quinta-feira,28 março 2024
ArtigosResponsabilidade internacional do Estado

Responsabilidade internacional do Estado

A base fundamental da responsabilidade internacional está amparada na noção de que o Estado é responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado a que tal ato tenha causado dano uma reparação adequada.

A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico em virtude do qual o Estado a que é imputado um ato ilícito segundo o direito internacional deve uma reparação ao Estado contra o qual este ato foi cometido. Ou seja, a responsabilidade internacional do Estado decorre de uma transgressão a norma jurídica internacional, bem como a incidência de uma conduta de natureza dolosa ou culposa do autor, ensejando, assim, a discussão sobre a responsabilidade subjetiva e a objetiva.

Pela subjetiva, além do descumprimento de uma norma ou obrigação jurídica internacional por parte de um Estado, deve este também ter agido com dolo ou culpa para que seja considerado responsável no plano internacional.

No que tange à responsabilidade objetiva do Estado, está é constituída pelo descumprimento de uma obrigação jurídica internacional independentemente da existência de culpa ou dolo, garantindo, portanto, maior segurança jurídica no campo das relações internacionais.

A responsabilidade internacional apresenta características próprias em relação à responsabilidade no direito interno:

  1. a) ela é sempre uma responsabilidade com a finalidade de reparar o prejuízo; o DI praticamente não conhece a responsabilidade penal (castigo etc.);
  2. b) a responsabilidade é de Estado a Estado, mesmo quando é um simples particular a vítima ou o autor do ilícito; é necessário, no plano internacional, que haja o endosso da reclamação do Estado nacional da vítima, ou ainda, o Estado cujo particular cometeu o ilícito é que virá a ser responsabilizado.

Sem embargo, a respeito das divergências doutrinarias acerca da matéria, têm-se apresentado as seguintes condições para que se verifique a responsabilidade do Estado no plano internacional.

  1. a) Violação de uma regra jurídica de caráter internacional;
  2. b) Que a transgressão da regra ocasione um dano;
  3. c) Que a ofensa seja imputável ao Estado.

Para se configurar um dever de reparação de dano no Direito Internacional, é necessária a ocorrência dos seguintes elementos:

  1. a) Um comportamento em violação de um dever internacional, sempre imputável a um ou mais Estados, denominado ilícito internacional, consistente numa ação ou omissão;
  2. b) A existência de um dano físico ou moral, causado a outros Estados, sua integridade territorial ou a bens a estes pertencentes ou, ainda, a pessoas ou propriedade dos nacionais destes;
  3. c) Um nexo de causalidade normativa entre dano e ilícito, o qual institui um dever de reparar o seu autor e cria ao ofendido um direito subjetivo de exigir uma reparação.

O princípio fundamental da justiça traduz-se concretamente na obrigação de manter os compromissos assumidos e na obrigação de reparar o mal injustamente causado a outrem, princípio este sobre o qual repousa a noção de responsabilidade. (Accioly, 1996, p. 124)

Seguindo a compreensão acima, podemos considerar incontestável a regra que coloca o Estado como sendo internacionalmente responsável por ato ou por omissão que lhe possa ser imputado e do qual resulte a violação de uma norma jurídica internacional ou que seja resultado do descumprimento de alguma de suas obrigações internacionais (princípio do pacta sunt servanda).

Delituosa ou contratual, pode vir a ser a responsabilidade, conforme seja resultado de atos delituosos ou da inexecução dos compromissos assumidos.

É corrente que se fale também em responsabilidade direta, a que deriva de atos do governo ou de seus agentes, e responsabilidade indireta, resultante de atos praticados por particulares, de forma que possa ser imputável ao governo. Esse tipo de divisão, contudo, diz respeito mais à teoria, visto que na prática, não podem os atos dos particulares suscitar uma responsabilização do Estado, muito embora seja ele, Estado, responsável por não ter punido ou evitado tais atos. Assim, a responsabilidade por parte do Estado é sempre indireta, uma vez que somente possa praticar quaisquer atos por intermédio de seus agentes e, quando responder por atos de particulares, não o será por tê-los praticado de fato.

A responsabilidade jurídica do Estado pode achar-se comprometida tanto por um dano material como por um dano moral, importando, em primeiro lugar, que haja um dano causado a direito alheio; em segundo, que se trate de um ato ilícito; e em terceiro, que tal ato seja realmente imputável ao Estado.

