quinta-feira,28 março 2024
ColunaDireito da SaúdeResponsabilidade civil pela prestação de serviços médicos em cirurgia

Responsabilidade civil pela prestação de serviços médicos em cirurgia

Um tema relevante no direito médico refere-se à discussão da responsabilidade civil do profissional da medicina, que ora atua isoladamente, ora atua em equipe como na realização de cirurgia, com ou sem subordinação entre os participantes e o cirurgião-chefe.

Em linhas gerais, a prestação de serviços médico é reputado como uma obrigação de meio, em que o profissional se compromete a utilizar a melhor técnica e a diligência necessária para tentar alcançar a cura do paciente, salvo a cirurgia estética que se obriga com o resultado.

Na realização de cirurgia em equipe, quando há uma relação de subordinação entre o médico-chefe e os demais participantes, incidindo, pois, as noções de culpa “in elegendo” e “in vigilando”, o médico-chefe pode vir a responder por dano causado ao paciente pelo médico-participante que esteja diretamente sob suas ordens (REsp 200831, rel. Min. Barros Monteiro).

O Código do Consumidor, aparentemente, aponta duas possíveis soluções, a saber: (i) caracterizado o trabalho em equipe, havendo ou não a subordinação dos profissionais de saúde que participam do procedimento com o cirurgião-chefe, há uma verdadeira cadeia de fornecimento de serviços, o que implicaria em tese a solidariedade entre os profissionais, ainda que atuem com independência; (ii) há uma ressalva da responsabilidade civil dos profissionais liberais que deverá ser apurada individualmente, caso a caso, mediante a verificação da culpa.

A jurisprudência do STJ encontra-se consolidada no sentido de que a responsabilidade civil dos profissionais médicos depende de verificação da culpa, a teor do art. 14, §4º, do CPC ( REsp 16998726, rel. Min. Villas Bôas Cueva), e que a responsabilidade das sociedades empresárias hospitalares por dano causado ao paciente-consumidor pode ser assim sintetizada: (i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (art. 14, caput, do CDC); (ii) os atos técnicos praticados pelos médicos sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (art. 14, § 4, do CDC), se não concorreu para a ocorrência do dano; (iii) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional.

Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição, de natureza absoluta (arts. 932 e 933 do CC), sendo cabível ao juiz, demonstrada a hipossuficiência do paciente, determinar a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC)”. (REsp 1145728/MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão). Outrossim, a responsabilidade do médico atendente em hospital é subjetiva, necessitando da demonstração pelo lesado, sendo aplicável a regra de inversão do ônus da prova.

Na medicina atual, tornou-se comum a atuação em conjunto de mais de um profissional, cabendo em tese a responsabilidade inicial do cirurgião-chefe pela escolha e pela supervisão dos demais profissionais, em que estes podem atuar sob subordinação ou autonomamente. Em tese, pode haver a responsabilização solidária do cirurgião-chefe em relação aos demais, quando há a culpa de um profissional médico que agiu sob sua direção, ou quando há uma culpa na escolha do profissional (REsp 138059, rel. Min. Ari Pargendler). Por sua vez, se o dano adveio da culpa de um profissional médico que, embora tenha participado da equipe, atua com autonomia, sem receber ordens do cirurgião-chefe, a responsabilidade deve ser apurada individualmente, sendo excluída a solidariedade pela cadeia de serviços.

Dissipando divergência jurisprudencial interna sobre o tema da responsabilidade civil decorrente de erro médico, o STJ já decidiu que, em razão da sua capacitação especializada e sua atuação com autonomia, na hipótese de haver danos ao paciente decorrentes de erro médico praticado pelo anestesista, a responsabilidade civil será individual deste profissional, excluindo-se a solidariedade com o cirurgião-chefe (EREsp 605435, rel. Min. Raul Araújo).

Outrossim, por força do Código do Consumidor, há a responsabilidade solidária do Plano de Saúde pelos atos praticados pela entidade hospital e pelos seus profissionais da saúde,  do Hospital, no que concerne ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, e do médico responsável pelo erro médico, sendo que a responsabilidade do plano de saúde e da entidade hospitalar é objetiva (REsp 1359156, rel. Min. Paulo Tarso Sanseverino, e Agint no REsp 1639724, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira). Há ainda a orientação de que os hospitais respondem solidariamente juntamente com o profissional da medicina, cuja culpa deve ser provada pela vítima de modo a gerar o dever de indenizar da instituição de natureza absoluta (REsp 1832371, rel. Min. Nancy Andrighi)..

Em se tratando de hospital privado credenciado pelo SUS, o poder público detém legitimidade passiva para responder pela demanda fundada em erro médico (AREsp 1594099, rel. Min. Herman Benjamin). É bom ressalvar que os hospitais não podem responder objetivamente pela prestação de serviços defeituosos praticados por profissionais médicos que nele atuam sem vínculo de empregou ou subordinação (REsp 1216424, rel. Min. Nancy Andrighi).

Sendo assim, o médico cirurgião, ainda que se trata de chefe da equipe médica, não pode ser responsabilizado civilmente por erro médico cometido exclusivamente como pelo médico anestesista, ainda que tenha havido a sua indicação, diante da sua atuação autônoma sem qualquer vinculação de dependência (REsp 1790014, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze e EREsp 605435, rel. Min. Raul Araújo).

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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