sexta-feira,19 abril 2024
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Reflexões iniciais sobre o risco do dano laboral nanotecnológico

Coordenação: Ricardo Calcini.

O avanço da tecnologia nunca foi controlado pelo homem que muito se beneficiou e ainda se beneficia de tantas benesses, mas, nem por isso, a humanidade deixa de se assustar e temer aquilo que não pode controlar.

Quando do descobrimento da eletricidade pelo filósofo grego Tales de Mileto que, ao esfregar um âmbar a um pedaço de pele de carneiro, observou os pedaços de palhas e fragmentos de madeira serem atraídos pelo próprio âmbar (da pedra âmbar deriva a palavra eletricidade, pois em grego se escreve élektron), provavelmente deve ter causado muita admiração, mas também medo. Muitos se entusiasmaram com as possibilidades que vislumbraram, e outros talvez tenham acreditado que se tratava de um truque de mágica.

De toda a forma, conseguem imaginar o mundo de hoje sem a energia elétrica? Sua casa no escuro, sem geladeira ou um banho quente? Graças à energia elétrica o mundo saiu da era dos lampiões e velas e as noites deixaram de ser iluminadas somente pela lua. Antes das lâmpadas, não raros eram os incêndios de enormes proporções causados pelas velas, como o que queimou metade de Copenhague no século 18.

Em contrapartida, com a lâmpada a jornada do trabalhador se estendeu de maneira abusiva e sem a menor preocupação com a sua saúde, já que não havia mais o limite da estação e contavam com a iluminação artificial para clarear o que antes era escuridão.

E é sopesando o contexto das vantagens e das preocupações oriundas do avanço tecnológico que o presente artigo propõe uma reflexão primeva sobre a atual protagonista: a nanotecnologia, que está sendo considerada por alguns estudiosos como o vórtice da 4ª Revolução Industrial, marcando a convergência das tecnologias digitais, físicas e biológicas.

Reflexões iniciais sobre o risco do dano laboral nanotecnológico

Um nanômetro equivale a um milionésimo de milímetro, ou, se preferir, o mesmo que um milímetro dividido por um milhão. Uma folha de papel tem, normalmente, 100 nanômetros de espessura; um fio de cabelo humano tem entre 80.000 e 100.000 nm; e um único átomo de ouro tem aproximadamente 0,3 nanômetros.

Desde 1959 (físico norte-americano, Richard Feynman), o assunto de manipulação e controle de coisas em pequena escala vem sendo observado. Mas o termo “nanotecnologia” foi citado pela primeira vez em 1974, pelo professor Norio Taniguchi, da Universidade de Ciências de Tóquio, quando se referiu às manipulações em escala inferior ao microscópio. Desde o ano 2000, a nanotecnologia é empregada nas indústria brasileiras.

A primeira negociação que tratou de nanotecnologia no Brasil foi promovida pelo sindicato dos químicos após a resolução acerca do tema extraída da Confederação Nacional do Ramo Químico da CUT (CNQ/CUT), em seu V Congresso, que ocorreu em junho de 2007.

Mas afinal, a nanotecnologia pode realmente nos ajudar? E qual é o seu preço?

Principais características e riscos da nanotecnologia

Podemos citar como a principal característica da nanotecnologia a sua capacidade de absorção pelas células e tecidos humanos. Tal competência pode ser benéfica no caso da fabricação de medicamentos, mas poderia ser extremamente prejudicial quando se tratar de partículas tóxicas.

Não se tem conhecimento sólido sobre suas propriedades físico-químicas, seu potencial de degradação e de acumulação no meio ambiente, sua toxicidade ambiental ou sua toxicidade em relação ao trabalhador em contato com as nanotecnologias.

Entre as maiores áreas de aplicação nanotecnológica e de abrangência internacional estão as de automóveis, de cosméticos, de eletrodomésticos, de alimentos, de produtos farmacêuticos, de eletrônica, a bélica e de informática, citando como exemplos: os protetores solares, celulares, para-brisas com nano-substâncias hidrofóbicas que repelem a água, medicamentos inteligentes com mínimo de efeitos colaterais, roupas que não sujam e que não molham e ar condicionados com nanopartículas de prata com efeito bactericida.

O cerne do medo humano está naquilo que lhe é desconhecido. E quando se fala em nanotecnologia, com efeito não se sabe quais são ou serão o alcance do dano laboral nanotecnológico, podendo se afirmar, tão somente, que existem.

Dano laboral nanotecnológico, releitura de fato jurídico e o diálogo entre as fontes

Fato é que os trabalhadores são os primeiros a terem contato com as nanopartículas, nanotubos ou nanomateriais. Em toda a cadeia produtiva a mão de obra humana está presente, seja na extração, produção, transporte de manufatura, consumo ou descarte.

