sexta-feira,29 março 2024
ColunaConsumidor AlertaQual a sanção à cobrança de dívida já paga?

Qual a sanção à cobrança de dívida já paga?

1. Introito

A discussão gira em torno da aplicação das sanções previstas no ordenamento jurídico para o credor que cobra dívida já paga. Cumpre destacar que os artigos 940 do Código Civil e 42 do Código de Defesa do Consumidor incidem em hipóteses diferentes, tutelando situações específicas que envolvem a cobrança de dívidas pelos credores. A discussão gira em torno de qual a sanção à cobrança de dívida já paga pelo consumidor?

Aplicam-se as regras do código de defesa do consumidor, tendo em vista a presença de uma relação de consumo, ou as regras previstas no Código Civil?

Quais das regras devem ser priorizadas perante a proteção do consumidor, quando existe uma relação em que em um dos polos se encontra um hipossuficiente, isto é, o consumidor?

Qual é o posicionamento da doutrina e da jurisprudência perante estas discussões?

Assim, o objetivo deste artigo é analisar as consequências de um cobrança de dívida já paga nas relações de consumo pelo credor, qual o regramento aplicável caso a caso, qual o posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito.

Vamos lá!

Quais das regras devem ser priorizadas perante a proteção do consumidor, quando existe uma relação em que em um dos polos se encontra um hipossuficiente, isto é, o consumidor?

2. Qual é a sanção à cobrança de dívida já paga pelo consumidor?

 2.1. Na legislação consumerista.

A legislação consumerista não pune a simples cobrança indevida, exigindo que o consumidor tenha realizado o pagamento de um valor indevido:

“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.

Da leitura do supramencionado dispositivo, infere-se que a norma tem por objetivo coibir abusos que possam ser cometidos pelo credor no exercício do seu direito de cobrança.

Isto é, visa evitar situações vexatórias que ocorrem com maior frequência na fase extrajudicial da cobrança, além de proteger o consumidor nos casos em que a cobrança feita em duplicidade pelo fornecedor, seja pelo envio de boletos ou por meio de débito automático em conta, induzindo-o em erro e ensejando o pagamento em duplicidade.

Assim, quando houver a cobrança indevida e o consumidor pagar duas vezes o mesmo débito, terá direito à repetição em dobro do valor pago.

Nesses casos, a lei não exige a prova da má-fé do credor, bastando que tenha havido o duplo pagamento.

2.2. Na legislação civil.

O art. 940 do Código Civil de 2002 repetiu a norma do art. 1.531 do Código Civil de 1916 e manteve a sanção para o credor que comete ato ilícito ao abusar do seu direito de cobrar.

Ao comentar o disposto no art. 940 do CC, Carlos Alberto Menezes Direito e Sergio Cavalieri Filho[1] destacam a aplicação da penalidade prevista independentemente da existência de novo pagamento da dívida já quitada:

“(…) Cobrar dívida já paga ou exigir mais do que o devido são formas de excesso de pedido, para os quais há, desde tempos remotos, as sanções aqui previstas. As penas previstas neste dispositivo (…) são devidas independentemente de qualquer prova de prejuízo, e não excluem indenização complementar por perdas e danos se o devedor, comprovadamente, os tiver suportado”.

A orientação desta Corte Superior e da doutrina especializada é pacífica no sentido de que o artigo 940 do CC apenas pode ser aplicado quando:

  • A cobrança se dá por meio judicial e
  • A má-fé do demandante fica comprovada.

Em diversas oportunidades, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de aplicar a sanção prevista no art. 940 do Código Civil quando ficar demonstrada a má-fé do exequente que demanda judicialmente, por dívida já paga.

Ressalta-se que além de a cobrança ter sido por meio judicial, necessário demonstrar a má-fé da instituição financeira, haja vista sua insistência em demandar por dívida já quitada.

2.3. Cabível aplicação legislação civil nas relações de consumo?

Resta saber, contudo, se mesmo diante de uma relação de consumo, é cabível a sanção da legislação civil, tese que é refutada pelo ora recorrente.

No “Manual de Direito do Consumidor”, o Ministro Herman Benjamin defende que deve-se  aplicar, no que couber, o sistema geral do Código Civil, caso não estejam presentes os pressupostos de aplicação do art. 42 do CDC,

A propósito:

“(…) A sanção do art. 42, parágrafo único, dirige-se tão somente àquelas cobranças que não têm o munus do juiz a presidi-las. Usa-se aqui o verbo cobrar, enquanto o Código Civil refere-se a demandar. Por conseguinte, a sanção, no caso da lei especial, aplica-se sempre que o fornecedor (direta ou indiretamente) cobrar e receber, extrajudicialmente, quantia indevida. O Código de Defesa do Consumidor, preventivo por excelência, enxerga o problema em estágio anterior ao tratado pelo Código Civil. E não poderia ser de modo diverso, pois, se o parágrafo único do art. 42 do CDC tivesse aplicação restrita às mesmas hipóteses fáticas do art. 940 do CC, faltar-lhe-ia utilidade prática, no sentido de aperfeiçoar a proteção do consumidor contra cobranças irregulares, a própria ratio que levou, em última instância, à intervenção do legislador.”  

Assim, mesmo diante de uma relação de consumo o sistema geral do Código Civil deve-se aplicar, no que couber, se inexistentes os pressupostos de aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC.

Isto é, o art. 940 do CC é norma complementar ao art. 42, parágrafo único, do CDC e, no caso, sua aplicação está alinhada ao cumprimento do mandamento constitucional de proteção do consumidor.

3. Conclusão

Então, qual a sanção à cobrança de dívida já paga pelo consumidor?

O art. 42, CDC e o art. 940, CC/02 são artigos independentes e complementares, com requisitos distintos entre si.

No CDC existe a exigência de que o consumidor tenha pago duas vezes, e que haja uma não plausibilidade para a cobrança duplicada pelo credor.

Já no CC/02, exige-se a cobrança judicial de dívida, já comprovadamente já paga, bem como a má-fé do credor, devidamente demonstrada nos autos.

Considerando que a interpretação de toda a legislação deve ter por fundamento a Constituição Federal, o entendimento da doutrina e da jurisprudência é de que: quando tratar-se de relações de consumo, mas, no caso in concreto, não preencher os requisitos essencial do art. 42, CDC, possível a aplicação do art. 940 do CC/02, desde que preenchidos os dispositivos deste último.

O fundamento que se segue para se utilizar a legislação civil para punir o credor de má-fé que cobra dívida já paga é de que a proteção do consumidor é um mandamento constitucional (artigos 5º, XXXII, e 170, V, da CF/1988), o qual deve ser observado por todo o ordenamento jurídico, não sendo obrigação exclusiva do CDC.

Incontroverso que a partir da vigência do Código de Defesa do Consumidor, sua aplicação é prioritária.

Contudo, a aplicação do sistema jurídico deve ser convergente com os valores e princípios constitucionais, não podendo adotar métodos que excluam normas mais protetivas ao sujeito que se pretende proteger – no caso, o consumidor.

Admite-se, portanto, a aplicação do CC/2002, no que couber, quando a regra não contrariar o sistema estabelecido pelo CDC, sobretudo quando as normas forem complementares.

[1] Comentários ao Novo código Civil – Da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios – Arts. 927 a 965, volume XIII. 3ª ed.; Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2011

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