quinta-feira,28 março 2024
ArtigosPrática de dumping: conceito e efeitos na ordem jurídica brasileira

Prática de dumping: conceito e efeitos na ordem jurídica brasileira

Por Willemberg de Carvalho Barbosa Lima*

 

A Constituição Brasileira de 1988 trouxe em seu corpo normativo uma série de princípios que regulariam a ordem econômica no país. Dentre eles, o princípio da livre concorrência, que prevê uma concorrência mais igualitária, livre de privilégios que eventualmente prejudicam os diversos agentes concorrentes no mercado e, em última instancia, o consumidor. O presente trabalho tem foco na prática de dumping, atividade anticoncorrencial prevista no ordenamento jurídico brasileiro, conceituando e evidenciando seus efeitos, tanto no mercado, quanto na esfera jurisdicional.

 

Com a expansão dos mercados internacionais (seja ela por tratados comerciais ou relações entre agentes da esfera privada) e a influência da globalização, torna se primordial ao estado brasileiro, este que prevê em sua carta magna um rol de princípios exclusivamente relacionados a ordem econômica (CF – 1988, ART. 170), o desenvolvimento de sistemas que garantam uma concorrência livre, e ao mesmo tempo, justa entre os agentes do mercado interno e externo.
Foi realizado neste trabalho uma pesquisa bibliográfica acerca da pratica de dumping no mercado nacional. Evidencia se também as medidas Antidumping adotadas no Brasil, realizadas em parceria pelo Departamento de Defesa Comercial da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (DECOM), e pelo Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX).
O objetivo deste é tornar mais simples a assimilação acerca do tema ainda pouco explorado, tanto pelos estudantes de direito, quanto pela doutrina, valendo se de analise teórica para evidenciação dos resultados.

 

Conceito de Dumping

O atual conceito legal de dumping nos é trazido pelo artigo 7º, do Decreto 8058 de 26 de julho de 2013, que dispõe:

Para os efeitos deste Decreto, considera-se prática e dumping a introdução de um produto no mercado doméstico brasileiro, inclusive sob as modalidades de drawback, a um preço de exportação inferior ao seu valor normal.

Já Mattos (1999, p. 274) afirma:

[…] pode se afirmar que a pratica de dumping na linguagem da defesa da concorrência representa uma forma de discriminação de preços, onde os preços praticados no mercado do país são inferiores aos praticados no país de origem do exportador ou em terceiros países.

Em suma, dumping caracteriza-se pela venda de um produto importado no mercado nacional por um preço inferior ao praticado no mercado do país de origem da importação (Valor normal), causando danos à indústria doméstica.

A legislação brasileira considera por “valor normal” o preço do produto ou produto substituto, em condições de comercialização normais, dentro do mercado interno. O artigo 12, do decreto 8058 nos traz a definição dessas condições de comercialização normais:

Art. 12. Consideram-se “operações comerciais normais” todas as vendas do produto similar realizadas pelo produtor ou exportador sob investigação no mercado interno do país exportador ou para um terceiro país, observado o disposto no art. 14.
§ 1º As vendas do produto similar destinadas ao consumo no mercado interno do país exportador serão consideradas como em quantidade suficiente para a apuração do valor normal quando constituam cinco por cento ou mais das vendas do produto objeto da investigação exportado para o Brasil, admitindo-se percentual inferior quando for demonstrado que, ainda assim, ocorreram vendas no mercado interno do país exportador em quantidade suficiente para permitir comparação adequada.
§ 2º A apuração a que se refere o § 1º será efetuada após a exclusão das vendas que não tenham sido consideradas operações comerciais normais e deverá ser feita para a totalidade das vendas restantes do produto similar destinadas ao consumo no mercado interno do país exportador.

O produto não necessariamente deve ser idêntico, mas deve guardar similaridade com o produto oferecido no mercado interno. Esta similaridade obedece aos critérios objetivos elencados no parágrafo §1, do artigo 9 do mesmo decreto, que versa:

§ 1º A similaridade de que trata o caput será avaliada com base em critérios objetivos, tais como:
I – matérias-primas;
II – composição química;
III – características físicas;
IV – normas e especificações técnicas;
V – processo de produção;
VI – usos e aplicações;
VII – grau de substitutibilidade; e
VIII – canais de distribuição.

Nenhum dos critérios objetivos supracitados constituem, isoladamente, comprovação da pratica de dumping.
Em relação ao dano, o mesmo decreto descreve em seu artigo 29, nos incisos I, II e III, como:
I – o dano material à indústria doméstica;
II – a ameaça de dano material à indústria doméstica; ou
III – o atraso material na implantação da indústria doméstica.

Por indústria doméstica, estende se como a totalidade dos produtores do produto similar nacional. Quando não se puder contemplar a totalidade dos produtores, pode se definir como o conjunto de produtores cuja a produção represente quantidade significativa da produção nacional do produto similar.

