quinta-feira,28 março 2024
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Reprodução assistida: a legislação brasileira atual no trato de novos procedimentos biotecnológicos na área de engenharia genética

Por Bárbara Marques Silveira*

Introdução
Esse fato gera a necessidade de uma lei específica para regular estes procedimentos evitando os riscos eugênicos já existentes e outros que podem vir a surgir com o tempo, visto que existem falhas na lei quanto aos limites na reprodução assistida. Os avanços da ciência visam melhorias nos procedimentos de reprodução assistida e também no trato da saúde em geral. Contudo, essas vantagens oferecidas trazem consigo discussões acerca da bioética e da biossegurança.
Os progressos tecnológicos na área de reprodução assistida são inevitáveis. Por essa razão, frente ao progresso da ciência e dos avanços no ramo da biotecnologia é necessária uma adaptação legislativa, a fim de evitar abusos e pôr limites em práticas que ponham em risco o patrimônio genético e que possam ferir a dignidade humana.
Com a falta de parâmetros jurídicos específicos, há um grande risco de desvirtuação dos procedimentos de reprodução assistida, por meio da utilização das técnicas da inseminação in vitro para escolher características, ao invés da prevenir de síndromes e demais má formações, doenças genéticas ligadas ao sexo, tornando essas técnicas, assim, eugênicas.
Diante deste contexto, essa pesquisa centrar-se-á na discussão sobre a eficácia da legislação brasileira na prevenção de riscos de eugenia, no que se refere ao uso de técnicas de reprodução assistida. Esse fato gera a necessidade de uma lei específica para regular estes procedimentos evitando os riscos eugênicos já existentes e outros que podem vir a surgir com o tempo, visto que existem falhas na lei quanto aos limites na reprodução assistida. Os avanços da ciência visam melhorias nos procedimentos de reprodução assistida e também no trato da saúde em geral. Contudo, essas vantagens oferecidas trazem consigo discussões acerca da bioética e da biossegurança.
Os progressos tecnológicos na área de reprodução assistida são inevitáveis. Por essa razão, frente ao progresso da ciência e dos avanços no ramo da biotecnologia é necessária uma adaptação legislativa, a fim de evitar abusos e pôr limites em práticas que ponham em risco o patrimônio genético e que possam ferir a dignidade humana.
Com a falta de parâmetros jurídicos específicos, há um grande risco de desvirtuação dos procedimentos de reprodução assistida, por meio da utilização das técnicas da inseminação in vitro para escolher características, ao invés da prevenir de síndromes e demais má formações, doenças genéticas ligadas ao sexo, tornando essas técnicas, assim, eugênicas.
Diante deste contexto, essa pesquisa centrar-se-á na discussão sobre a eficácia da legislação brasileira na prevenção de riscos de eugenia, no que se refere ao uso de técnicas de reprodução assistida.

2 REPRODUÇÃO ASSISTIDA E RISCOS DE EUGENIA: AS LACUNAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

2.1 Bioética, Biodireito e Reprodução Assistida

Bioética é a ética da vida; ciência que estuda os valores morais, procurando estabelecer a licitude e ilicitude das possibilidades experimentais e tecnológicas referentes à vida humana. A Bioética:

[…] tem como objetivo orientar a humanidade num direcionamento racional mais cauteloso no trato dos avanços biotecnológicos prezando os valores à luz constitucional. Visa também a bioética proteger a dignidade da pessoa humana, os direitos pessoais, princípios e direitos coletivos frente à revolução de novas descobertas biotecnológicas (JUNGES, 2013, p. 48).

Enquanto disciplina, a bioética é nova, sendo examinada à luz dos princípios éticos e morais. Trata-se de um estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas, com objetivo de melhorar a saúde e qualidade de vida.
Neste sentido, há diferentes classificações da bioética conforme suas temáticas. Assim, a bioética das situações emergentes é aquela que se refere aos conflitos entre o progresso da ciência e os limites dos direitos humanos e, a bioética das situações persistentes, a que trata de temas cotidianos, problemas que o mundo enfrenta com o passar do tempo.
Essa ligação entre a bioética e os direitos humanos remete a um novo conhecimento jurídico, o Biodireito, que denota a necessidade de se considerar o fato como um todo, não particularizando cada etapa. Isso significa que, dentre os elementos que constituem a experiência humana, o direito e a bioética estão interligados na formação de valores e conceitos.
Até que o Biodireito surgisse, a Bioética, de acordo com Sgreccia (1996, p. 42-44), procurou solucionar as questões existentes entre os seres humanos e o ecossistema, em um primeiro momento. Posteriormente, se preocupou com a análise dos problemas éticos dos pacientes, dos médicos e de todos os envolvidos na assistência médica e pesquisas científicas, relacionadas com o início, a continuação e o fim da vida. Nessa perspectiva, Barboza (2004, p. 73), destaca:

[…] o objeto do Biodireito é matéria complexa, heterogênea e que lhe confronta normas existentes que na maioria das vezes lhe são estranhas. Pode-se afirmar, contudo, que sua base principiológica está construída. A partir de 1988 instaurou-se no Brasil uma nova ordem jurídica que encontra na Constituição da República seus princípios estruturais. Tais princípios constitucionais ou princípios gerais de direito compreendem os valores primordiais de nossa sociedade, traduzindo em sua maioria os direitos fundamentais do homem. Por sua natureza, conforme antes exposto, os princípios constitucionais devem constituir os princípios de Biodireito.

Posteriormente, o Biodireito ao ser erigido à categoria de área do conhecimento e estando atrelado à Bioética, ao Direito Penal, ao Direito Civil, ao Direito Ambiental e ao Direito Constitucional, ele se propõe a trabalhar no limite entre o respeito às liberdades individuais e a coibição de abusos contra a pessoa ou a espécie humana. Abrange, desse modo, todo o conjunto de regras jurídicas já positivadas e voltadas a impor (ou proibir) uma conduta médico-científica danosa ao ser humano e que sujeitam seus infratores às sanções por elas previstas.

O Biodireito apresenta-se como um rol de normas positivadas que regem os limites nas atividades científicas e orientam os profissionais de saúde, pesquisadores, cientistas prevendo também sanções em caso de violação da lei, vindo a ser então a disciplina jurídica, que relaciona as normas positivadas aos avanços biotecnológicos (VALLE;TELLES, 2003, p. 108).

Sabe-se que o respeito à autonomia do paciente tem como objetivo garantir-lhe a liberdade de escolha sobre seu bem-estar. Ser autônomo, no entanto, não pressupõe só a liberdade de agir, mas também a capacidade de agir em consonância com as escolhas feitas e as decisões tomadas. É certo que os avanços tecnológicos abrem um leque enorme para que escolhas sejam feitas de forma clara, mas, ao falar em reprodução assistida, depara-se com alguns questionamentos éticos.
A busca de um estereótipo ditado pela sociedade como ideal é a primeira inquietação, ainda que se saiba que o paciente tem o direito de optar por características genéticas que o satisfaçam. Esta autonomia também não é absoluta; há limites a serem respeitados, como a diversidade cultural.
Assim, ao referenciar a reprodução assistida, percebe-se que esse procedimento intervém no processo de fecundação natural, embora tenha o objetivo de possibilitar que a pessoa possuidora de infertilidade ou de esterilidade satisfaça o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade.
Segundo a igreja católica, a reprodução assistida abre a porta a novos atentados contra a humanidade. Entre eles está o incentivo à produção de embriões em número superior ao necessário para a implantação no útero da mulher, depois suprimidos ou utilizados para pesquisas, a pretexto de progresso científico e médico, e o estímulo ao aborto eugênico (eugenia negativa), que acolhe a vida do embrião sob certas condições, recusando a limitação e a enfermidade (PAULO II, 1995, p. 21-22).
As técnicas da reprodução assistida são: a inseminação artificial homóloga ou heteróloga e a fecundação in vitro. Na fecundação homóloga as células reprodutivas usadas são do próprio marido ou companheiro e, na heteróloga, ambas as células reprodutivas podem ser de pessoas desconhecidas.

A fecundação in vitro é uma outra técnica da Reprodução Assistida, através da qual se dá a fecundação do óvulo in vitro, ou seja, os gametas masculinos e femininos são previamente recolhidos e colocados em contato, in vitro. Sendo, então, o embrião resultante, posteriormente transferido para o útero ou para as trompas (VALLE;TELLES, 2003, p. 102).

A técnica de inseminação artificial trata de depositar no útero os espermatozoides previamente coletados e selecionados em laboratório. Utilizam-se, para isso, meios artificiais em técnicas distintas, o que permite a seleção genética e a prática eugênica.
Assim, ao fazer as escolhas dos melhores genes, surge uma preocupação que parte da análise dos possíveis tratamentos. Ao substituir genes maus por genes bons, gera-se a ideia de que se poderá conceber uma humanidade nova, aperfeiçoada, fazendo, dessa forma, com que a eugenia seja vista como uma forma discriminatória de constituir uma sociedade.

2.1.1 Riscos de Eugenia

Atualmente, já há nos bancos de doadores a seleção de gametas e sua devida triagem para comercialização. Mesmo sendo vedados os procedimentos que selecionem sexo, raça e demais características, implicitamente estas técnicas podem ser aplicadas em clínicas de reprodução assistida. Basta analisar o fato da escolha do doador para se constatar que há uma seleção de características antecedendo o procedimento.

O Brasil tem questões preocupantes que precisam ser solucionadas ao ponto de vista jurídico quanto as possibilidades tratadas na fecundação in vitro, entre elas podemos citar os experimentos com embriões, precisa-se decidir se são considerados pessoas ou apenas objetos experimentais, o que gera dilemas éticos quase insolúveis frente a diversas opiniões sobre conceito vida, concepção e seus atributos (DINIZ, 2014, p. 192).

Outra questão importante é o congelamento dos embriões, referente ao tempo que devem permanecer congelados. Isso gera discussões sobre posse, vínculo familiar, geração, se podem ser objeto de divisão em caso de separação de casais ou, simplesmente, se podem ser considerados produtos e vendidos a terceiros, no caso de abandono ou omissão de doadores.
O descarte de embriões feito em laboratório é chamado também de perda planejada ou redução embrionária. A questão que permeia essa discussão é como diferenciar o aborto deste procedimento, que deixa subentendida uma prática semelhante e com a mesma finalidade, apenas em tempo diferente.
Neste sentido, o Estatuto do Nasciturno (2007) afirma que:

A proliferação de abusos com seres humanos não nascidos, incluindo a manipulação, o congelamento, o descarte e o comércio de embriões humanos, a condenação de bebês à morte por causa de deficiências físicas ou por causa de crime cometido por seus pais, os planos de que bebês sejam clonados e mortos com o único fim de terem suas células transplantadas para adultos doentes, tudo isso requer que, a exemplo de outros países como a Itália, seja promulgada uma lei que ponha um ‘basta’ a tamanhas atrocidades (BRASIL, 2007, p. 7).

Verifica-se, então, a previsão de vedação destas práticas pelo Projeto de Lei nº 1184, de 2003, ainda que a prática frequente destes procedimentos, acima citados, mostre a falha legislativa, visto que, muitas vezes, não recebem a devida sanção. Surge, então, o questionamento de que o descarte embrionário também seria permitido em sua legalidade, e tal ideia parte da existência do Projeto de Lei Originário da Câmara 3/2013, ou PLC 3/2013. Tal projeto, tramitado em regime de urgência, dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual, tornando obrigatório, na rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS), o atendimento emergencial, integral e multidisciplinar às vítimas de violência sexual. Pretende-se, com isso, o controle e o tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.

O jurista não poderá quedar-se inerte ante a realidade de consequências jurídicas sobre a técnica conceptiva, ficando silente diante de tão intricada questão, nem o legislador deverá omitir-se, devendo, por isso, regulá-la, rigorosamente, se impossível for vedá-la (DINIZ, 2014, p. 193).

Nota-se que o sistema legislativo deixa lacunas em muitas questões, que necessitam ser revistas e formuladas decisivamente, a fim de estabelecer o que é permitido e quais são as práticas vedadas.
É evidente que o procedimento feito com finalidades seletivas eugênicas ocasiona uma série de conflitos sociais, trazendo mais desigualdades numa sociedade já atingida por este mal. As pessoas tornam-se objetos, podendo ser feitas sob medida. Perdem, assim, conceitos de família, características naturais, sendo portador de uma identidade genética desconhecida ou omissa.
Dessa forma, a seleção genética impõe a necessidade de se reavaliar o reconhecimento do estado de filiação, sendo que esse é visto pela LEI Nº 8.069, de 13 de julho de 1990 como direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, correlacionado à identidade genética, a qual é um direito humano. “A identidade genética é um novo direito humano ou fundamental que atinge a constituição do ser humano enquanto espécie e pessoa têm como fundamento a dignidade do ser humano e é um bem jurídico fundamental” (LOUREIRO, 2009, p. 181).
Para ilustrar essa discussão, pode-se citar o filme Gattaca (NICCOL, 1997) que trata da preocupação com a tecnologia reprodutiva e as consequências que esta pode trazer para a humanidade. A partir de uma visão futurística, o filme apresenta o imenso conflito social provocado, quando somente os embriões perfeitos eram selecionados e validados para nascer. Os considerados inválidos seriam discriminados.
Sabe-se que os métodos de inseminação não são acessíveis para toda a população. Logo, a escolha e seleção dos embriões também não estão disponíveis a todos, sendo viáveis apenas para aqueles que têm um poder aquisitivo maior. Esse fator agrava o distanciamento entre pessoas e a segregação por classes sociais, econômicas e raciais.
Isso gera a ideia de que os descendentes das classes sociais mais privilegiadas financeiramente venham a ser uma raça humana mais evoluída que o restante da população. No entanto, essa seleção só aumenta a desigualdade social, de modo que se faz imperiosa a regulamentação e fiscalização dos procedimentos de reprodução assistida.

3 O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E A REGULAMENTAÇÃO DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA

3.1 A Resolução nº 2.013/13 do CFM

Segundo o Portal Médico 2010 – 2015 , o site do Conselho Federal de Medicina, as normas e princípios que deram início à regulamentação dos procedimentos biotecnológicos surgiram, a partir do contexto histórico da segunda guerra mundial, que expôs o perigo da eugenia e os conflitos que esta desencadeia.
Em Nuremberg, na Alemanha, após a 2º Guerra Mundial, médicos foram julgados por crimes voltados a investigações científicas envolvendo seres humanos. No código de Nuremberg há diversas regulamentações tratando dos experimentos e como devem ser conduzidos para evitar sofrimento ao paciente. Entre as advertências o código se pode mencionar os riscos e seus respectivos graus sem exceder a importância do problema, a suspensão dos experimentos e a manutenção da integridade física, dentre outras que visam à preservação dos direitos humanos em experimento médico-científicos.
Considerando-se a superação da infertilidade com a nova ciência e tecnologia em reprodução assistida, o código, nas suas resoluções, destaca precisamente princípios bioéticos como a inviolabilidade do corpo humano e a não comercialização deste, incluindo as células reprodutivas e embriões. Trata também da doação de gametas; normatizando a forma como deve ser procedida e salienta que este procedimento deve ser anônimo por regra.
Com base na regulamentação do CFM, as técnicas de reprodução assistida têm como objetivo ajudar a solucionar problemas de infertilidade. Estas técnicas devem ser usadas, apenas quando existe chance de sucesso na gestação e resguarda à exposição do paciente ao risco.
Dentre os princípios do CFM, cita-se a impossibilidade do uso de técnicas com fins seletivos referentes ao sexo e características embrionárias, permitindo o uso de triagem embrionária com a finalidade exclusiva de prever doenças genéticas e síndromes ligadas ao sexo. Há também uma vedação quanto ao uso de oócitos, para fins que não sejam reprodutivos. Regulamenta, inclusive, o número de embriões a serem implantados em mulheres, de acordo com a faixa etária destas.

No ponto de vista ético há uma preocupação crescente na delimitação dos atos permitidos na reprodução assistida visto às novas descobertas de engenharia genética expande-se o rol de procedimentos experimentais e técnicas que trazem inúmeras situações que antigamente eram apenas utopias, incluindo a clonagem humana (LENZA, 2009, p. 68).

Em 2013, novas regras foram implantadas na Resolução do CFM, que destacam a segurança da saúde da mulher e a defesa dos direitos reprodutivos para todos os indivíduos. Entre esses direitos está o respeito à diversidade no trato de casais homoafetivos, garantindo sua inclusão no acesso à reprodução assistida.
Ainda no rol das novas regras, pode-se mencionar a doação compartilhada, que regulamenta a doação de óvulos de uma mulher mais jovem em tratamento para engravidar outra mais madura que não produz mais óvulos; o descarte embrionário; a observação de padrões experimentais em diferentes faixas etárias e seus respectivos gametas e a eficácia gestacional, a fim de evitar gestações múltiplas e descarte embrionário.

A nova redação também deixa mais claro quanto ao número de oócitos [mesmo que óvulos] e embriões [fecundação entre óvulo e espermatozoide] a serem transferidos no caso de doação: estes devem ser respeitada a idade da doadora e não da receptora. José HiranGallo explica que a decisão se dá porque a qualidade dos óvulos doados são maiores: “a paciente acima de 40 anos tem probabilidade de engravidar em torno 10%, já as pacientes menores de 35 tem chances acima de 40%.Essa limitação reduz as chances de gestação múltipla, que seria mais um fator de risco para mulheres mais velhas. É preciso ficar atento à maturidade desses óvulos e não de seu receptor .

Em setembro de 2015, o Conselho Federal de Medicina (CFM) trouxe atualizações nas regras de reprodução assistida. Uma alteração significativa trata do diagnóstico genético ou triagem embrionária, dando possibilidade para investigação de doenças genéticas familiares. No texto anterior da resolução, este procedimento era pouco usual, sendo vedado com fins de evitar seleção de sexo e características.

O novo texto traz também alterações no capítulo que trata do diagnóstico genético pré-implantação de embriões. A nova regra vale para casos em que sabidamente existe uma doença genética na família, como hemofilia ou distrofia muscular progressiva. A estratégia consiste em utilizar a evolução da medicina para evitar que uma criança nasça com graves problemas de saúde, além de permitir a seleção de embrião compatível para doar células-tronco a um irmão doente, por exemplo (FRANCO, 2015).

Assim, a resolução busca, de uma forma coerente, proteger as ações de cunho reprodutivo, para que sejam orientadas e prestem a devida atenção a quem opta pelo método assistido. Sabe-se que são normas, não leis, mas ainda assim validam e valorizam as orientações prestadas em âmbito geral.

3.2 A Força Normativa das Resoluções

O Ordenamento Jurídico Brasileiro é um conjunto de normas que se estrutura hierarquicamente. Há uma série de dispositivos a partir dos quais seus elementos são estruturados e regrados. Acima de todas as leis e demais dispositivos está a Constituição Federal, que é considerada a lei maior do país.