Neste sentido, entende-se por fato laboral nanotecnológico todo o trabalho que decorre da produção, de contato com, exposição às ou manipulação de nanotecnologias.

Trazendo a teoria pontesiana positivista sobre fato jurídico, tem-se um obstáculo que precisa de atenção quando se fala em fato jurídico nanotecnológico, pois ainda não há o fato, o acontecimento, cuja norma se deriva, ainda mais quando se trata de uma tecnologia de difícil visualização.

O que propõe Maurício de Carvalho Góes e Wilson Engelmann, no livro Direito Das Nanotecnologias e o Meio Ambiente Do Trabalho, é uma nova definição para fato jurídico:

Todo o fato que, por sua natureza ou desdobramentos, suscita a atuação do Direito para preservar o caráter humano envolvido, com vistas a valorizar a dignidade dos sujeitos envolvidos nas relações jurídicas estabelecidas, mas, sempre, com o objetivo primordial de estar sempre “a serviço” do “acontecer” dos direitos humanos.

A face transdisciplinar da nanotecnologia impõe um diálogo constante entre as mais variadas fontes do Direito para a adequada resolução do caso concreto, movimentando-se horizontalmente, com passagem obrigatória pelo centro, onde está a Constituição Federal e o tão importante princípio da dignidade da pessoa humana.

Regulação não tradicional e algumas análises principiológicas

Sem regulação aqui no Brasil, com projetos de lei já arquivados (PL 5076/2005 e PL 00131/2013) e outros em tramitação (PL 5133/2013, PL 6741/2013 e PL 880/2019), é a Lei da comunidade europeia (Validation workshop, Brussels, 30 June 2014) que baliza as normas de segurança no mundo, inclusive sobre nanotecnologia. Outras estruturas normativas também servem de apoio e espelho, tais como a de OSHA, NIOSH, Institute for Helath and Consumer Protection – Europen Comission e ISO 2600.

É por intermédio do Estado que a sociedade exerce seu direito à proteção, e, no caso em voga, o Estado tem o poder-dever de minimizar os riscos do desenvolvimento tecnológico e potencializar ao máximo os benefícios decorrentes.

No entanto, ainda não há nenhuma regulamentação nacional de nanoprodutos, nem existem quaisquer definições acordadas ou terminologia para a nanotecnologia. Não há protocolos acordados para os testes de toxicidade de nanopartículas, e não há protocolos padronizados para avaliar os impactos ambientais de nanopartículas, denotando, desta maneira, a necessidade de avaliações seguras, mitigando potenciais impactos à saúde e ambiente.

Diante do quadro fático discorrido e sendo que os sistemas atuais que devem dar proteção e garantir ambiente saudável ao trabalhador são, por certo, insuficientes para cobrir os riscos desconhecidos e futuros, o princípio da precaução é que irá apresentar a grande solução.

E, mais, por ser fato laboral, o direito do trabalho é provocado e o princípio da proteção ao trabalhador emerge como um dos grandes pilares principiológicos, sem a mínima pretensão de se esgotar a temática.

Conforme tão bem esclarece o Procurador do Trabalho, Dr. Patrick Maia Merísio, responsável pelo grupo de estudos sobre nanotecnologia do Ministério Público do Trabalho, “um modelo plurirregulatório no qual a regulação fosse em parte estatal, em parte coletivo e em parte pela própria empresa seria o modelo ideal para as novas tecnologias”, totalmente fora dos padrões atuais, mas contundente, decerto.

A reflexão proposta inicialmente vai além da atualização da definição do que é fato jurídico e de como se deve empregar o diálogo das fontes, atingindo no alvo outra grande preocupação de toda a sociedade com o avanço tecnológico, que é a preservação dos postos de trabalhos. Mas isto será tratado no próximo artigo.

 


BIBLIOGRAFIA

1. https://www.conjur.com.br/2019-nov-25/direito-civil-atual-riscos-novas-tecnologias-retornam-pauta
2. https://masalce.jusbrasil.com.br/artigos/274990933/nanotecnologia-e-seus-reflexos-no-direito-do-trabalho

3. GÓIS, Maurício de Carvalho; ENGLEMANN, Wilson. Direito das nanotecnologias e no meio ambiente do trabalho/ Maurício de Carvalho Góes, Wilson Englemann. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.

Administradora de empresas, palestrante e advogada trabalhista, com pós-graduação em Direito Empresarial e curso de extensão em contratos. Pós-graduanda em Direito Material e Processual do Trabalho, e Direito Previdenciário. É uma profissional com vasta experiência no consultivo e contencioso trabalhista. Diretora da Comissão de Direito Empresarial do Trabalho na 116ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nos triênios 2016/2018 e 2019/2021.

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