sexta-feira,29 março 2024
ColunaPapo JurídicoQuando o direito excede: abuso de direito ou abuso do direito?

Quando o direito excede: abuso de direito ou abuso do direito?

Prezados (as);

Continuemos em nossa reflexão em relação ao exercício de um direito e o seu limite:

Adentramos no texto anterior no âmbito do exercício do direito e limite de tal exercício, portanto, a partir de uma reflexão acerca de uma jusfilosofia, aliás, se é que a palavra encaixa-se ao contexto. Inevitavelmente abordar ao tema do limite do exercício de um direito obriga-nos em fazer uma breve menção ao denominado: Abuso de direito.

No tocante a palavra abuso de direito, porém, obriga-me a apresentar uma reflexão intima de minha singela percepção acerca da palavra. Abuso de direito e Abuso do Direito. Notoriamente, percebe-se, o uso indiscriminado da palavra abuso do Direito. Eis que cotidianamente é comum a aplicabilidade da referida palavra de maneira corriqueira enquanto a prática advinda de uma pessoa que viola ao direito alheio ao exceder o limite do exercício de um direito.

A aplicabilidade da palavra enquadra-se na descrição apresentada, porém, deve-se, ater ao simples e complexo fato de que as expressões: Abuso de direito e Abuso do Direito possuem significados linguísticos diferentes.  Ora, portanto, eis que se faz necessário preliminarmente destacarmos para dois aspectos da linguística: Significante e Significado.

A concepção é derivada dos estudos de Ferdinand Saussure que é considerado um dos responsáveis pela linguística enquanto ciência. Poderíamos, porém, adentrar no campo da inversão do símbolo linguístico de Saussure segundo a ótica psicanalítica de Lacan (Jacques-Émile Marie Lacan). Porém, deixemos de lado a ótica do sujeito e da linguística segundo Lacan e retornemos ao ponto anteriormente apresentado.

Cotidianamente, inclusive, no campo acadêmico é rotineiro o uso da palavra, expressão: Abuso do Direito. Ora senhores (as), levando em consideração ao aspecto do sentido literal da palavra destacarei para o fato de que Abuso do Direito é totalmente diferente de Abuso de direito. Considerando os pressupostos em relação ao conceito de significante e significado é importante levar em consideração os conceitos.

Significante: É a palavra por si, ou seja, a palavra direito é um significante.

Significado: No sentido literário é a representação da palavra no mundo das coisas, ou seja, no dito mundo real. O significado, portanto, da palavra caneta em seu sentido literário limita-se em: Objeto feito plástico, madeira ou qualquer outro material que contém tinta em cores diversas e que serve para o desenvolvimento da escrita. Sim, portanto, eis o significado.

Considerando ao aspecto símbolo linguístico, portanto, ponto de partida para compreendermos que, de fato, abuso do Direito é algo divergente da expressão abuso de direito. Dessa maneira eis a questão: 1º Abuso do Direito não é o mesmo que abuso de direito, pelo simples fato: Abuso do Direito é uma expressão que nos aproxima mais de um abuso decorrente do próprio Direito, ou seja, quando a própria lei fere ao direito. 2º Abuso de direito, porém, é uma expressão que nos aproxima de algo que é inerentemente decorrente de uma atividade humana. Portanto, comportamento humano que empossado de um direito legítimo excede o limite do exercício do seu próprio direito.

Quando esbarramos diante da expressão abuso do Direito, diga-se de passagem, estamos diante de um abuso advindo do próprio Direito, observem, que coloquialmente desde sempre limitei-me ao uso da palavra Direito e não direito em minúsculo. Ora, então, pode o Direito exceder a algo? Sim, pode sim, mas, aqui explanaremos e nos limitaremos ao entendimento sobre a problemática da conduta humana, ou seja, ao aspecto comportamental. Afinal, o Direito é, também, uma das formas de modelagem da conduta humana para um convívio social mais pacífico como apresenta o título da obra do célebre Jurista Hans Kelsen em “A Paz pelo Direito”.

Neste sentido do comportamento humano elucida o grande José de Aguiar Dias:

Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade.

Em complemento apresento a afirmativa de Hans Kelsen (2000, p. 16) a respeito da destinação das normas em sua obra “Teoria Pura do Direito”:

Mas atente-se que as normas não regulam através disto a realidade, mas sempre a conduta humana e o modo como esta age sobre o ambiente ao seu redor, já que o objetivo das normas é sempre a conduta humana.

