quinta-feira,28 março 2024
ColunaElite PenalRevisão Criminal à Luz do Novo CPC

Revisão Criminal à Luz do Novo CPC

Nada obstante tratar-se de matéria disciplinada no Título que o Código de Processo Penal reserva para os recursos, a revisão criminal é ação autônoma de impugnação, destinada à desconstituição da sentença ou acórdão com trânsito em julgado, quando que se revelar desfavorável ao acusado.

Diferentemente do que ocorre em relação aos recursos, a revisão criminal dá ensejo a uma nova relação jurídica processual, não se limitando a prolongar aquela já constituída. A revisão criminal só é admitida em prol do acusado, já que nosso ordenamento não agasalha a rescisão pro societate de decisão transitada em julgado[1]. Nesse sentido, dispõe o art. 621 do CPP:

Art. 621.  A revisão dos processos findos será admitida:

I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

De acordo com o que estabelece o art. 622, a revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou depois. Porém, na forma do parágrafo único, não será admissível a reiteração do pedido, salvo se fundado em novas provas. Frise-se que o ajuizamento da ação revisional criminal não está atrelado à prisão do condenado, consoante determina a Súmula 393 do Supremo Tribunal Federal ao dispor que “para requerer a revisão criminal, o condenado não é obrigado a recolher-se à prisão”.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015, sensíveis mudanças foram inseridas no instituto, no que se refere à justificação prévia, como veremos no momento oportuno.

Conforme preleciona Renato Brasileiro (2015), no ordenamento pátrio, a revisão criminal pode ser compreendida como ação autônoma de impugnação, da competência originária dos Tribunais (ou das Turmas Recursais, no âmbito dos Juizados), a ser ajuizada após o trânsito em julgado de sentença condenatória ou absolutória imprópria (leia-se, exclusivamente em favor do acusado), visando à desconstituição da coisa julgada, sempre que a decisão impugnada estiver contaminada por erro judiciário[2]. Assim, compete ao próprio tribunal julgar as revisões criminais de seus julgados, bem como aquelas oriundas de decisões proferidas por magistrados a ele subordinados. Devemos destacar que não poderão participar desse julgamento os desembargadores que já tenham participado anteriormente do julgamento do feito.

Das hipóteses de cabimento da revisão criminal

A revisão criminal apresenta como pressupostos essenciais a existência de sentença condenatória ou absolutória imprópria transitada em julgado e a demonstração do erro judiciário, nos termos do art. 621, incisos I, II, e III do CPP. Verificados os erros, o tribunal poderá, julgando procedente a revisão, alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo (art. 626, caput, CPP). Tem o autor da ação, a finalidade de desconstituir a sentença penal com trânsito em julgado, substituindo-a por outra, a menos que o tribunal a anule, pois nessa hipótese o processo será devolvido ao juízo de origem, para que retome sua marcha processual a partir da nulidade, se já não estiver extinta a punibilidade.

Nessa senda, são situações que ensejam a revisão da sentença penal condenatória ou absolutória imprópria passada em julgado: a) violação ao texto expresso da lei penal; b) contrariedade à evidência dos autos; c) sentença fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; d) descoberta de novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição da pena; e) configuração de nulidade do processo. Importa destacar que as quatro primeiras estão expressamente previstas no art. 621 do CPP, enquanto a última está no art. 626.

a) Violação ao texto expresso da lei penal: hipótese descrita na primeira parte do inciso I, do art. 621, do CPP. Nesse ponto é necessários esclarecermos que mesmo o dispositivo fazendo referência expressa à lei penal, entende-se que se essa violação também atingir a lei processual penal ou norma constitucional, estará autorizada a propositura da revisão criminal. Exemplo disso são as provas obtidas por meios ilícitos, que violam o art. 5º, LVI, da CF. Dispõe a Súmula 343 do STF que “não cabe ação rescisória, por ofensa a liberal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Apesar de a Súmula se referir inequivocamente à ação rescisória, aplica-se o mesmo entendimento à revisão criminal. Logo, não será admitido o ajuizamento de revisão criminal por contrariedade ao texto expresso da lei penal se ao tempo do julgamento, a matéria era controvertida nos Tribunais.

b) Contrariedade à evidência dos autos: a segunda hipótese está prevista na parte final do inciso I, do art. 621, do CPP. Aqui, devemos entender a evidência dos autos como a verdade manifesta no processo. Assim sendo, a sentença contrária à evidência dos autos é aquela que não tenha se amparado nas provas produzidas na persecução penal, ou sequer nos elementos informativos produzidos no inquérito policial. Porém, a precariedade ou fragilidade do conjunto probatório não autoriza o ajuizamento de revisão criminal. Exige-se ainda a comprovação de que a sentença não se fundamentou em qualquer prova produzida nos autos.

c) Sentença fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos: consoante estabelece o inciso II, do art. 621, quando a sentença tiver fundamento em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos, será cabível o ajuizamento da revisão criminal, exigindo-se, todavia, a demonstração da falsidade da prova e que tenha sido ela o único ou o principal fundamento da sentença, pois sua simples existência não permitirá a revisão criminal. Ou seja, exige-se que a prova reconhecidamente falsa tenha influído indubitavelmente na decisão do juiz.