 

Efeitos da pratica de Dumping na esfera jurisdicional

Para que a suposta pratica de dumping possa ser avaliada pelo órgão competente, deve ser encaminhada petição escrita, elaborada pela indústria doméstica ou em seu nome.
Esta petição, para ser considerada elaborada “pela indústria doméstica ou em seu nome”, deve conter manifestação expressa de no mínimo 50% dos produtores do produto similar que produziram durante o período que será investigado. Está devendo ser protocolada na Secretaria de Comercio Exterior (SECEX).
Na petição, o representante deve apresentar indícios da pratica de dumping evidenciando o dano e nexo de causalidade entre o dano e a suposta pratica, sendo desconsideradas meras alegações carentes de evidencia.

A análise do pedido é realizada em um prazo de quinze dias, a contar data de seu protocolo. Caso não haja necessidade de informações adicionais ou a petição seja indeferida, o representante é notificado num prazo adicional de quinze dias.

Se houver necessidade de correção e ajustes, ou haja necessidade de informações adicionais, é dado um prazo de cinco dias ao representante para que possa emendar a petição, prazo que começa a ser contado a partir da data de recebimento da notificação. Após o envio da petição ajustada, o representante e informado do início da investigação ou do indeferimento do pedido, se for o caso, no prazo de quinze dias.

O início da investigação é dado pela SECEX, e as partes interessadas são notificadas pelo Departamento de Defesa Comercial da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior(DECOM). Caracterizam se como partes interessadas os produtores domésticos, os importadores do produto similar objeto da investigação, os exportadores estrangeiros que exportaram para o Brasil o produto similar objeto da investigação no período que é investigado, todas as entidades de classe que representem os citados anteriormente e o governo do pais exportador. É dado um prazo de vinte dias para que as partes que se considerem interessadas posteriormente apresentem seus pedidos de habilitação, junto a seus representantes.
Na investigação é avaliada a existência de dumping, o dano e o nexo causal entre ambos. O período de dumping investigado compreende o lapso de doze meses, devendo encerrar se necessariamente em março, junho, setembro ou dezembro. Em situações excepcionais, devidamente justificadas, este período pode compreender um lapso temporal menor que doze meses, mas nunca inferior a seis meses.

O período de investigação do dano, deve compreender lapso temporal de sessenta meses, divididos entre cinco períodos de doze meses, sendo o último destes, o período de investigação do dumping. Excepcionalmente, quando devidamente justificado, o período de investigação do dano pode compreender lapso temporal menor que sessenta meses, mas nunca inferior a trinta e seis meses.
Todos os documentos encaminhados pelas partes são juntados ao processo em ordem cronológica. Todos os produtores, importadores e exportadores conhecidos recebem um questionário enviado pelo SECEX, que deve ser preenchido e devolvido ao mesmo no prazo de trinta dias corridos a partir do recebimento.
As partes são notificadas da audiência com antecedência mínima de vinte dias, sendo a participação facultativa, não incorrendo da ausência, prejuízo a nenhuma das partes.
A fase probatória do processo tem a duração máxima de cento e vinte dias. Sendo os elementos probatórios não anexados dentro desse prazo desconsiderados no processo e impossibilitados de serem juntados posteriormente.

Após a fase probatória, o DECOM elabora determinação preliminar, versando sobre os elementos disponíveis de fato e de direito, sobre a pratica de dumping, do dano e do nexo causal. Esta determinação preliminar é publicada pela SECEX em até três dias contados da elaboração e enviada ao Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX).
Os direitos provisórios só podem ser aplicados, se seguirem as recomendações do art. 66 do mesmo decreto, que são:

I – uma investigação tiver sido iniciada de acordo com as disposições constantes da Seção III do Capítulo V, o ato que tenha dado início à investigação tiver sido publicado e às partes interessadas tiver sido oferecida oportunidade adequada para se manifestarem;
II – houver determinação preliminar positiva de dumping, de dano à indústria doméstica e do nexo de causalidade entre ambos; e
III – a CAMEX julgar que tais medidas são necessárias para impedir que ocorra dano durante a investigação.
§ 1º O valor da medida antidumping provisória não poderá exceder a margem de dumping.
§ 2º Medidas antidumping provisórias serão aplicadas na forma de direito provisório ou de garantia, cujo valor será equivalente ao do direito provisório.
§ 3º Direitos provisórios serão recolhidos e garantias serão prestadas mediante depósito em espécie ou fiança bancária, cabendo à Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda estabelecer os procedimentos de recolhimento.
§ 4º A CAMEX publicará ato com decisão de aplicar medidas antidumping provisórias, na forma estabelecida no Capítulo X.
§ 5º O desembaraço aduaneiro dos produtos objeto de medidas antidumping provisórias dependerá do pagamento do direito ou da prestação da garantia.
§ 6º A vigência das medidas antidumping provisórias será limitada a um período não superior a quatro meses, exceto nos casos em que, por decisão do Conselho de Ministros da CAMEX e a pedido de exportadores que representem percentual significativo do comércio em questão, poderá ser de até seis meses.
§ 7º Os exportadores poderão solicitar, por escrito, a extensão do prazo de aplicação da medida antidumping provisória, no prazo de trinta dias antes do término do período de vigência da medida.
§ 8º Na hipótese de ser aplicada medida antidumping provisória inferior à margem de dumping, os períodos previstos no § 6º passam a ser de seis e nove meses, respectivamente.