Uma vez não exista o direito lesado, de forma alguma se pode falar em responsabilidade, ao menos no sentido ou contexto que aqui sugere a etimologia da palavra. O ato ilícito é aquele que viola os deveres ou as obrigações internacionais do Estado, quer se trate de um fato positivo, quer de uma omissão. Tais obrigações não resultam de tratados ou convenções apenas, mas podem decorrer também do costume ou dos princípios gerais do direito.

Segundo as palavras de Rezek (1998, p. 268), em linhas simples, a ideia de responsabilidade internacional é a de que o Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado a que tal ato tenha causado dano uma reparação adequada. A responsabilidade de um sujeito de direito internacional público, seja um Estado ou uma organização, resulta necessariamente de uma conduta ilícita, tomando-se aquele direito (e não o direito interno) como ponto de referência. Para a caracterização do ilícito internacional, é preciso que exista a afronta a uma norma de direito das gentes: um princípio geral, uma regra costumeira, um dispositivo de tratado em vigor, dentre outras. A reparação devida é sempre de natureza compensatória, mesmo porque, no aspecto jurídico e organizado, o contencioso internacional não é de ordem punitiva, mas sim de compensação, normalmente.

Não se investiga, para afirmar a responsabilidade do Estado ou da organização internacional por um ato ilícito, a culpa subjetiva: é bastante que tenha havido afronta a uma norma de direito das gentes, e que daí tenha resultado dano para outro Estado ou organização. Em muitos dos casos a falta consiste apenas na insuficiência de zelo ou diligência no tocante à preservação da ordem pública ou à garantia de segurança pelas quais o Estado é responsável, como seu mar territorial. Não se admite também, no direito das gentes, uma responsabilidade objetiva, independente da verificação de qualquer procedimento faltoso, exceto em casos especiais e tópicos, disciplinados por convenções recentes.

A forma de reparação há de corresponder à forma do dano, ou seja, se houve dano de ordem moral, a reparação possível também será nesta esfera ou ainda, se dano houve, de ordem econômica, a reparação possível se efetivará de forma pecuniária. Outra forma de reparação do dano, conforme sua natureza, diz respeito a restauração do status quo ante isto é, a recomposição das coisas no estado ou forma em que se encontravam antes do ato ilícito.

O Estado reclamante que pleiteia reparação, deve basear sua intervenção no fato de que, se não o atingiu diretamente o dano, atingiu a um de seus nacionais ou a pessoa sobre quem se estende sua proteção diplomática. Assim, duas questões de imediato se impõem: se o caráter nacional deve existir a partir da apresentação da reclamação ou desde o ato ilícito e, se tal caráter deve persistir de forma ininterrupta, até que a reclamação seja solucionada.

A prática diplomática e a jurisprudência internacional consagraram o princípio de que, para os efeitos da reclamação, o indivíduo deve ter possuído, desde a época da violação de seu direito, a nacionalidade do Estado reclamante e tê-la ainda, no momento da apresentação da reclamação.

Na Segunda questão, a doutrina é mais favorável à persistência do caráter nacional, até a decisão final. Admite-se, contudo, que se o dano é permanente e o indivíduo muda de nacionalidade enquanto o dano persiste, o novo Estado cuja nacionalidade foi adquirida poderá sustentar a reclamação. Em qualquer das hipóteses, considera-se como indiscutível que o indivíduo em favor de quem se faz a reclamação não deve possuir a nacionalidade do Estado contra o qual é dirigida a reclamação.

Seguindo tanto a doutrina como a prática internacional, admite-se que desaparece a responsabilidade internacional do Estado, devido a possibilidade do surgimento de certos casos envoltos em circunstâncias bastante especiais, como por exemplo:

legítima defesa – pressupõe sempre uma agressão ou ataque ilícito e uma reação  determinada   pela  necessidade   imediata   de  defesa,  reação   adequada, proporcionada ao ataque ou ao perigo iminente. Dá margem a abusos, resultantes talvez, da falta de acordo preciso sobre as circunstâncias que a caracterizam. É princípio universalmente aceito, contudo, que a legítima defesa faz desaparecer o caráter possivelmente ilícito de um direito reconhecido.

represálias – compreende atos em si mesmo ilícitos, porém justificados como único meio de combate a outros atos igualmente ilícitos. Só podem ser admitidas: em face de um ato prévio que constitua infração ao direito, contrária a quem as emprega e, se proporcionais à gravidade da infração. Pode acrescer-se ainda, a condição de que o ofendido não tenha encontrado um meio lícito de impedir a violação de seu direito.

prescrição liberatória – o elemento básico da prescrição liberatória ou extintiva, em matéria internacional, é o silêncio do credor durante um espaço de tempo mais ou menos longo, sobre o que, a jurisprudência arbitral já indicou a necessidade, para aplicação, de que seja invocada.

culpa do lesado – considera-se que a responsabilidade do Estado pode desaparecer ou ser atenuada, quando o comportamento do indivíduo tenha dado ensejo ao fato gerador do dano ou ter fortemente contribuído para a ocorrência.