d) Descoberta de novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição da pena: nos termos do incido III, do art. 621, a revisão criminal também será admitida quando forem descobertas novas provas, após a sentença. Essas provas novas podem ser tanto da inocência do réu condenado, quanto de circunstâncias autorizadoras da diminuição especial da pena. Podem se basear em elementos probatórios que não foram objeto de apreciação pelo julgador, indiferentemente de já existirem antes da sentença ou somente após a condenação do acusado. Renato Brasileiro (2015)[3] assevera que essa hipótese de cabimento do art. 621, III, do CPP, revela mais uma distinção entre a revisão criminal e a ação rescisória. De fato, no âmbito cível, a prova nova descoberta após a sentença deve se referir a fato já alegado no curso do processo (CPC, art. 485, VII – art. 966, VII, do novo CPC). No âmbito processual penal, pode ser utilizada qualquer prova nova, pertinente (ou não) a fato alegado no processo, até mesmo se disser respeito a fato novo não arguido no processo. Além disso, no âmbito cível, a prova nova só pode ser a documental, enquanto que, no bojo da revisão criminal, admite-se a utilização de qualquer meio de prova.

e) Configuração de nulidade do processo: o caput do art. 626, do CPP, determina que o tribunal, julgando procedente a revisão, poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo. Nessa direção, entende-se admissível o ajuizamento de revisão criminal em face de nulidade do processo, já que a anulação é uma das medidas cabíveis. Sendo absoluta a nulidade verificada na sentença, sua arguição poderá ser feita a qualquer momento; se relativa, deverá ser arguida no momento oportuno sob pena de preclusão temporal e convalidação da nulidade.

Do pedido de indenização

O art. 5.º, LXXV, da CF, impõe ao Estado a obrigação de indenizar o condenado por erro judiciário, bem como o que ficar preso por tempo superior ao fixado na sentença. Destarte, é plenamente possível que o revisionando cumule pedido de indenização por erro judiciário com os pedidos enumerados no art. 626 do CPP. Nessa direção, determina o art. 630:

Art. 630.  O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 1º Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.

§ 2º A indenização não será devida:

a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;

b) se a acusação houver sido meramente privada.

No que diz respeito à alínea “b” do § 2º, Guilherme Nucci[4] traça uma crítica bastante pertinente: é preciso não perder de vista que o erro judiciário, seja a ação penal pública, seja privada, é julgada pelo Poder Judiciário, de modo que o equívoco é sempre do Estado e nunca do particular. O fato da iniciativa da ação penal privada ter sido conferida ao ofendido não significa que ele é o titular do direito de punir. Ao contrário, este é sempre estatal. Por isso, parece-nos inaplicável este dispositivo. Anote-se a correta visão de Ada, Magalhães e Scarance: “Essa posição do Código, bastante esdrúxula – pois mesmo na queixa-crime é o Estado que a recebe e, condenando, comete o erro judiciário, pouco importando a titularidade da ação – não pode prevalecer perante as regras constitucionais sobre a responsabilidade objetiva do Estado, que é obrigado a indenizar por erro judiciário, independentemente da titularidade da ação penal” (Recursos no processo penal, p. 334).

Da justificação prévia

Surgindo provas novas, que dependam de produção judicial, o revisionando poderá requerer ao juízo a quo que seja realizada audiência de justificação prévia, que, segundo Norberto Avena[5], é espécie de ação cautelar de natureza preparatória (…) fundamentando esse pedido na circunstância que se pretende ingressar com revisão criminal e embasando-o, por analogia, no art. 861 do CPC. Nesse sentido:

“Se a prova nova for oral, caberá ao autor do pedido de revisão ajuizar previamente, perante o juiz de primeiro grau, justificação ou produção antecipada de prova de natureza criminal” (STJ, HC 140.618/SP, 5ª T., rel. Min. Jorge Mussi, j. 2-8-2011, DJe de 29-8-2011).

Advirta-se, porém, que com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, a justificação deverá ser embasada nos arts. 381 e 382 do referido diploma, correspondentes ao revogado art. 861 do CPC de 1973, e que tratam especificamente da produção antecipada de provas na esfera cível, aplicada analogamente ao processo penal e cujo objetivo é a coleta das provas que acompanharão a revisão criminal, procedimento no qual não cabe dilação probatória.

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[1] REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. Coord. Pedro Lenza. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1309.

[2] BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de processo penal. 3 ed. rev. amp. atual. Salvador: Juspodium, 2015, p. 1783.

[3] BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de processo penal. 3 ed. rev. amp. atual. Salvador: Juspodium, 2015, p. 1796.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13 ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 2224.

[5] AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. 3 ed. São Paulo: Método, 2011, p. 1253.

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1 COMENTÁRIO

  1. Ou seja, houve o trânsito em julgado, não ocorreu a produção antecipada de provas, então resta apenas a via de registrar a prova nova em ata notarial?

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