sexta-feira,19 abril 2024
ColunaFamília e SucessõesRepensando a Ação de Exigir Contas diante dos Alimentos Prestados

Repensando a Ação de Exigir Contas diante dos Alimentos Prestados

O presente artigo versa sobre a análise da possibilidade de ajuizamento da ação de exigir contas por um genitor em desfavor do outro com a possibilidade de devolução dos valores pagos.

1. Dos Alimentos

Os alimentos são fixados quando nos deparamos com a situação de um dos envolvidos precisar – ter necessidade e o outro ter a possibilidade. Essa obrigação decorre do vínculo de parentesco ou do vínculo de conjugalidade.

Para Flávio Tartuce temos que

O pagamento desses alimentos visam a pacificação social, sendo amparado nos princípios da dignidade da pessoa humana e na solidariedade familiar, ambos de índole constitucional, conforme comentado no início deste texto. Sendo assim, ainda no plano conceitual e em sentido amplo, os alimentos devem compreender as necessidades vitais da pessoa, cujo objetivo é a manutenção da sua dignidade: a alimentação, a saúde, a moradia, o vestuário, o lazer, a educação, entre outros. [1]

Assim, os alimentos deve ser considerado como sendo tudo aquilo necessário para o desenvolvimento da pessoa humana, atendendo assim as suas dimensões. Ou seja, a alimentação em si, a moradia, a saúde, a educação, o lazer, etc.

2. Características específicas dos alimentos

Quando analisamos as características dos alimentos, para o presente artigo destacam-se dois específicos, a saber: o caráter personalíssimo e a irrepetibilidade.

Com relação ao caráter personalíssimo significa dizer que os alimentos são direcionados para uma pessoa específica, portanto, é essa pessoa que tem direito aos alimentos.

Para Flávio Tartuce temos que

No que tange ao credor ou alimentando, o direito aos alimentos é personalíssimo, uma vez que somente aquele que mantém a relação de parentesco, casamento ou união estável com o devedor ou alimentante pode pleiteá-los, dentro do binômio ou trinômio alimentar. Trata-se de um direito inato, originário, inerente à pessoa humana e às suas características singulares.[2]

Maria Berenice Dias seguindo o mesmo posicionamento afirma que

O direito a alimentos não pode ser transferido a outrem, na medida em que visa preservar a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio para sobreviver. [3]

E para fechar, trazemos o ensinamento de Dimas Messias de Carvalho que também segue a mesma linha

O direito a alimentos é personalíssimo, vinculado a um direito da personalidade, tendente a assegurar a subsistência e a integridade física do ser humano. O direito personalíssimo é a característica fundamental dos alimentos, da qual decorrem as demais. Visando preservar a vida do indivíduo, considera-se direito pessoal, no sentido de que a sua titularidade não passa a outrem pro negócio jurídico ou fato jurídico, tratando-se de direito à vida, tem o objetivo de assegurar a subsistência do ser humano, resultando as características da indisponibilidade e a intransferência.[4]

Além dessa característica, outra se desponta para o presente artigo que é a questão da irrepetibilidade. A irrepetibilidade passa a ser consequência da questão do direito personalíssimo, ou seja, uma vez que se busca preservar a vida daquele indivíduo, não há que se falar em devolução desses valores. Assim temos:

E dessa forma Dimas Messias de Carvalho afirma peremptoriamente: “os alimentos, uma vez prestados, não há lugar, em caso algum, à restituição, ainda que provisórios ou provisionais durante a demanda ao final julgada improcedente”[5].

Maria Berenice Dias afirma que

Como se trata de verba que serve para garantir a vida e a aquisição de bens de consumo, inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade por tão evidente é difícil de sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio. Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador não se preocupou sequer em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é aceito por todos, mesmo não constando do ordenamento jurídico.[6]

Significa dizer: ” a quantia paga a título de alimentos não pode ser restituída pelo alimentando por ter servido à sua sobrevivência.”

Diante dessas duas características temos o seguinte: aquele que tem o direito de receber os alimentos – o credor – pessoa individualizada e tem esse direito personalíssimo, para ele temos a característica da irrepetibilidade. Ou seja, não há que se falar em devolução dos valores pagos.

