/13, elaboradas por Badaró para fundamentar que não se trata de um crime de “obstrução da justiça” ou, na nomenclatura nacional, um “crime contra a administração da justiça”, está o fato de que é previsto em lei especial e aplicável somente para o caso especial de organização criminosa, obviamente no campo penal.

Essa crítica causa grande estranhamento, pois nada impede que o legislador elabore normas especiais, com aplicação restrita ao campo penal e aplicáveis à organização criminosa, mesmo porque esse é o evidente objeto, a finalidade cristalina da criação de uma legislação sobre organização criminosa. Legislação esta que, ademais, é criada no direito interno em cumprimento a tratado internacional sobre o tema ao qual o Brasil se filiou.
Roberson e K. Das chamam a atenção para a necessidade de que os países aderentes da chamada “Convenção de Palermo” (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Promulgada no Brasil pelo Decreto 5.015/04), promovam a previsão em seu direito penal interno de crime de “obstrução da justiça” no combate ao crime organizado, o que leva à insofismável conclusão de que a previsão do artigo 2º., § 1º., da Lei 12.850/13 só pode ter por finalidade cumprir o Direito Convencional Internacional, colmatando uma lacuna de insuficiência protetiva existente em nosso país. Portanto o crime ali previsto somente pode ser mesmo uma espécie de delito de “obstrução da justiça”, ainda que seja em termos materiais ou de conteúdo, sem que se lhe tenha sido dado um “nomen juris” formal. Observe-se o texto de Roberson e K. Das:

“The convention represented a major step forward in the fight against transnational organized crimes and signifies recognition by members states of the seriousness of the problems posed by it, as well as the need to foster and enhance close international cooperation in order to tackle those problems. States that ratify this instrument commit themselves to taking a series of measures against transnational organized crime, including the creation of domestic criminal offenses (participation in an organized criminal group, money laundering, corruption and obstruction of justice)” (grifo nosso).

Badaró ainda insiste em diferenciar a “obstrução à justiça” ou a atuação contra o interesse da “administração da justiça” da obstrução, embaraço ou impedimento da investigação criminal, não se apercebendo de que não somente no Código Penal, mas também na Lei de Organização Criminosa o conceito de “justiça” é amplo, havendo crimes que atingem a jurisdição, mas também a investigação. Olvidando-se ainda de que o próprio processo é uma atividade de reconstrução do qual não se pode extirpar, sem mais, o caráter apuratório, investigatório, de busca de uma verdade processualmente válida. Alega ainda que a Lei 12.850/13 é “muito mais” uma legislação de caráter processual penal e de normatização de investigação do que de natureza material ou penal. Ora, isso é verdade, mas na própria afirmação do autor está implícita a informação de que a Lei 12.850/13 é de natureza híbrida ou mista, contendo normas penais e processuais penais. Isso, aliás, é algo mais que evidente, notório mesmo pela simples leitura do texto legal, tanto é fato que são previstos ali vários crimes, dentre os quais o de “obstrução da justiça” na investigação criminal em sentido amplo, quando se tratar de caso de organização criminosa (artigo 2º., § 1º.). Alegar que a lei é mista e tende mais para o aspecto processual nada comprova quanto à inexistência de um tipo penal debatido. Ao reverso, a afirmação de a lei é “muito mais” (sic) processual do que material, implica em que ela é também, embora em menor medida, material ou penal. Parece que no afã de manter sua posição o autor se enreda em uma argumentação rocambolesca.

A interpretação dos crimes contra a administração da justiça de maneira ampla, mesmo porque, no âmbito criminal, a fase investigatória terá relevantes repercussões não somente no desate do futuro Processo Penal, mas até mesmo no seu destino final (vide, por exemplo, o disposto no artigo 155, “caput”, CPP), não é elucubração do autor do presente trabalho. O próprio Badaró, em comentários ao Código de Processo Penal, admite a influência condicionada dos elementos colhidos na investigação criminal na futura decisão judicial do processo. Afirma, com razão, o autor que a influência será tanto maior quanto mais os elementos indiciários da fase investigatória coincidirem com a prova produzida em juízo. Além disso, chama a atenção para as provas periciais e cautelares necessariamente produzidas de forma rápida no curso da investigação e que produzem efeitos óbvios na fase processual.

