quinta-feira,28 março 2024
ColunaGestão de ConflitosSerá a arbitragem a solução no consumo?

Será a arbitragem a solução no consumo?

1. Introito

Muito embora existam dúvidas sobre o uso da arbitragem das relações de consumo, diversos argumentos a favor do uso de soluções alternativas de litígio estão sendo trazidos no âmbito do Direito do Consumidor. Mas, será a arbitragem solução no consumo, de modo preventiva à litigiosidade consumerista?

Mesmo se as soluções alternativas em geral encontrem amparo na legislação processual e no CDC, a utilização da arbitragem deve ser tratada diferentemente, se frente a um vulnerável como o consumidor.

Daí a importância do tema a que passa a ser discutido no presente trabalho.

Mas, será a arbitragem solução preventiva à litigiosidade consumerista?

2. A arbitragem como solução preventiva à litigiosidade

2.1. A arbitragem

A arbitragem como forma quase judicial de solução de litígios é regulada no Brasil desde 1996, quando da introdução da Lei Federal 9.307.

Porém, o artigo 4º, §2 destaca que a arbitragem apenas correrá em contratos de adesão quando as partes aceitarem de modo expresso e inequívoco o seu uso.

Por ser uma cláusula autônoma no contrato, o aceite deve ser realizado de maneira específica para a cláusula que preveja o seu emprego.

Por outro lado, nos casos em que um acordo prévio não tenha sido realizado, se houver interesse, qualquer uma das partes poderá convocar a outra para firmar o compromisso arbitral.

Mas, perceba: mesmo nesse caso, caso a parte convocada não queira comparecer ou não quiser aceitar o compromisso, o Poder Judiciário que terá competência para julgar o caso.

Portanto, de maneira geral, a Lei Arbitral permite que seja feita a proposta de instituição da arbitragem de forma posterior da ocorrência do litígio, podendo a intenção partir tanto do fornecedor como do consumidor.

Para que haja a negativa ou nulidade para o procedimento de arbitragem, necessário que haja o não comparecimento de uma das partes ou quando se propuser ação perante o Poder Judiciário.

Por outro lado, vale lembrar que, se aceita e utilizada a arbitragem, a sua sentença produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário.

2.2. Mas é solução cabível nas relações consumeristas?

Por causa dessas previsões, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) indicou a nulidade de cláusulas contratuais que determinem a utilização compulsória de arbitragem.

O argumento é de que o consumidor, por sua vulnerabilidade, se veria em discrepante desigualdade face ao fornecedor de produto ou de serviço, se fosse inserida no contrato de adesão, de maneira prévia, a previsão da arbitragem como forma obrigatória de solução de litígios.

Inclusive, pontua-se que na reforma da Lei Arbitral promovida em 2015, vetou-se a inclusão no artigo 4º, §3, a qual trazia a permissão genérica para o uso desse procedimento em litígios em relações de consumo.

Mister dizer que o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, visa, justamente, a proteção do cidadão na sua condição de destinatário final perante os fornecedores.

2.3. Quais os meios mais adequados à solução preventiva à litigiosidade?

Os meios alternativos de solução de conflitos, por isso, devem corresponder a alternativas efetivas de atendimento ao consumidor, tal como é o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).

Aliás, mais do que alternativas resolutivas, os canais de comunicação entre consumidores e fornecedores são alternativas na prevenção de conflitos de consumo.

E quando o atendimento ao consumidor é precário, os Procons detêm competência para exercerem as alternativas de solução de conflitos, que não foram solucionadas pela empresa fornecedora de forma consensual. No caso, os Procons exercem a conciliação e em alguns casos a mediação para a solução de litígios.

Além disso, há a plataforma de solução de reclamações online (www.consumidor.gov.br), administrada pela Secretaria Nacional de Consumo (Senacon), a qual visa aproximar as empresas e consumidores, fornecendo outra via para resolver-se os litígios, sem envolver o judiciário.

Portanto, trata-se de um meio autocompositivo optativo importante para a reaproximação das partes.

Nessa toada, se os métodos alternativos de solução de litígios são vistos como benéficos, por que os dados do CNJ apontam o crescente número de ações de consumo no judiciário brasileiro?