Outras circunstâncias têm sido apresentadas como capazes de excluir a responsabilidade internacional do Estado: a renúncia do indivíduo lesado (quando o indivíduo, por contrato, se compromete a não se utilizar da proteção diplomática de seu próprio governo) e o estado de necessidade (ação pura e simples de um Estado contra outro em defesa de seus interesses). Os defensores desta teoria esquecem que o direito de um Estado tem por limite os direitos dos demais membros da comunidade internacional.

Nas relações internacionais, o que caracteriza o abuso de direito é, precisamente, o aludido exercício abusivo das competências possuídas pelo Estado.

Assim, não se pretende negar a legitimidade dos atos do Estado, praticados dentro de tais competências. O exercício arbitrário destas é que se considera ilícito e, assim, constitui fonte de responsabilidade para o Estado (Silva e Accioly, p.144).

É princípio geralmente aceito, que a responsabilidade do Estado comporta a obrigação de reparação do dano causado e, eventualmente, dar a satisfação adequada. Cabe essa obrigação, ao Estado responsável, ao passo que, ao Estado lesado, ou do qual algum nacional ou protegido tenha sido lesado, pertence o direito à reparação ou satisfação.

Segundo procedimento da Corte Permanente de Justiça Internacional, a reparação deve, tanto quanto possível, apagar todas as conseqüências do ato ilícito e restabelecer a situação que teria, provavelmente, existido se o dito ato não tivesse sido cometido. Percebe-se assim, que está implícita na ideia de reparação, a ideia de restabelecimento das coisas ao estado anterior ou em sua primitiva integridade – restitutio naturalis ou restitutio in integrum. Se tal restabelecimento não for mais possível ou se só o for parcialmente, deverá intervir então uma indenização ou compensação equivalente.

O dano pode referir-se tanto à pessoa de um Estado (pode ser atingido direta ou indiretamente) quanto à de um particular. Alguns autores preferem distinguir os danos em patrimoniais (bens materiais em geral) e extrapatrimoniais (demais bens).

A doutrina moderna e a jurisprudência dos tribunais arbitrais têm consagrado o princípio de que só devem ser concedidas reparações por prejuízos diretos. É preciso, no entanto, que não se confunda a extensão da reparação com uma de suas formas.

Quanto ao lucro cessante, parece que não se deve incluí-lo entre os danos indiretos, visto que, quando se trata de danos de ordem material, não seria difícil demonstrar a relação de causa e efeito existente entre a infração e o lucro cessante, isto é, o ato ilícito e aquilo que o indivíduo lesado efetivamente deixou de ganhar. O dano deve ser a consequência certa, necessária, inevitável, do ato gerador da responsabilidade.

É de se considerar que a responsabilidade do Estado é resultado do fato de não haver procedido com a devida diligência, isto é, de não haver adotado as medidas que deveria adotar, após a execução do ato lesivo. Nesse caso, de acordo com os princípios decorrentes, a obrigação do Estado limita-se à reparação do dano resultante da omissão total ou parcial dessas medidas.

Segundo Rezek, no caso das reparações de ordem econômica, a jurisprudência internacional oferece algum préstimo no sentido de fazer entender o que seja uma indenização justa: deve compreender, sobre o montante básico, o que no Brasil chamamos de juros moratórios, resultantes do tempo de expectativa, pela vítima, da efetiva percepção do que lhe é devido. Para ele, hão de compensar-se também, se for o caso, os ‘lucros cessantes’. Não, porém os chamados ‘danos indiretos’, mas só aqueles que tenham sido o resultado imediato de ato ilícito.

Visando a questão dos danos não materiais, tem como finalidade, geralmente, a desaprovação de atos contrários à honra e à dignidade do Estado e, portanto, devem ser públicas. As formas mais comuns são: o pedido formal de desculpas, a manifestação de pesar, a saudação à bandeira do país ofendido, a destituição do autor ou autores da ofensa ou outra maneira de punição do culpado ou culpados. A medida para as satisfações deve buscar-se na natureza e gravidade das ofensas.