A unidade do ordenamento jurídico, construído de modo escalonado, parece estar em questão, uma vez que uma norma de grau inferior não corresponde a uma norma de grau superior determinante, seja em sua produção seja em seu conteúdo, ou seja, quando é contrária à determinação que constitui a supra e a infra-relação do ordenamento. É o problema da norma contrária à norma, que se apresenta aqui: a lei inconstitucional, o regulamento, a sentença ou o ato administrativo contrários à lei ou ao decreto (KELSEN, 2001, p. 109 e 112).
As resoluções são atos legislativos de conteúdo concreto e efeito interno, que não possuem força de lei. As regras que tratam de seus procedimentos são previstas nos regimentos internos. São emitidas por autoridades superiores com intuito de regular matéria de competência específica, sem entrar em choque com demais dispositivos legislativos, podendo também produzir efeito externo em casos atípicos.
As resoluções de efeitos internos ou típicas são atos administrativos que irão regrar os regimentos internos locais, criar comissões parlamentares e demais disposições de ordem exclusivamente local. Nos casos atípicos de resoluções com efeitos externos, exemplifica-se a suspensão da aplicabilidade de uma lei considerada inconstitucional.

Uma resolução não pode estar na mesma hierarquia de uma lei, pela simples razão de que a lei emana do poder legislativo, essência da democracia representativa, enquanto os atos regulamentares ficam restritos à matérias com menor amplitude normativa (SARLET, 2005, p. 34).

Um órgão administrativo não pode expedir atos que possuam força e eficácia de lei, pois o interesse maior no conteúdo das resoluções é regulamentar fatos concretos, dentro de um determinado órgão. Logo, seria de aplicabilidade individual, ao contrário das leis que prezam os direitos e garantias fundamentais, que são coletivas.
Sendo assim, as resoluções não possuem eficácia nem força normativa de lei. Além disso, seu poder é restrito ao âmbito administrativo interno, de modo que não podem criar direitos nem impor obrigações.

 

4 A EUGENIA E A NEGAÇÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL

A partir da análise de alguns aspectos históricos da humanidade (AGUILAR FILHO, 2012), comprova-se que diversos povos eliminavam as pessoas doentes e as nascidas com deficiência ou má-formação. Assim, Francis Galton, em 1883, criou o termo eugenia e o conceituou como o estudo dos agentes sob o controle social, que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações, seja física ou mentalmente.
Galton defendia a ideia de que deveria ser aplicado o melhoramento genético na população humana.

[…] as forças cegas da seleção natural, como agente propulsor do progresso, devem ser substituídas por uma seleção consciente e os homens devem usar todos os conhecimentos adquiridos pelo estudo e o processo da evolução nos tempos passados, a fim de promover o progresso físico e moral no futuro (GALTON, 1865, p. 157).

Portanto, a eugenia tem por objetivo trabalhar as influências que melhorariam, hipoteticamente, as qualidades raciais em prol de uma evolução humana. A possível melhora estaria nos cérebros de uma elite, na qual seriam realizados aprimoramentos, ao menos era isso que defendiam os autores da eugenia.
Os princípios da eugenia, no início do século XX, tornaram-se muito geneticistas, ou seja, a origem genética pautou o evolucionismo humano, enquanto as alterações genéticas herdadas ficaram desfavorecidas, o que provocou justificativas para eugenia e disgenia (AGUILAR FILHO, 2012).
Percebe-se, então, que as relações sociais e econômicas na era escravocrata, no Brasil do século XIX, foram pautadas na lógica eugenista, que pretendia tornar legítima a escravidão ou dar ênfase à liberdade sem a igualdade. Por essa razão, os imigrantes europeus do século XIX, que até então eram trabalhadores que salvariam a raça brasileira, em função dos racistas, ficaram à mercê de preconceito e xenofobia, que foi se disseminando de forma crescente contra negros e pardos (AGUILAR FILHO, 2012).
Após o holocausto, a lógica que dividia a raça humana teve seu declínio, ao menos do ponto de vista teórico. No Brasil, entre 1939 e 1945, após a Segunda Guerra Mundial, a eugenia tornou-se tabu e houve a solidificação da nação “sem preconceitos”. O que, até então, causava constrangimento, ficou no esquecimento e a igualdade entre todos ganhou destaque (AGUILAR FILHO, 2012).
Atualmente, as limitações no patenteamento de invenções e descobertas na área da biotecnologia decorrem de diversos argumentos de ordem pública como a moralidade e a defesa dos direitos fundamentais. Ao referenciar a cultura do direito, não se pode deixar de ressaltar o direito à diferença como uma forma de rastreio pelo reconhecimento. Desse modo, a busca pela diferença se insere ao lado da identidade de uma luta pela igualdade.