Pode-se pensar em dois motivos: o primeiro é que o fornecedor não tem a intenção de atender o consumidor pelas vias alternativas já citadas; e o segundo, o possível interesse econômico na não resolutividade das demandas de consumo.

Assim, será que a inclusão da arbitragem nas relações de consumo irá, de fato, reduzir o número de reclamações dos consumidores, os custos com as ações judiciais, honorários advocatícios e sanções administrativas?

2.4. Será a arbitragem solução preventiva à litigiosidade consumerista?

A arbitragem de consumo permitirá um número ainda mais elevado de reclamações por inserção de cláusula de arbitragem em contratos de adesão, mesmo com a citada anuência expressa do consumidor.

Isso porque o consumidor não tem expertise e conhecimento jurídico adequado para dar ciência a ela de maneira plenamente consciente e verdadeiramente informada.

Mas, a inserção de cláusulas abusivas nos contratos de adesão já é uma realidade no mercado de consumo brasileiro.

É necessário ter muita cautela ao propor a utilização da arbitragem na solução de conflitos de consumo.

É necessário observar o caso concreto (objeto e valor da causa, p. ex.) e as vulnerabilidades dos consumidores envolvidos para que se possa verificar a possibilidade de sua utilização.

Isso apenas seria possível após a ocorrência de eventual problema e através da prestação de informações precisas aos consumidores, observando-se o princípio do consentimento informado.

Além disso, outras questões devem ser consideradas, tais como a impossibilidade de sigilo da arbitragem, os custos envolvendo a arbitragem e a existência de mecanismos de fiscalização e compliance de eventuais câmaras arbitrais, sendo estas públicas ou privadas.

O Superior Tribunal de Justiça já ventilou ser possível o uso da arbitragem em litígios de consumo ‘com consumidores ditos não-vulneráveis’, afastando a nulidade de pleno direito prevista no artigo 51, inciso VII, do CDC.

3. Conclusão

E ai? Será a arbitragem a solução no consumo?

Como bem lembrado pelo Relator ministro Luis Felipe Salomão (REsp n. 1.189.050 – SP), amparado na doutrina:

mais inteligente será sempre avaliar a fragilidade da parte na sua concretude, pois, idealmente, protege-se a parte débil e não há motivo para se proteger quem não necessita de proteção“.

Assim, o que se depreende é que a arbitragem poderia, sim, continuar sendo plenamente excluída das relações de consumo se o caso envolver pessoa vulnerável, haja vista o desequilíbrio entre o fornecedor e consumidor.

Forte nisso, pode-se dizer que a opção pela arbitragem no Brasil em litígios de consumo é bastante polêmica e não está de forma alguma pacificada, sendo necessário que parâmetros muito claros sejam tecidos, preservando as relações consumeristas dentro dos parâmetros constitucionais previstos para ambos os agentes envolvidos.

REFERÊNCIAS

ANDRIGHI, Fátima Nancy. Arbitragem nas relações de consumo: uma proposta concreta. Revista de Arbitragem e Mediação, Brasília, a. 3, n. 9, pp. 13-21, abr./jun. 2006.

BRASIL. Lei 9.307 de 23 de setembro de 1996. Brasília: 24 set. 1996. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 10 nov. 2020.

BRASIL. Lei 13.129 de 26 de maio de 2015. Brasília: 27 mai 2015. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm#art1. Acesso em: 20 nov. 2020.

BRASIL. Lei 13.467 de 13 de julho de 2017. Brasília, 14 jul 2017. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 20 nov. 2020.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números: completo. Brasília, s/d. Disponível em: https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT. Acesso em: 13 nov. 2020

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números: 2019. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em: 13 nov. 2020

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 8a Ed. São Paulo: RT, 2016. MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. São Paulo. Ed. Revista dos tribunais: 2012.

NEVES, José Roberto de castro. Arbitragem nas relações de consumo – uma nova esperança. In: ROCHA, Caio César V.; SALOMÃO, Luis Felipe (coord.). Arbitragem e Mediação. São Paulo: Atlas, 2015.

SORDI, Sávio; SQUEFF, Tatiana Cardoso. The introduction of arbitration within the brazilian legal context. Panorama of Brazilian Journal. Juiz de Fora, v. 4, n. 5-6, pp. 306-327, ma. 2017.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -