quinta-feira,28 março 2024
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Pretensão de reforma na lei dos Juizados Especiais Federais e o seu impacto nas ações revisionais do FGTS

Introdução
O presente texto tem por objetivo problematizar a relação entre o Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº. 17 de 2021, que altera a redação da Medida Provisória nº. 1.045/21, e as ações que têm por finalidade a condenação da Caixa Econômica Federal (CEF) ao pagamento das diferenças decorrentes da aplicação de outro índice de correção monetária em substituição à Taxa Referencial (TR), a partir de 1999, sobre os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Para alcançar o objetivo proposto, recorri à legislação pertinente ao tema.

Parto da hipótese de que a disposição contida no art. 90 do mencionado PLV pode afetar especialmente as ações que, para evitar condenações em custas, taxas e despesas processuais, além de honorários sucumbenciais, vêm sendo ajuizadas perante o Juizado Especial Federal (JEF). Claro que tal reflexão, se adequada, impactará toda e qualquer ação em trâmite perante o JEF. Entretanto, gostaria de delimitar o objeto de minha análise às ações revisionais do FGTS.

O motivo dessa delimitação está no fato de que, nos últimos meses, sobretudo após o adiamento do julgamento da ADI 5090 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em maio, muitas dessas ações têm sido distribuídas, grande parte perante o JEF, como meio de cautela para evitar uma possível condenação em custas e honorários sucumbenciais, o que pode ocorrer caso o STF decida pela improcedência da substituição da TR por índice mais favorável aos(às) trabalhadores(as).

As ações do FGTS e sua distribuição perante os JEFs

São dezenas de sites, vídeos e blogues jurídicos ou não que, nos últimos meses, têm produzido conteúdos voltados à ação revisional do FGTS, o que, certamente, encontra fundamento na calamitosa situação econômica que vive a maior parte dos(as) trabalhadores(as) brasileiros(as), de um lado, e na possibilidade de julgamento iminente da ADI 5091, de outro. Diante da possibilidade de ganhos financeiros, a revisão do FGTS tem se colocado como real alternativa para titulares de contas vinculadas do FGTS e advogados(as).

Dentre os alertas feitos nessas plataformas, está a orientação para que tais ações, observado o limite de 60 salários mínimos, sejam distribuídas perante o JEF, a fim de que seja evitada eventual condenação da parte requerente a título de custas e demais ônus sucumbenciais, caso venha a perder o processo em razão de eventual decisão de improcedência da substituição da TR por ocasião do julgamento da ADI 5090.

Hoje, por força do disposto no art. 1º da Lei 10.259/01 e art. 54 da Lei 9.099/95, o acesso aos Juizados Especiais não depende de custas, taxas ou despesas processuais, sendo certo que, no primeiro grau de jurisdição, condenações a esse título e também em honorários advocatícios somente ocorre nos casos de litigância de má-fé. Desse modo, diante da possibilidade de que o STF module os efeitos de sua decisão para que a revisão contemple apenas as ações já ajuizadas até a data de julgamento, ideia esta que tem sido negada pela Defensoria Pública da União (DPU) [1], para se evitar custos decorrentes de uma possível derrota, o JEF acabou se tornando a alternativa de “baixo risco” para processar e julgar essas demandas.

A mudança proposta pelo PLV 17/21 e seu impacto nessas ações

A despeito do que foi dito acima, algo que pode comprometer essa alternativa, na minha percepção, diz respeito à proposta do Deputado Federal Christiano Aureo da Silva (PP-RJ), responsável por inserir no texto da MP 1.045 diversas alterações destinadas a mudar as disposições relativas à gratuidade judiciária nas Leis 5.010/66 (Justiça Federal), 10.259/01 (JEF) e 13.105/15 (CPC), alterações estas, diga-se, sem qualquer relação com o objeto da referida MP.

O texto base do PLV aprovado na Câmara dos Deputados, consagrou essas mudanças em seus artigos 89, 90 e 91. O art. 90, em especial, acrescenta à Lei 10.259/01 o art. 3º-A, de acordo com o qual “o acesso ao “Juizado Especial Federal Cível independerá do pagamento de custas, de taxas ou despesas processuais apenas na hipótese de concessão de assistência judiciária gratuita”.

A prova para a concessão desse benefício, de acordo com os §§ 1º e 2º, dependerá, note-se, de “comprovante de habilitação em cadastro oficial do governo federal instituído para programas sociais, não bastando, para a concessão da gratuidade, a mera declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou procurador”. Essa prova deverá ser cumulativa com a prova de renda per capita de meio salário mínimo ou familiar de até três salários mínimos. Nem entrarei aqui no obstáculo que essa medida cria para o acesso do(a) jurisdicionado(a) ao Poder Judiciário.

E qual a relação dessas mudanças com as ações revisionais do FGTS? Muitos escritórios, nas tratativas com seus clientes, têm informado que a segurança do JEF está precisamente no fato de que eventual sucumbência não lhes acarretará qualquer custo. E é aqui que o problema se verifica com maior nitidez, caso seja o texto atual do PLV aprovado no senado e promulgado pelo presidente da república. Problema que surgirá com ainda maior clareza na hipótese de decisão, pelo STF, contrária à substituição da TR por índices mais benéficos aos(às) trabalhadores(as), como o INPC e o IPCA.

São inúmeras as variantes decorrentes de eventual promulgação de referida norma, somada à eventual sucumbência nas ações revisionais do FGTS. Não está claro, por exemplo, se o art. 90 do PLV apenas regulamenta a gratuidade judiciária no âmbito do JEF, ou se, de algum modo, possibilita também a condenação da parte sucumbente, já em primeira instância, a título de honorários advocatícios. Afinal, se considerarmos o disposto no art. 98, §1º, inciso VI, do CPC, os honorários advocatícios e periciais estão incluídos na gratuidade judiciária, o que, por via oblíqua, permite-nos pensar que na ausência desse benefício, poderá o sucumbente ser condenado também a esse título.

Neste ponto, certamente haverá quem diga que o art. 55 da Lei 9.099/95 representará óbice na condenação a título de honorários em primeira instância, no âmbito do JEF, merecendo a questão ser encarada sob o prisma de dois institutos distintos, quais sejam, as custas, de um lado, e os honorários, de outro.

Entretanto, aceitar esse raciocínio para os honorários sucumbenciais, nos levaria a aceitá-lo também para as custas, taxas e despesas processuais, já que a redação do art. 55 compreende os dois institutos: “a sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado […]”. Não é razoável que, por força do art. 90 do LPV, somente a primeira parte desse dispositivo deixe de ser aplicada. Pois, como vimos, o LPV pretende, sim, instituir custas já no “acesso aos Juizados Especiais Federais”, o que, em decorrência do art. 1º da Lei 10.259/01, afasta a aplicação do art. 54 e art. 55 da Lei 9.099 no âmbito do JEF: “são instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

Caso isso ocorra, por força do princípio do tempus regit actum, consagrado no art. 14 do CPC, a alteração proposta pelo LPV, devido à sua natureza nitidamente processual, será aplicada de imediato às demandas em curso, afetando todas aquelas ações revisionais ajuizadas nos últimos meses e que estão suspensas por força da decisão cautelar proferida nos autos da ADI 5090 em setembro de 2019.

Neste último caso, se negada a substituição da TR, e sendo julgadas improcedentes as ações revisionais, presumindo-se aqui a aprovação do LPV 17/21, por força da aplicação imediata da lei processual, como ficaria a situação dos(as) trabalhadores(as) que ajuizaram suas ações perante o JEF sob a orientação de seus advogados de que, se sucumbentes, nada pagariam a título de custas (e honorários)? Como ficarão os escritórios diante de seus clientes, eventualmente condenados a pagarem custas (e honorários) numa demanda supostamente sem despesas?

 


Notas:

[1] Cf. Esclarecimento: ação para mudança de índice de correção do FGTS. Disponível em: https://www.dpu.def.br/noticias-institucional/233-slideshow/62224-nota-esclarecimento-sobre-acao-para-mudanca-de-indice-de-correcao-do-fgts.

João Guilherme A. de Farias

Doutorando em Ciências Sociais pela UNIFESP, instituição na qual obteve o título de Mestre em Ciências Sociais. Bacharel em Direito pela PUC-SP. Advogado com inscrição junto à OAB/SP.

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