Voltemos a questão da conduta humana que excede o limite e desenvolve uma ferida no direito alheio. Quando passamos a ter enquanto foco a conduta humana que excede o limite do exercício do direito, de fato, trata-se do abuso de Direito. Ora, descordo totalmente do uso, da incidência da palavra abuso do Direito enquanto resultado da conduta humana que excede ao limite do exercício de um direito. Quando abordamos tal realidade que envolve a conduta humana percebe-se o equívoco, portanto, trata-se do abuso de direito já que a lesividade possui enquanto origem a conduta humana.

O abuso de direito é algo marcante nas relações sociais contemporâneas, diga-se de passagem, é algo que sempre existiu ao longo do processo Sócio-histórico e evolutivo da humanidade. A consequência de tais abusos são os efeitos delitivos que ocorreram e ainda ocorrem nos seios das relações sociais. Percebe-se, nitidamente, que tais comportamentos possuem uma marca histórica, portanto, que não limitar-se-ão ao aspecto contemporâneo, ao aspecto do modernismo, pós-modernismo ou hipermodernidade expressão de uso de Gilles Lipovetsky.

Explanar a respeito do abuso do exercício de um direito é intrinsicamente vincular ao aspecto da conduta humana. No contexto contemporâneo as formas de excesso do exercício de um direito e até mesmo das condutas humanas lesivas foram ampliadas por algo que no texto anterior tratamos, ou seja, a sensação de liberdade extrema desenvolvida por uma sociedade Hi-Tech.

O Excesso do Exercício do Direito e sua Extensão: Lesividade.

Lembrei-me de uma simples conversar com uma pessoa, porém, uma simples conversa em que a referida pessoa insistentemente afirmava em seu discurso de ódio que precisávamos de mais leis (Leis Novas). Então a questionei: Mais Leis? Desse ponto em diante tivemos uma longa pausa, um longo momento de silêncio. Respondi: Parece que nem você tem a resposta.

Ora senhores (as), estamos diante do discurso do ódio, do discurso do vazio, do discurso do ódio pelo ódio, do discurso do reclamar sem saber a origem do ódio e da indignação. É o discurso do vazio e um vazio impulsionado pela sensação de controle dos fatos inerentes ao cotidiano.

As vezes a existência de uma determinada Lei, aliás, no sentido do paternalismo jurídico tende a desenvolver no sujeito um empoderamento protetivo normativo absoluto. Inclusive assim pairando sobre uma percepção distorcida um sentimento de que ao exercer um direito legalmente estabelecido estaria diante de um direito absoluto.

O Código Civil de 2002 esclarece em relação ao exercício regular de um direito: “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. Observem, portanto, que não pratica ato ilícito quando em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido. Ora, salvo, contudo, quando o exercício desse direito ultrapassar o limite, ou seja, atingir ao bem jurídico de uma outra pessoa.

Ainda no que diz respeito ao ultrapassar o limite e desenvolver ato lesivo afirma a constituinte de 1988: “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Destaca-se, portanto, a garantia do direito de resposta cumulado ou não com a indenização por dano material, moral ou à imagem, obviamente, estabelecido por uma proporcionalidade entre a conduta do agente e a extensão do dano.

Voltemos em relação a revolta pessoa que anteriormente explanávamos. Pode-se afirmar, que em decorrência do entendimento de que é necessário novas leis para regular determinadas condutas que segundo ela seriam inaceitáveis. Lembrei-me, fatalmente das ditas anomias normativas bem apresentadas segundo o prisma de Émille Durkheim. Segundo à ciência jurídica define-se anomia enquanto a ausência de normas e por outro lado teríamos as ditas antinomias, ou seja, o conflito entre normas e que segundo alguns doutrinadores é apenas um conflito aparente.

A edição de novas leis, de novos textos normativos, porém, não é garantia de resultados mais positivos no aspecto da pacificação social. Pelo contrário a edição de leis em demasia, podem aumentar a sensação da própria anomia, ou seja, da ausência de uma norma regulamentadora, por fim, resultando em uma sensação ainda maior de insegurança social. Sociedades mais pacíficas não necessitam de um número tão grande de leis. Em verdade é necessário que tais leis não sejam um impedimento para o desenvolvimento econômico inclusive sendo a proposta da denominada Escola da Análise Econômica do Direito.

Finalmente qual o limite para o exercício de um Direito e sua extensão? Precisamos analisar a questão da conduta humana e que por sua vez tem sido taxativamente apresentado ao longo deste texto. Porém, devemos destacar que em alguns momentos não existirá a necessidade da apresentação de dolo ou culpa, ou seja, basta apresentar o nexo causal. Bastando muitas vezes apenas a existência do dano por parte do agente. Se o Direito possibilita a defesa e empoderamento de direitos e garantias, verbi gratia, como proposto pela constituinte de 1988 em seu Art. 5, porém, por outro lado ela apresenta as obrigações inerentes a todo direito.