Também vale expor o tradicional escólio de Magalhães Noronha ao comentar sobre as generalidades dos “crimes contra a administração da justiça”:

“Não se trata da justiça no sentido restrito de jurisdição, mas de tudo quanto se refere à atuação e atividade da justiça, para conseguir os fins que lhe são próprios e inerentes. São os delitos aqui considerados fatos que não atentam apenas contra a instituição da justiça, mas também contra a função, atingindo-a no prestígio e eficácia que lhe são absolutamente indispensáveis”. (…) É o programa de nosso estatuto, como se falou no início, não sendo necessário repetir que justiça não é empregada aqui, no sentido restrito ou técnico de jurisdição, mas lato ou amplo de sua atividade ou atuação para lograr seus fins ou objetivos”.

Não parece, de acordo com o já exposto, que se possa sustentar a afirmação de que inexistem materialmente na legislação brasileira crimes de “obstrução da justiça”, bem como, mais especificamente, que o crime previsto no artigo 2º., § 1º., da Lei 12.850/13 não seja um delito que tem a natureza material de “obstrução da justiça”, até mesmo por sua origem convencional internacional. É bem verdade, contudo, que não existe no ordenamento brasileiro crime algum com o “nomen juris” formal de “obstrução da justiça”.

Importante ressaltar a escorreita exposição de Andreucci sobre o tema, incursionando pelo Direito Norte – Americano com suas diversas previsões do crime de “obstrução da justiça” e concluindo que no Brasil não existe previsão expressa de um delito com esse “nomen juris”, embora “sob o manto da‘obstrução da justiça’ se encontram vários crimes contra a administração pública e contra a administração da justiça”. O autor ainda menciona Projeto de Lei para criação de um tipo penal de “Obstrução”, mas conclui que tal não seria necessário, eis que as várias condutas já previstas no Código Penal e legislações esparsas dão conta de diversas formas obstrutivas que merecem reprimenda, sendo fato que o tipo penal projetado criaria mais confusão do que benefícios.
Na mesma linha manifesta-se Reyner:

“A bem da verdade não existe um tipo único penal de Obstrução da Justiça, mas vários crimes tipificados que, em conjunto, protegem a regularidade e o equilíbrio processual, impedindo condutas tendentes a causar transtorno ao exercício jurisdicional, sem esquecer de mecanismos processuais pertinentes”.

É necessário perceber que a “obstrução da justiça” não é um “nomen juris” formal no Direito pátrio, mas a expressão sobredita corresponde a um fato que tem consequências jurídico – penais espraiadas pelo Código Penal Brasileiro e por nossa legislação especial.
Assim sendo é inegável que a conduta de “obstrução da justiça” se adéqua ao conceito de “fato jurídico”, conforme se extrai da lição de Mello:

“Ao sofrer a incidência de norma jurídica juridicizante, a parte relevante do suporte fático é transportada para o mundo jurídico, ingressando no plano da existência. Nesse plano, que é o plano do ser, entram todos os fatos jurídicos, lícitos ou ilícitos. No plano da existência não se cogita de invalidade ou eficácia do fato jurídico, importa, apenas, a realidade da existência. Tudo aqui, fica circunscrito a saber se o suporte fático suficiente se compôs, dando ensejo à incidência. Naturalmente, se há falta, no suporte fático, de elemento nuclear, mesmo completante do núcleo, o fato não tem entrada no plano da existência, donde não haver fato jurídico”.

Não há como negar que várias condutas perpetradas pelas pessoas no decorrer da investigação criminal ou do processo (seja este penal ou não) são subsumíveis a tipos penais que preveem crimes com diversos “nomen juris”, mas que, em termos de conteúdo, são adequáveis à designação de “obstrução da justiça”. Portanto, tais condutas, quando praticadas, constituem “fatos jurídicos”, não importando o nome que se lhes dê. São “fatos jurídicos” porque se encaixam em tipos penais que incriminam condutas de “impedimento, embaraço ou obstrução da justiça”, gerando, assim, consequências jurídico – penais.
Conforme ensinamento de Parra Filho:

“Crime é, antes de tudo, um fato social que, por violar regras jurídicas de convivência, torna-se um fato jurídico, mais precisamente um fato jurídico penal; fato este que viola as regras de proteção, da sociedade e, notadamente do Estado”.

Lançando mão do ensinamento de Carrara, Mirabete e Fabbrini, aduzem que o crime é um “ente jurídico” e, por isso, deve encontrar abrigo na “teoria geral do direito”. Assim sendo, como “uma conduta humana de efeitos jurídicos involuntários (imposição de pena etc.) e um ato que contrasta com a ordem jurídica (ato ilícito)” pode ser classificado “entre os fatos jurídicos”.