Assim, aquele que recebe os alimentos – portanto, o credor – não tem que devolver os alimentos recebidos. Isso está claro e cristalino, porém, e quando nos deparamos com um dos genitores que deveria fazer esses valores chegarem ao credor, não faz isso.

Cumpre ressaltar todavia, que diante do descabimento da suspensão automática do pensionamento, caso fique demonstrado que o credor para fins nefastos esteja abusando de seus direitos, gerando assim um enriquecimento sem causa já se sustenta que é injusto não restituir alimentos claramente indevido, e que conforme afirma Rolf Madaleno trata-se de notória infração ao princípio do não-enriquecimento sem causa[7]. E em recente julgado do E. STJ isso ficou claro quando ficou demonstrado que a mãe recebeu valores e que deveria devolvê-los, eis que o filho já tinha falecido.[8]

3. Da Administração dos Bens dos Filhos Menores

Quando analisamos a nossa legislação verificamos a previsão de que os pais (pai e mãe) enquanto estiverem no exercício do poder familiar têm a administração dos bens dos filhos menores sob a sua autoridade, conforme previsto expressamente no art. 1.689, II do CC.

Complementando com o § 5º do art. 1.583 temos que o genitor tem o dever de supervisionar os interesses dos filhos e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.

Sendo o filho menor este não tem capacidade civil para administrar seus bens, portanto, via de regra, isso será feito para um dos genitores. Ou seja, um genitor paga os alimentos para o filho menor, sendo que o valor é administrado pelo outro genitor.

Assim, o genitor Y recebe os valores referentes à pensão alimentícia do filho menor, pois , como vimos, o direito é personalíssimo, ou seja, da criança.

O valor que o credor – filho menor recebe – ele é irrepetível. Mas e o valor que o genitor Y recebeu e não gastou com o filho menor ? Esse valor não pode ser considerado irrepetível, pois isso implica em enriquecimento sem causa em detrimento do filho menor.

Ou seja, não se pode cobrir com o manto da irrepetibilidade a conduta do genitor que não utilizou esses valores com o filho menor. Assim, ele perde até a característica de ser alimentos, pois não está sendo utilizado para a subsistência do menor, o real credor.

Ao manejar a ação de exigir contas o que o genitor X almeja é que o genitor Y devolva para o menor a quantia que não foi por ele utilizada efetivamente com a criança.

Assim, a primeira fase da ação de exigir contas, vai ser apurado para ver se o outro genitor tem que prestar contas, e verificando a sua obrigatoriedade – que tem, pois está administrando o patrimônio e valores alheio – passe a segunda fase, no qual o genitor então precisa demonstrar onde os valores foram gastos, e esses valores não sendo gastos com o menor, o genitor X administrador desses valores, deverá providenciar a entrega desses valores ao menor, pois é dele de direito.

Nesse caso o procedimento especial de exigir contas, deverá apurar quais os valores que o genitor X administrador dos valores do menor – deverá entregar a ele, passando então a atender a particularidade do direito material que permite que um genitor fiscalize a administração do outro, mas que deva ser feita a entrega ao seu legítimo dono.

Assim, não estamos ofendendo o princípio da irrepetibilidade, ao contrário estamos preservando, e também estamos estendendo o princípio da boa-fé a essa situação, vedando assim o enriquecimento ilícito.

Conclusão

A possibilidade de manejar a ação de exigir contas, sendo prevista a legitimidade para o genitor em desfavor do outro genitor. Precisa verifica-se que o que se almeja aqui é a devida entrega dos valores ao credor de alimentos, e não a simples devolução ao genitor que efetuou o pagamento dos alimentos.

 


[1] TARTUCE, Flávio. Alimentos in Tratado de Direito das Famílias IBDFAM, 2015, p.506-507.

[2] TARTUCE, Flávio. Alimentos in Tratado de Direito das Famílias IBDFAM, 2015, p.514.

[3] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 586.

[4] CARVALHO, Dimas Messias. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2017, p. 798.

[5]  CARVALHO, Dimas Messias. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2017, p. 808.

[6] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 591.

[7] MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos, p. 57.

[8] http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/M%C3%A3e-que-continuou-recebendo-alimentos-ap%C3%B3s-morte-do-filho-ter%C3%A1-de-restituir-valores

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