Se é o respeito pela dignidade da pessoa se fundamenta uma doutrina jurídica de direitos humanos, esta pode, da mesma maneira, ser considerada uma doutrina das obrigações humanas, pois cada um deles tem a obrigação de respeitar o indivíduo humano em sua própria pessoa como na das outras (PERELMAN, 2005, p. 401).

Sabendo-se que o princípio da igualdade, escudado pelos direitos fundamentais, ratifica o respeito às diferenças e define que o tratamento entre os indivíduos deve ser igual, no momento em que a desigualdade puder implicar em prejuízo de alguns, surge a ideia de que o ser humano tem o direito de ser diferente.
Conforme asseverou Charles Evans Hughes, quando perde-se o direito de ser diferentes, perde-se o privilégio de ser livre. Nesse sentido, o princípio da igualdade defendido pelos direitos humanos fundamentais assegura o respeito às diferenças e determina que todos devem ser tratados iguais, quando a desigualdade puder implicar em prejuízo de alguns (CHATT, 2010).
Cabe, então, à sociedade, internalizar a concepção de que a diversidade não é um problema, mas uma solução, tornando-se capaz de conviver com as diferenças. É preciso que se crie uma consciência de que se todos estiverem unidos em torno da mesma ideia, a sociedade caminhará para uma estrutura mais justa, pacífica e igualitária.
Com o passar do tempo e com as evoluções de ordem tecnológica e social, muitas das modificações legislativas são consideradas obsoletas. No que se refere à reprodução assistida, o Código Civil de 2002 não a regulamenta nem autoriza, apenas a cita no intuito de dar solução ao aspecto da paternidade. No entanto, com a relevância e amplitude do tema, surge a exigência de uma lei específica.
Relativo à reprodução humana assistida, surgem, no Brasil, normas éticas presentes na Resolução n. 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina (CFM), e no Novo Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução CFM n. 1.931/2009, em vigor desde 13 de abril de 2010. A resolução, no que se refere à sexagem, proíbe, diante das técnicas de reprodução assistida, selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do embrião, a não ser que evitem doenças ligadas ao sexo do bebê que vai nascer.
Ainda, a Resolução CFM 1.957/2010, n. 4, dos Princípios Gerais, diz que:

[…] as técnicas de RA [reprodução artificial] não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

Por sua vez, o Novo Código de Ética Médica, no artigo 15, § 2º, inciso III , não concede ao médico, no que diz respeito à seleção do sexo, a realização da reprodução assistida para criar embriões com finalidades de eugenia, originar híbridos ou quimeras ou escolher o sexo.
Salienta-se, também, o fator referente ao anonimato do doador, que refuta princípios constitucionais e direitos fundamentais e fazem parte das resoluções que tratam de reprodução assistida. A Resolução CFM 1.358/92 prevê, ainda que não haja no Brasil uma lei específica sobre o assunto, a privacidade sobre a identidade do doador, que só poderá ser aberto em situações especiais, somente para médicos. Essas informações devem compreender também dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico.
A resolução salienta ainda o princípio de que os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e prevê que, na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que duas gestações, de sexos diferentes, em uma área de um milhão de habitantes.