Krebs procede ao estudo do conceito de crime sob seus diversos aspectos. De acordo com o enfoque formal, crime “é a violação da lei penal”. No entanto, esclarece que tal conceituação é por demais vazia, não se preocupando com o “objeto” do crime. Já num conceito material o destaque é maior quanto ao “objeto” do que quanto à “forma”. O conteúdo da conduta e sua reprovabilidade no seio social são levados em consideração especial. Nesse passo o crime é compreendido como “fato jurídico ou como fenômeno social”. Entretanto, também esse prisma, isoladamente, se torna por demais incerto, eis que não garante a observação da legalidade, tendo potencial para formulações de criminalização abertas ou indefinidas, tais como “aquilo que afete o sentimento de retidão da sociedade” ou outras fórmulas genéricas, geradoras de insegurança jurídica e violadoras do Princípio da Legalidade. Já para o conceito analítico o crime deve ter as características de tipicidade e antijuridicidade. Não se abre mão do conteúdo negativo da conduta sob o aspecto do interesse social, mas há que assegurar a tipificação legal como garantia.

Dessa forma é possível compreender em que se sentido se afirma que a “obstrução da justiça” é crime no ordenamento brasileiro, materialmente falando. A afirmação não significa uma adesão cega ao puro conceito material de crime. Significa que, num conceito analítico, as condutas que podem configurar, de fato, como um “fato jurídico” que gera consequências penais, “obstrução da justiça”, desde que encontrem abrigo em tipos penais, ainda que com nomenclaturas diversificadas, não podem deixar de ser reconhecidas, materialmente falando ou em termos de conteúdo, como “obstruções à justiça”.

No que tange à conduta do Presidente Michel Temer e sua relação com o empresário Joesley, maiores aprofundamentos não constituem o objetivo deste trabalho e, na verdade, somente a análise dos autos e o seguimento das investigações a serem levadas a cabo poderão revelar o que realmente ocorreu, e se há, efetivamente, alguma infração penal, seja relativa ao artigo 2º., § 1º. , da Lei 12.850/13, seja em relação a qualquer outra infração penal.

De qualquer forma, todos aqueles que, já de pronto, afirmam a inexistência de prática criminal, sem a análise direta dos autos e o fim das investigações, tal como faz, Badaró em sua manifestação, na qual afirma haver apenas imoralidade , para tão somente depois, numa segunda manifestação e em face de críticas, mencionar, ao final, eventual necessidade de apuração em “processo penal”, estão, obviamente, equivocados e agem de maneira açodada e superficial. De maneira similar, apenas com vetor oposto, atuam aqueles que, sem maiores questionamentos, sentenciam o Presidente, apontam o tipo penal ou os tipos penais e exigem medidas drásticas sem qualquer apuração mais aprofundada. Nesse ponto, com razão, Badaró critica o que chama de “cegueira ideológica”.
Porém, tomando como mera hipótese, haver o Presidente assentido com o suborno de Eduardo Cunha por Joesley e, ainda, incentivado a continuidade disso, dando a crer que já soubesse que aquilo acontecia ao dizer que tinha que continuar, não assiste razão a quem diga que não houve “auxílio”, mas apenas “concordância”, “anuência” ou “omissão de contestação” penalmente irrelevantes. Ora, realmente, tecnicamente, não houve “auxílio”, mas houve, no mínimo, “instigação”. Não se sabe se em momento antecedente à gravação houve “induzimento” ou mesmo “determinação”, há que investigar. Porque, se houve, é evidente que o Presidente é, no mínimo, partícipe do crime previsto no artigo 2º., § 1º., da Lei 12.850/13, nos estritos termos do artigo 29, CP que, adotando a Teoria Monista, nos ensina que todo aquele que, de alguma forma, contribui para a infração penal, incide em suas penas.Diz-se, no mínimo partícipe nesse crime, a uma porque pode haver outros crimes que surjam durante as investigações ou que já estejam mesmo caracterizados nos elementos até agora colhidos e aos quais não se deu publicidade por razões óbvias.A duas porque a atuação do Presidente pode ter sido, como normalmente o é a do partícipe, como mero coadjuvante, ou, como detentor do domínio do fato, como aquele que protagoniza a prática criminosa, ainda que agindo como um “homem de trás” (imagine-se que tenha sido ele o indutor, aquele que determinou o suposto suborno). Sabe-se, por meio do escólio de Figueiredo Dias, que, no Direito Comparado, a “instigação”, como determinação pelo sujeito da prática criminosa, é considerada como espécie de autoria (Direito Penal Português). Na legislação alemã, mesmo aquele que determina a realização da infração é considerado como partícipe ou “participante”, não chegando a ser classificado como autor.

