quinta-feira,28 março 2024
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Posse ou Propriedade? Qual a diferença?

Na prática da advocacia é natural encontrar clientes que confundem a propriedade com a posse.

Tentando não banalizar o tema e também sem a intenção de esgotá-lo, vamos aqui tentar tirar algumas dúvidas básicas da importância destes dois institutos tão essenciais à nossa vida em sociedade.

Comecemos pela posse.

POSSE

À par de significados jurídicos, a posse, para muitas pessoas, traz atrelada a ela um certo ar de clandestinidade, vez que estas pessoas estão acostumadas a ouvir o termo “posseiro” sendo usado indiscriminadamente para identificar aquele que, via de regra, de forma violenta, ocupa um imóvel de maneira irregular.

Para muitas pessoas a posse está estritamente ligada à ideia de invasão da propriedade alheia, cometida muitas vezes por movimentos sociais ou por grileiros de terras.

Mas a posse é, na verdade, um instituto muito respeitado no direito brasileiro.

O motivo desta confusão é o erro na utilização das palavras.

Já dizia Henri de Page que é preciso evitar atecnias terminológicas porque “a confusão de palavras acarreta sempre a confusão de coisas”.

Portanto vamos começar a entender as diferenças.

A posse é um ato jurídico latu sensu e representa o exercício de fato, pleno ou não, de um dos poderes da propriedade.

Apesar de ser apenas um exercício de fato, ela recebe grande proteção jurídica e é reconhecida e preservada pelo Estado.

Segundo a teoria objetiva da posse, que é a mais aceita pelo direito brasileiro, basta que o possuidor aja como se fosse dono da coisa para receber esse status. Basta que ele tenha uma conduta de dono.

Assim, tanto faz se ele estiver perto ou longe fisicamente da coisa, se ele tem uma conduta de dono, ele será possuidor.

A posse, portanto, é uma situação de fato. Não temos que fazer qualquer julgamento sobre ela. Ela independe da propriedade. Ela é apenas o exercício de alguns poderes sobre alguma coisa (que pode ser móvel ou imóvel).

Apenas em um segundo momento é que analisamos a situação dessa posse.

Espécies de Posse

A posse pode ser direta, que é quando o possuidor está fisicamente com o bem (pode ser o próprio possuidor ou o locatário, comodatário, arrendatário, caseiro etc.).

Pode também ser indireta, que é quando o possuidor não está fisicamente com o bem. É o caso do locador, arrendador, comodante etc.

As duas posses podem estar com a mesma pessoa ou, como nos exemplos dados, desdobrada em duas partes (locador e locatário, por exemplo).

A posse também pode ser justa ou injusta.

A posse será injusta (também chamada de não jurídica) quando for violenta, clandestina ou precária.

Violenta é a posse tomada com emprego de força, com uso de violência. Cessada a violência, a posse passa a ser justa/jurídica perante terceiros.

Clandestina é a posse tomada “na calada da noite”, sem violência, mas também sem a autorização do possuidor. Cessada a clandestinidade, também passa a ser posse justa/jurídica perante terceiros.

Precária é aquela posse tomada com abuso de confiança. É a posse tomada pelo caseiro, pelo locatário ou pelo comodante por exemplo, que não devolve o imóvel na data em que teria que devolver. Desta forma, a posse precária começa justa, mas, quando o possuidor direto não devolve o imóvel, passa a ser injusta. Esta posse nunca se convalida em posse justa, sempre será injusta e não jurídica.

Já a posse justa é aquela que não é maculada com nenhum desses vícios acima.

A posse também pode se dividir em de boa-fé e de má-fé.

A posse de boa-fé é aquela em que o possuidor desconhece os vícios acima durante todo o prazo em que a exerce.

Já a de má-fé é a posse daquele sabe que é injusta.

Estes conceitos de boa e de má-fé são aplicáveis principalmente para a análise das benfeitorias e para a usucapião, não sendo muito importantes no âmbito das ações possessórias.

Com esses conceitos, podemos perceber que a posse é uma situação jurídica que pode se apresentar de diversas formas.

Ações Possessórias

Para defender a posse são usadas as chamadas “ações possessórias” que são as ações de reintegração de posse, manutenção de posse e interdito possessório.

A reintegração de posse se dá quando a posse foi realmente perdida. Invasores entraram no imóvel e o possuidor não consegue reavê-lo (esbulho).

A manutenção de posse é usada quando a posse foi perturbada, quando terceiros não permitem que o possuidor exerça plenamente sua posse. Como exemplo, podemos citar a situação em que alguém joga detritos em seu terreno, ou quando fecha a entrada do imóvel (turbação).

Já o interdito proibitório é usado quando há apenas a ameaça de turbação ou esbulho. É uma tutela preventiva, de natureza inibitória, que visa proteger o possuidor de uma ameaça concreta, antes que ela se materialize.