Significa que aquele que adquire um direito, por sua vez, torna-se vinculado à uma obrigação e sobre este aspecto o texto civil pátrio é esclarecedor. Mas, por outro, lado quando no exercício de um direito o agente, ou seja, a pessoa humana que assim exceder tais limites ferindo ao direito do outro. Estará diante de um abuso de direito, sendo assim, temos o limite, porém, ao exceder o limite temos a lesividade do comportamento. O simples ultrapassar o limite quando diante do direito do outro, de fato, caracteriza-se enquanto um ato lesivo, ou simplesmente, um ilícito.

No âmbito da responsabilidade existem dois impactos a depender do bem jurídico tutelado e da dimensão do dano. A responsabilidade no âmbito civil e A responsabilidade no âmbito criminal.  Este texto não possui enquanto objetivo aprofundar em tais possibilidades, mas, de fazer emergir a consciência em relação a conduta humano e seu limite. Ora senhores (as), diga-se de passagem, em termos do olhar, ou seja, sobre o prisma da ótica civilista é importante destacar para o simples fato de que toda relação social é pautada em princípios norteadores do bom convívio, aliás, pode-se dizer que estamos diante de um contrato social onde o Princípio de Proibição de Ofender encontra respaldo desde de a época da antiga Roma até o contemporâneo mundo Hi-Tech.

Pensemos então entre três preceitos do período de Roma e que se encontram fragmentados no contexto contemporâneo: Viver honestamente, Não lesar a outrem ou outros e Dar a cada um o que é seu. Tratam-se de três preceitos que hoje são rotineiramente lesados e que muitas vezes o autor do ato lesivo defende posturas radicais e, extremistas para solução do problema sendo algo perceptível na atual conjuntura política do Brasil.

Conjuntura política, ideológica que é resultante da moral, ou seja, uma tentativa de responsabilizar moralmente ao outro. Resultando as vezes em condutas que ferem ao direito do outro, diga-se de passagem, é de suma importância destacar para o fato de que mesmo existindo legitimidade empoderada por lei, ou seja, um direito até mesmo liquido e certo ainda assim exceder a tal direito é praticar um ato lesivo.

O ato lesivo que fere um determinado direito é possível de sofrer a incidência tanto da esfera penal como civil. No âmbito civil a responsabilidade da pessoa (agente) que exerceu o ato lesivo é compreendida enquanto uma obrigação derivada. Obrigação que resultará na reparação do bem lesado, portanto, se o bem jurídico maior no ordenamento jurídico for neste caso, por exemplo: A vida, diga-se de passagem, o bem jurídico vida encontra-se tutelado não apenas por todo ordenamento jurídico, mas, inevitavelmente o agente do ato lesivo responderá pelas consequências criminais. Inclusive, ainda, que diante de uma responsabilidade criminal não é óbice para a incidência da responsabilidade no âmbito civil.

Segundo o Código Civil, Art. 935:

A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Existindo dano, existirá a lesividade, ou seja, a palavra ato lesivo remete-nos ao comportamento humano que lesa, fere ao direito de outra pessoa. Por fim, deve-se ressaltar para o fato de que a conduta humana é o primeiro elemento da responsabilidade civil. Portanto, reafirmando a tese apresentada de que abuso de direito é derivado da conduta humana e abuso do direito é algo que foge da conduta humana e deriva do próprio Direito. A conduta humana positiva ou negativa é o eixo central da problemática proposta ao longo deste texto.

 

 

Referências Bibliográficas:

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 23. Ed. São Paulo: Atlas, 2019.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2016.

CARVALHO, Gisele Mendes & CORAZZA, Aline Mazerro (organizadoras). Um Olhar Contemporâneo Sobre os Direitos da Personalidade. Birigui, SP: Boreal Editora, 2015.

DIAS, José de Aguiar Dias. Da Responsabilidade Civil. Imprenta: Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2012. Descrição Física: 1000 p.

BRASIL. Código de Processo Civil (Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 18 jul. 2014.

BERGER, Peter L.; Luckmann, Thomas. The Social Construction of Reality. Harmondsworth: Penguin, 1966A construção social da realidade. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4.ed. São Paulo: Martins fontes, 2000. SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Considerações sobre a teoria kelseniana. In: GRUNWALD.

Advogado, Secretário-geral da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-PE, Pós-graduado em Direito Civil pela PUC-MG, Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-MG, Pós-graduado em Direito da Saúde e Médico. Bacharel em Direito pela UBEC e Bacharel em Psicologia pela FIR.

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