Seja como partícipe, seja como autor ou coautor, pode haver o Presidente Michel Temer (a título meramente hipotético), cometido o crime do artigo 2º., § 1º., da Lei 12.850/13 ou outros delitos.

Novamente é interessante observar como as lições de Figueiredo Dias são esclarecedoras para o caso, obviamente, mudando o que haja que mudar em relação à legislação brasileira:

“Instigador não é, para estes efeitos, aquele que incentiva, aconselha, meramente sugere ou reforça o propósito de outrem de cometer um ilícito típico; tampouco aquele que simplesmente o induz àquele cometimento, ajudando-o a vencer as resistências, físicas, intelectuais ou morais, ou mesmo afastando os últimos obstáculos que o separam do crime; em suma, todo aquele que, com a sua conduta, influencia a motivação do executor na direção da realização típica. Este não é autor, mas, só, se disso for caso, participante sob uma forma alargada de cumplicidade” (grifos no original).

No Direito e na dogmática lusitanos, a “instigação” se refere à determinação da prática criminosa (v.g. mandante – executor) e não somente ao incentivo, ao acoroçoamento como ocorre no Brasil. Como aduz Figueiredo Dias:
“Esse será o caso de hipóteses (…) de incentivar, aconselhar, sugerir, reforçar o propósito, em suma, de situações em que o homem de trás, com a sua conduta, influencia a motivação do homem da frente, sem verdadeiramente o ‘determinar’, na acepção estrita referida, à realização típica. Tais comportamentos não cabem no conceito jurídico – penal de ‘instigação” (…), antes constituem ‘auxílio’ ao fato de outrem e, por conseguinte, ‘cumplicidade’”.
Fato é que, lá como cá, tenha o Presidente Temer “mandado” subornar ou simplesmente “incentivado” o suborno, visando embaraçar ou impedir a consecução da justiça, praticou, em tese, crime que, materialmente, se pode chamar de “obstrução da justiça”, embora esse termo não exista como “nomen juris” na legislação pátria. Se é um partícipe, um autor ou mesmo um detentor do domínio do fato, trata-se de questão secundária. Importa saber se, de alguma forma, colaborou para uma infração penal, pois que, se o fez, incidirá nas penas a esta cominadas, na medida de sua culpabilidade (inteligência do artigo 29, CP).

Nada disso pode, porém, ser afirmado ou negado de inopino, com base no ouvir dizer ou no noticiário midiático. O caso é sério e com seriedade e não leviandade deve ser encarado, ao menos quando se está a tratá-lo de forma técnico – jurídica e não meramente jocosa ou humorística.

Finalmente deve ser consignado que é preciso guardar as devidas proporções entre a elaboração do presente trabalho, realizada com bem maior ponderação e pesquisa sobre o tema, e as manifestações do autor enfocado, que se deram em simples posts de facebook, de modo que, embora configurando uma posição de um estudioso do Direito, não podem ser tomadas como um trabalho elaborado e de maior envergadura, não passando de uma declaração rápida, como sói acontecer nas redes sociais. Essa observação é deveras importante para que não se tenha a impressão falsa de que houve a criação de um “espantalho”, promovendo uma ampliação desproporcionada das ideias do autor para então contrastá-las. Aqui apenas foi realizada uma análise mais apurada sobre a existência ou não de crimes no ordenamento jurídico brasileiro, aos quais, materialmente, se possa chamar de “obstrução da justiça”, inobstante inexista, induvidosamente, algum tipo penal com essa nomenclatura explícita. Portanto, o que foi abordado foi a afirmação segura do autor quanto à inexistência, em qualquer aspecto, de algum crime de “obstrução da justiça” na ordem jurídico – penal brasileira. Essa afirmação peremptória foi posta em xeque, com a devida argumentação, com o único propósito de esclarecer o público sobre a dissidência que pode haver nesse aspecto. Neste ponto, é de se agradecer ao responsável pelos posts polêmicos a bela oportunidade para uma reflexão mais aprofundada sobre o tema que, aliás, parecia a este subscritor, algo trivial, mas foi possível verificar que não era, e estava a merecer maiores esclarecimentos e aprofundamentos.


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Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós Graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

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