Podemos ver aqui que o instituto da posse é levado tão a sério pelo legislador que a mera ameaça ao seu pleno exercício já é matéria de proteção jurídica.

Estas ações possessórias permitem a cumulação de pedidos como indenização por perdas e danos, pelos frutos, além de cominação de multa para evitar novo esbulho, turbação ou ameaça.

Nestas ações vigora também o princípio da fungibilidade, ou seja, caso o possuidor entre com ação de manutenção de posse e, dias depois, perca definitivamente a posse para os invasores, naturalmente a ação se converterá em ação de reintegração de posse, devendo apenas o autor informar tal situação ao juízo, não sendo necessário propor nova demanda.

Outro aspecto a ser citado é que, nas ações possessórias não se discute a propriedade. Não interessa à princípio ao juiz quem é o dono legítimo do imóvel, somente quem está regularmente exercendo a posse (que pode ser o proprietário ou não).

Vejamos então o que é propriedade.

PROPRIEDADE

A propriedade é um direito, diferente da posse que é uma situação de fato.

O Código Civil trata a propriedade como um direito real. Os direitos reais têm como características a sua necessária publicidade (que se dá, nesse caso, pelo registro no Cartório de Registro de Imóveis), a sua oponibilidade erga omnis (já que pode ser imposta a terceiros e afeta a todos), o seu direito de sequela (pois pode a propriedade ser retomada de quem quer que injustamente a detenha), o seu direito de preferência (pois as dívidas de direito real que recaiam sobre a propriedade tem preferência sobre as demais dívidas) e a sua limitação legal (tendo em vista que somente é direito real o que a lei diz que é).

A lei não define exatamente o que é propriedade, mas define o proprietário. Ela diz que o proprietário é aquele que tem a faculdade de usar, gozar, dispor e reaver a coisa.

Como características, a propriedade apresenta-se como um direito absoluto (pois o proprietário pode exercer todas as faculdades que possui), exclusivo (pois uma coisa não pode pertencer por inteiro a mais de uma pessoa), perpétuo (pois acompanha o proprietário até a morte ou sua disposição de vontade em sentido contrário, sendo excepcionado pela propriedade resolúvel) e ilimitado (porque permite que o proprietário faça o que bem entender com a coisa, dentro dos limites legais e jurídicos).

Aquisição e perda

A propriedade pode ser adquirida por meio do registro, da acessão, da usucapião, da posse-trabalho, do direito hereditário e do casamento.

Por sua vez pode ser perdida por meio da alienação, da renúncia, do abandono, do perecimento, da desapropriação e da posse-trabalho.

Matrícula ou Transcrição

Pois bem, como dito acima, a propriedade imóvel é um direito, que é representado por dois documentos registrados no Cartório de Registro de Imóveis, chamados de matrícula e transcrição.

Antigamente (a partir de 1939) todos os imóveis registrados possuíam um número de transcrição. A partir de 31 de dezembro de 1975, com a entrada em vigor da Lei de Registros Públicos (Lei nº6.015/1973), o registro começou a ser feito por meio de matrícula, que é uma espécie de registro e que unificou todos os eventos ocorridos com o imóvel em um só documento.

Portanto, se não houve qualquer alteração no imóvel desde 1975, ele ainda terá uma transcrição. Caso tenha havido qualquer alteração no imóvel (como troca de donos, construção, hipoteca etc) certamente o imóvel já possui uma matrícula.

Se não há matrícula ou transcrição não há propriedade plena. Pode haver direito à propriedade, mas propriedade em si não há.

Desta forma podemos concluir que somente pode se considerar proprietário de um imóvel quem tem em seu nome registrado o domínio, por meio de uma matrícula ou transcrição em um Cartório de Registro de Imóveis.

Caso não haja este documento chamado matrícula ou transcrição em seu nome, a parte não é a proprietária do imóvel.

Isso não quer dizer que ela não tem nenhum direito, até porque vimos no início da matéria quantas são as ações e os cuidados que a legislação tem quando se trata de posse.

Mesmo quando não há propriedade, a posse, pelo valor jurídico que carrega, pode ser negociada e transferida entre as pessoas, por meio de um termo de cessão de posse, por exemplo. Mas é importante conhecer a situação real do imóvel para não fazer constar em contrato informação incorreta e ilegal, que pode vir a prejudicar a ambas as partes, civil ou criminalmente.

Portanto, saber avaliar corretamente estes direitos é fundamental para se orientar bem um cliente e para poder realizar um bom negócio quando se trata de imóveis.

Advogado. Diretor Jurídico e de Relações Institucionais da Câmara Municipal de Salto de Pirapora/SP. Pós-graduado em Direito Contratual e em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito. Entusiasta da Mediação e da Arbitragem (pública e privada).

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