A doação de gametas não gera ao seu autor nenhuma consequência parental relativamente à criança daí advinda. A doação é abandono a outrem, sem arrependimento sem possibilidade de retorno. É medida de generosidade, medida filantrópica. Essa consideração é o fundamento da exclusão de qualquer vínculo de filiação entre doador e a criança oriunda da procriação. É, igualmente, a justificação do princípio do anonimato (LEITE, 1995, p. 145).

Assim, o autor supracitado defende o anonimato do doador e ressalta que, se a identidade do doador é revelada, este pode pedir uma reparação civil aos responsáveis pelos danos a ele acarretados. Defende ainda a ideia de que o anonimato é a garantia da autonomia e do desenvolvimento normal da família assim fundada e também a proteção leal do desinteresse daquele que contribui na sua formação.
Atualmente, a modernização das práticas de reprodução assistida, decorrente do progresso biotecnológico, tem afetado a família, a filiação, a paternidade, a maternidade e o direito sucessório, sendo todos estes conflitos jurídicos decorrentes da falta de uma legislação específica. Na Constituição, os constituintes não inseriram nenhuma previsão de lei específica que trate dos conflitos gerados, no que se refere à filiação nas técnicas de reprodução assistida.
Em que pese o direito fundamental à identidade genética não estar expressamente consagrado na atual Constituição Federal de 1988, seu reconhecimento e proteção podem ser deduzidos, ao menos de modo implícito, do sistema constitucional, notadamente a partir do direito à vida e, de modo especial, com base no princípio fundamental da dignidade humana, no âmbito de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais. De tal sorte, o fio condutor aponta o norte da continuidade dessa investigação: a cláusula geral implícita de tutela das todas as manifestações essenciais da personalidade humana (PETTERLE, 2007, p. 89).

A Constituição Federal limitou-se, portanto, à proteção dos nascituros, desde sua concepção até o direito à vida, que consiste em garantir a todos os direitos a uma vida digna, com todas as necessidades vitais básicas para a sobrevivência. Sendo assim, faz-se necessária uma lei específica para regulamentar a reprodução assistida, impedindo as práticas eugênicas com eficácia plena, bem como que tais procedimentos fiquem a cargo única e exclusivamente de resoluções sobre a matéria.

 

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo analisar as resoluções da legislação que trata da reprodução assistida, com ênfase para as suas lacunas, que deixam margem para o risco de eugenia. A partir da consideração do progresso da ciência e dos avanços no ramo da biotecnologia, observou-se que a nova configuração dessa área exige uma adaptação legislativa. Tais alterações na legislação se fazem necessárias no sentido de evitar abusos.
Além disso, as resoluções que deliberam acerca dos procedimentos relacionados à reprodução assistida, carecem de um detalhamento mais minucioso, no que se refere à prescrição dessas práticas que, como se sabe, podem pôr em risco o patrimônio genético e a dignidade humana.
Diante dos avanços em relação às técnicas e aos procedimentos de reprodução assistida e das lacunas jurídicas da legislação brasileira que trata do assunto, fica evidente que a falta de regulamentação pode resultar na prática de diversos procedimentos questionáveis, em especial, a eugenia.
Portanto, as lacunas legislativas, ou seja, a falta dos parâmetros jurídicos específicos tende a desvirtuar os procedimentos de reprodução assistida, fazendo com que as técnicas utilizadas na inseminação in vitro visem características fenotípicas, ao invés da prevenção de síndromes, más formações e doenças genéticas ligadas ao sexo, tornando-se, assim, eugênicas.

 


Referências Bibliográficas

AGUILAR FILHO, S. Educação e Eugenia no Brasil da década de 1930. In: VIII Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, 2010, São Luis. Infância, Juventude e relações de Gênero na História da Educação, 2010.

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LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

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PETTERLE, Selma Rodrigues. O direito fundamental à identidade genética na Constituição Brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

 

*Bárbara Marques Silveira, colaborou com nosso site por meio de publicação de artigo. Ela é pós graduada em Ciências Criminais pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA.

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