Os atos de órgãos do Estado contrários ao Direito Internacional Público implicam responsabilidade internacional, mesmo se tais atos forem baseados no seu direito interno.

atos do órgão executivo ou administrativo – os casos mais comuns de responsabilidade do Estado resultam de atos dos órgãos do poder executivo ou administrativo e podem decorrer de decisões do próprio governo ou de atos de seus funcionários. A ação ou omissão pode apresentar-se sob as formas mais diversas, sendo frequentemente difícil determinar até onde vão as obrigações internacionais do Estado. Entre elas, por exemplo, questões relativas às concessões ou contratos do Estado, às dívidas públicas, às prisões ilegais ou injustas e a da falta da proteção devida aos estrangeiros.

Os atos de funcionários, suscetíveis de acarretar a responsabilidade internacional do Estado, tanto podem ser praticados em território nacional quanto em território estrangeiro. São eles, geralmente, os agentes diplomáticos, os cônsules e os oficiais de marinha. Para que seus atos possam ser imputados ao Estado, basta que tenham procedido no limite aparente de suas funções.

atos do órgão legislativo – se o poder legislativo do Estado adota uma lei ou resolução contrária aos seus deveres internacionais ou com eles incompatíveis, ou deixa de adotar as disposições legislativas necessárias para a execução de algum dos ditos deveres, o Estado responderá por isso. Um Estado não pode declinar sua responsabilidade com a invocação de seu direito interno.

atos do órgão judiciário ou relativos às funções judiciárias – O Estado pode ser responsabilizado em consequência de atos de seus juízes ou de seus tribunais, embora exista a preocupação de não criar para o Estado ou indivíduos estrangeiros uma eventual instância superior às dos tribunais nacionais.

É regra geralmente aceita a de que o Estado responde pelos atos de pessoas jurídicas ou de coletividades que, em seu território, exerçam funções públicas de ordem legislativa ou administrativa, quando tais atos são contrários aos deveres internacionais do Estado.

O direito internacional reconhece a existência de atos internacionais ilícitos imputáveis exclusivamente a indivíduos, como por exemplo: a pirataria, o tráfico de drogas e de escravos e, em geral, em tempo de guerra, o transporte de contrabando e a violação de bloqueio. A responsabilidade não decorrerá propriamente dos atos de indivíduos que não representam o Estado, mas da atitude deste, ou melhor, da inexecução das obrigações que pelo direito internacional lhe são impostas.

A responsabilidade internacional ocorre como uma consequência da violação de uma obrigação internacional que representa um ato internacionalmente ilícito, podendo ser uma ação ou uma omissão, constituído por três elementos essenciais: a conduta, a imputação da conduta ao Estado e a ilicitude dessa conduta. Existem duas visões diferentes acerca da obrigatoriedade da existência do dano e nexo causal entre a conduta e o dano como os elementos essências de um ato ilícito. A posição maioritariamente adotada pela doutrina e refletida nalguns casos do Tribunal Internacional é a de dano e nexo causal não serem elementos vinculativos. Assim, podem existir situações em que não há dano e há responsabilidade e vice-versa.

A violação de uma obrigação internacional comporta dois tipos de consequências. Em primeiro lugar, o Estado responsável é obrigado cessar e não repetir o comportamento ilícito, e também deve reparar integralmente os danos que causou a outra parte. Em segundo lugar, o Estado que sofreu prejuízos adquire o direito de invocar a responsabilidade do outro Estado.

Também foi possível se verificar que se a pessoa de Direito Internacional praticar o ato, mas estiver acobertada pelo consentimento válido de outro Estado, pela legítima defesa, pela prática de uma contramedida, pela força maior, pelo perigo extremo ou pelo estado de necessidade, que atuam como causas excludentes da ilicitude, não será possível se falar na responsabilidade internacional e no consequente dever de reparação, salvo quando o ato praticado importar em violação a uma norma jus cogens.


Referências

ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Manual de Direito Internacional Público. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Manual de Direito Internacional. São Paulo: Editora Saraiva. 2013.

CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Saraiva. 19. Ed. 2011.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Manual de Direito Internacional Público e Privado. 3. Ed. Salvador: Editora JusPodovim, 2011.

REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 7ed. São Paulo: Saraiva.

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