As empresas estrangeiras podem voluntariamente revisar seus preços no mercado ou cessar a pratica de exportação de produtos a preços de dumping. Tal conduta poderá suspender a investigação e a aplicação as medidas provisórias ou direitos, desde que o CAMEX e o DECOM considerem as condutas satisfatórias para a cessação do dano às industrias domesticas.
Este compromisso é celebrado junto ao DECOM e submetido ao CAMEX para homologação. Sendo este compromisso podendo ser celebrado somente até o fim da fase probatória do processo. A SECEX é a responsável pela publicação do ato.

O DECOM poderá recusar as ofertas de ajustes de preços que considerar ineficazes ou impraticáveis.
Na homologação realizada pelo CAMEX deve constar necessariamente o nome dos produtores que se comprometeram no acordo, as definições do produto e os termos de compromisso dos preços.
Caso o produtor não cumpra com o acordo realizado será notificado pelo DECOM e o CAMEX publicará ato informando a retomada das investigações, a aplicação imediata dos direitos provisórios e a aplicação imediata dos direitos definitivos.

A investigação é concluída no prazo de dez meses a partir do início das investigações, podendo esse prazo, em casos excepcionais, dilatar se por até dezoito meses. Podendo o peticionário solicitar a qualquer momento o fim da investigação sem analise do mérito. Neste caso, uma nova investigação sobre o mesmo produto só poderá ser iniciada após decorridos doze meses, contados do encerramento da investigação.

A aplicação dos direitos antidumping será feita com bases nos valores em dinheiro, respectivos a margem de dumping apurada, quando da comprovação da pratica de dumping. Estes cobrados independente das obrigações tributarias relativas a importação.

Nos casos de determinação final positiva, ou seja, quando se é comprovada a pratica de dumping ao fim do processo, poderão ser cobrados danos materiais retroativos causados a indústria doméstica.

Os direitos antidumping perduram enquanto houver necessidade de eliminar o dano à indústria doméstica, não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco anos.
Todos as decisões decorrentes do processo, ao final do mesmo, devem ser publicadas no Diário Oficial da União (DOU), e devem conter todas as conclusões de forma detalhada, como previsto nos parágrafos I a VI, do art. 162 do Decreto 8058/2013:

[…] I – o nome do país ou países exportadores e o produto objeto da investigação;
II – a data do início da investigação;
III – a base da alegação de dumping formulada na petição;
IV – o resumo dos fatos sobre os quais se baseia a alegação de dano;
V – o endereço para onde devem ser encaminhadas as manifestações das partes interessadas; e
VI – os prazos e procedimentos para as manifestações das partes interessadas.

Conclusão

O direito antidumping brasileiro apresenta robustez e celeridade nos seus atos, fazendo assim com que os danos à indústria doméstica possam ser reduzidos, indenizados e punidos com o devido rigor legal. A pratica de dumping é bastante nociva ao mercado nacional, e com a legislação atual, tem se mais uma ferramenta muito útil na garantia de proteção dos direitos de livre concorrência previstos em nossa constituição.

 


Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 25/05/2017.

BRASIL. Decreto 8058 de 26 de junho de 2013. Regulamenta os procedimentos administrativos relativos à investigação e à aplicação de medidas antidumping; e altera o Anexo II ao Decreto nº 7.096, de 4 de fevereiro de 2010, que aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8058.htm. Acesso em 25/05/17.

MATTOS, Cezar. HARMONIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA E COMERCIAL: QUESTÕES TEÓRICAS E IMPLICAÇÕES PARA O MERCOSUL, ALCA E OMC. Estudos Econômicos. São Paulo. Volume 29, n. 2, p. 267 a 291. 1999. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ee/article/view/117605. Acesso em 23/05/2017.

NETO, José Afonso do Nascimento. O PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1189. Acesso em 23/05/2017.

BERTAGNOLLI, Ilana. A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS ANTIDUMPING COMO INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. Revista Direito & Inovação. Volume 1 n. 1. 2013. Disponível em:http://www.revistas.fw.uri.br/index.php/direitoeinovacao/article/view/999. Acesso em 23/05/2017.

 

 

*Willemberg de Carvalho Barbosa Lima, colaborou com nosso site por meio de publicação de conteúdo. Ele é graduando em Direito pela Universidade Paulista – UNIP, pesquisador nas áreas de Direito da Concorrência, Econômico e Societário.

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