quinta-feira,28 março 2024
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A razoável duração do processo na esfera penal: um princípio corrige as falhas do Judiciário brasileiro?

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A Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional nº 45 de 08 de dezembro de 2004) acrescentou ao art. 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII, garantindo a todos, sem distinções, seja no âmbito judicial ou administrativo, a razoável duração do processo, bem como dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Trata-se do princípio constitucional da razoável duração do processo, que visa garantir a todos uma justiça célere e eficiente na prestação do socorro jurisdicional pleiteado.

Apesar do status de garantia constitucional, importa salientar que não se trata de princípio novo, tendo em vista que tal norma já se encontrava descrita no art. 8º da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, aprovada pelo Congresso Nacional em 26 de maio de 1992, através do Decreto Legislativo n.º 27, in verbis:

“Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

Paulo Rangel (2010) aduz que a regra do inciso LXXVIII deve ser combinada a outra, proveniente da mesma Reforma, prevista no art. 93, II, “e” da CF, que teoricamente pune o magistrado com a não promoção, pela demora injustificada do andamento do processo. Isso significa que não poderá ser promovido o juiz que “retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”.

Indiscutivelmente, ambas as regras encontram reciprocidade com o princípio da inafastabilidade da justiça, descrito no inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna, o qual prediz que a lesão ou ameaça a direito não serão excluídas da apreciação do Judiciário, reforçando, ao menos em tese, a concepção de um Poder Judiciário diligente, na solução dos conflitos de interesses surgidos entre seus jurisdicionados, sejam esses conflitos cíveis, trabalhistas, penais ou de qualquer outra natureza. Por óbvio, a razoabilidade do prazo de duração do processo representa certeza do exercício da cidadania na medida em que permite a todos o acesso à prestação jurisdicional pretendida.

Mas, diante da tradicional burocracia e da falência dos serviços públicos no Brasil, será que um princípio, ainda que constitucional, é suficiente para sanar todas as mazelas existentes em nosso Poder Judiciário? Acreditamos que não. O problema diga-se, não consiste na criação de normas, mas na inaplicabilidade dessas normas ou no seu não cumprimento. Nesse sentido, o referido princípio encontra críticas na doutrina, sobretudo pela ausência de instrumentalidade efetiva, porquanto nada diz, principalmente sobre qual seja o prazo razoável de um processo.

Desse modo, é importante ressaltar que a razoável duração de um processo no Brasil está intrinsecamente associada à realidade do nosso sistema judicial, caracterizado por pilhas de processos, aumentadas diariamente não só pela ausência de efetivo, como também pelas más condições de trabalho típicas, sobretudo, das menores e mais afastadas comarcas brasileiras.

De acordo com o Ministério da Justiça, os principais problemas enfrentados pelo Poder Judiciário brasileiro são os números excessivos de processos (só em 2012, segundo o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, havia 92 milhões de processos tramitando em território nacional, o que daria, aproximadamente, um processo por dois habitantes), a morosidade do sistema e a falta de acesso à Justiça, sobretudo pelas camadas mais baixas da população. O Atlas de Acesso à Justiça, organizado pelo Ministério da Justiça, demonstrou que em 2014 havia no Brasil 17 mil magistrados, 12,5 mil integrantes do Ministério Público, 774 mil advogados, 700 mil servidores do Judiciário e apenas 6 mil defensores públicos. Tal diagnóstico foi apresentado durante audiência pública para debater a eficiência do primeiro grau de jurisdição, organizada pelo CNJ, revelando uma imensa disparidade de números, mormente quando se trata da Defensoria Pública, órgão destinado à defesa dos direitos daqueles que não dispõem de recursos financeiros para custear os serviços de um advogado.

No âmbito do processo penal, a tão almejada celeridade se traduz em uma situação absurdamente paradoxal: se o réu é pessoa pobre, marginalizada e excluída da sociedade, o processo deve andar rápido para punir o “meliante” que com uma arma em punho subtraiu um celular, uma bicicleta ou um notebook. Entretanto, se o réu é um poderoso empresário, um político corrupto (ou as duas coisas ao mesmo tempo), acusado de superfaturar obras e desviar milhões dos cofres públicos, o quadro muda e o processo se arrasta com os passos lentos típicos dos acordos de interesses, reforçados por uma infindável avalanche de recursos nos Tribunais. Vale lembrar que no sistema judicial brasileiro um processo demora, em média, 10 anos, o que definitivamente não é um tempo razoável. Em suma, no Brasil o processo anda rápido quando a alguém possa interessar, seja para condenar ou para absolver.

Nas palavras de Paulo Rangel (2010) nenhum advogado desejará que o processo do seu cliente, rumoroso, que causou comoção social e revoltou a sociedade, chegue ao fim com a prova de inocência do réu, pois quanto mais tempo levar melhor: prescrição, esquecimento social, desaparecimento das provas, esquecimento das testemunhas, impossibilidade de perícia, etc. A pressa só interessa ao promotor porque não é ele quem vai ser preso e será mais um troféu para ornamentar seu painel das vitórias. Não obstante a admiração nutrida pelo brilhante doutrinador, discordamos em parte de tal afirmação, porém, não podemos deixar de observar que para os leigos em Direito, os infindáveis trâmites da justiça brasileira causam uma péssima impressão, sobretudo pela demora com que as coisas acontecem.

No entanto, nada há a se estranhar: em um país onde a lentidão é notória em todos os aspectos, onde as obras públicas demoram uma eternidade para ficar prontas (quando ficam) e onde existem filas imensas para os mais básicos serviços públicos, acreditar que uma norma, mesmo constitucional, tornará o Judiciário mais célere, é, no mínimo, flertar com a ingenuidade.

É lógico que o legislador pensou em proporcionar meios para que a população possa exercer plenamente seus direitos, sem que isso signifique esperar uma eternidade pela prestação jurisdicional, porquanto prestação jurisdicional tardia não é justiça. No entanto, criar uma norma constitucional sem aplicabilidade pouco acrescenta para melhorar a realidade dos nossos Tribunais. Talvez a automação do judiciário, com a implantação do processo judicial eletrônico, sistema desenvolvido pelo CNJ em parceria com os Tribunais e a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, traga soluções para a lentidão predominante. No entanto, ainda levará algum tempo até que a automação esteja implantada em todo o país.

Como se não fossem suficientes todos os problemas já conhecidos, temos ainda um Poder Judiciário excessivamente caro, talvez o mais caro do mundo, que custa em média 70 bilhões de reais anuais, sem levar em conta o Supremo Tribunal Federal, como seus 577 milhões de reais de orçamento. O mais absurdo é que essas somas astronômicas correspondem, no mais das vezes, a benefícios e regalias pagas aos servidores do Poder Judiciário, destacadamente aos magistrados. Convenhamos, é muito dinheiro para pouca eficiência…


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

________. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 18 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA APONTA TRÊS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO JUDICIÁRIO. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61341-ministerio-da-justica-aponta-tres-principais-problemas-do-judiciario> Acesso em 13 de junho de 2016.

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