quinta-feira,28 março 2024
NotíciasQuestão de Penal do X Exame da OAB gera divergência entre doutrinadores

Questão de Penal do X Exame da OAB gera divergência entre doutrinadores

A questão da peça prático-profissional do X Exame de Ordem da OAB tem gerado debate entre especialistas. Enquanto alguns apontam um erro na formulação da questão e no gabarito da OAB, outros afirmam que a Ordem está correta em seu posicionamento. A divergência é sobre a possibilidade de aplicação da tese de desclassificação do crime de furto qualificado (artigo 155, parágrafo 5º, Código Penal) para furto simples (artigo 155, caput, CP).

Sobre a Questão da prova:

 
x exame
A questão narra a história de uma mulher chamada Jane, que subtraiu um veículo em Cuiabá. O veículo estava com chave de ignição e a prova aponta a intenção da mulher em revendê-lo no Paraguai. Imediatamente após subtração, a vítima chamou a polícia que iniciou busca ininterrupta. A personagem foi presa no dia seguinte pouco antes de atravessar a fronteira com o Paraguai. No momento da prisão, a mulher estava sem o veículo, que foi guardado em local não revelado.

De acordo com a questão formulada, Jane confessou o crime em seu interrogatório e foi condenada a cinco anos de prisão. Meses após iniciar o cumprimento da pena, o filho da vítima — que morreu no dia seguinte a subtração — contou que após ser presa, Jane ligou para ele e contou aonde estava o veículo. Tendo ele recuperado o automóvel desde então. A questão pede que o candidato, como advogado de Jane, crie uma peça cabível, excluindo a possibilidade Habeas Corpus.

Gabarito da OAB

No gabarito oficial, a OAB afirmou que o candidato deveria ter redigido uma revisão criminal. Em uma única petição, deveria argumentar que foi descoberta uma causa especial da diminuição da pena (arrependimento posterior) e que, por ato voluntário, o objeto do roubo foi restituído.

Além disso, de acordo com a OAB, o fato novo comprova que o veículo não chegou a ser transportado para o exterior. Não foi iniciado, assim, qualquer ato de execução referente à qualificadora de transporte do veículo para outro estado ou exterior (prevista no parágrafo 5º do artigo 155 do Código Penal). A OAB indica, então, ser cabível a desclassificação do furto qualificado para o furto simples (artigo 155, caput, do Código Penal).

Ao final, o gabarito da OAB indica que o candidato deveria elaborar, com base no artigo 626 do CPP, os seguintes pedidos: a desclassificação da conduta, de furto qualificado para furto simples; a diminuição da pena da pena privativa de liberdade; a fixação do regime semiaberto (ou a mudança para referido regime) para o cumprimento da pena privativa de liberdade.

Se quiser entender mais sobre toda a polêmica relacionada ao X Exame de Ordem, recomendo que leia o artigo:
OAB erra na formulação da questão prática de Penal no X Exame

 

A Divergência doutrinária:

O criminalista Guilherme Nucci, em texto publicado em seu Facebook, concluiu que a questão e o gabarito da OAB estão corretos. Para ele a mulher foi indevidamente processada por furto qualificado, com base no artigo 155, parágrafo 5º, do Código Penal. “Ocorre que, tal qualificadora é de natureza material, ou seja, somente pode ser aplicada se o carro realmente cruza a fronteira. Se não ultrapassou, não qualificou”, explicou em seu texto.

Ele conta que o grande problema é que a mulher, para chegar à fronteira do Paraguai teve que passar pelo estado de Mato Grosso do Sul. Porém, Nucci argumenta que a intenção da mulher não era levar o veículo para este estado, mas para o Paraguai. “Para quem é finalista, o que realmente importa no delito, abrangendo o tipo básico e o derivado (qualificadoras e causas de aumento), é a intenção, a vontade de agir desta ou daquela forma”, diz.

O elemento subjetivo do tipo (dolo), no furto, demanda, igualmente, o elemento subjetivo específico (para si ou para outrem) e, no caso da qualificadora do § 5o, do art. 155, também a finalidade de levar para determinado lugar“, escreveu.  Nucci argumenta, portanto, que pretender aplicar a qualificadora à ré seria consagrar uma forma indireta de responsabilidade penal objetiva. Ou seja, na hipótese da prova, a mulher passou casualmente pelo Mato Grosso do Sul, mas seria punido por isso.

Em artigo publicado no site Consultor Jurídico, o criminalista Cezar Roberto Bittencourt defendeu que houve erro da OAB. “A resposta pretendida pela OAB é juridicamente impossível, qual seja, a de desqualificar o crime de furto de veículo automotor, por não configuração da qualificadora, na medida em que a ação foi praticada em Cuiabá e a autora foi presa na fronteira do Paraguai tentando entrar naquele país para vendê-lo, tendo percorrido, portanto, todo o estado do Mato Grosso do Sul. Ou seja, transportou-o para outro estado”, diz Bittencourt.

De acordo com Cezar Bittencourt, pela construção da questão prática e da proposta exigida pela OAB, no entanto, constata-se que foi ignorada que a qualificação do crime não ocorre somente com o transporte do objeto do furto para o exterior, mas também quando é transportado para outro estado.
Vários juristas seguiram a mesma linha doutrinaria do Dr. Cezar , inclusive o renomado doutrinador Rogério Greco, e afirmaram que, de fato houve uma má formulação na questão da peça prático-profissional, pois, além de não fornecer a capitulação legal que estava respondendo a ré, a tese exigida pela OAB é descabida, de acordo com nossa melhor doutrina.

 

Situação ficcional

Crítico do modo como são elaboradas as questões do Exame de Ordem e questões de concursos em geral, o colunista da ConJur e procurador de Justiça no Rio Grande do Sul Lenio Streck também entende que houve erro na questão. Ele rebate os argumentos utilizados por Guilherme Nucci quanto a intenção de Jane. “Onde está escrito que ‘não era a intenção de Jane levar o veículo para o estado de Mato Grosso do Sul’?”, questiona.

O procurador lembra que a prova não trata de um caso concreto e que a hipótese possui diversas lacunas como, por exemplo, o local onde Jane escondeu o carro se a perseguição foi initerrupta. Ou então: qual é a lógica da personagem ser presa em um local tão distante, no dia seguinte à subtração, se a perseguição não parou.

É uma ficção. Pois como ficção que é, assim deveria ser analisada. E não como um pretenso caso concreto. Portanto, a invocação da intenção da ladra e as circunstâncias de sua prisão chocam-se e derrubam qualquer aspecto técnico da questão”, diz Streck. Ele afirma que não há salvação para a questão porque não há lógica nela.

Ele lembra que como a questão não explicou as circunstâncias em que seu deu a perseguição ininterrupta, deduz-se, que ela não abandonou o automóvel em Cuiabá. “A menos que se retire o ‘ininterruptamente’ da questão”, diz.
Para o procurador, examinando a sintaxe da questão, inevitavelmente, ela levou o carro para outro estado. “Ou então a questão deveria ter fornecido esses detalhes”, complementa.

 

Conclusão:

A discussão dos pontos abordados nos leva a analisar que se há mais de um pensamento fundamentado acerca da questão, caracterizada está a divergência doutrinária, e, portanto, a necessidade de anulação do espelho de correção no que tange à exigência da tese de desclassificação, pois se nem os maiores especialistas do País conseguiram chegar ao mesmo entendimento, quiçá meros bacharéis em direito! Como poderiam ser capazes de “desvendar” a questão?

Fonte:Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 2013.

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