quinta-feira,18 abril 2024
ColunaCorporate Law"Passa-se o ponto" - A venda do estabelecimento empresarial

“Passa-se o ponto” – A venda do estabelecimento empresarial

No primeiro texto desta coluna, o Dr. Luan Madson Lada Arruda explicou com muita propriedade quem pode ser empresário: Juridicamente quem pode ser considerado “empresário”?

Dando continuidade ao tema, venho escrever a respeito da alienação do estabelecimento empresarial, que muitas vezes gera dúvidas tanto em quem compra quanto em quem vende.

Primeiramente, em rápida síntese, vamos explicar o que é estabelecimento empresarial:

ESTABELECIMENTO EMPRESARIALDiferente do que normalmente se pensa, estabelecimento empresarial não é só o local em que o empresário exerce suas atividades (esse local é chamado de ponto empresarial) , na realidade, segundo Oscar Barreto Filho[1], ele engloba um complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo empresário para a exploração de determinada empresa.

Isso quer dizer que, dentro de um estabelecimento empresarial existem, em uma linguagem mais moderna, elementos corpóreos e incorpóreos, que integram e identificam este estabelecimento, e podem ser assim divididos:

– Elementos Corpóreos:  mercadorias, instalações, equipamentos, veículos etc., que sejam utilizados para a execução das atividades de empresa.

– Elementos Incorpóreos: título do estabelecimento (sinal distintivo que identifica o estabelecimento empresarial – chamado também de “nome fantasia”), ponto empresarial (local físico ou virtual onde o empresário exerce sua atividade), bens de propriedade industrial (invenção, modelo de utilidade, desenho industrial e marca) e o nome empresarial (conhecida como “razão social” e que não é passível de venda, porém integra o estabelecimento);

Podemos entender também que o Código Civil, cominando os artigos 90 e 1143, nos diz que o estabelecimento empresarial se trata de uma universalidade de fato, ou seja, um conjunto de bens, pertencentes a uma pessoa, que tem a mesma destinação e pode ser objeto unitário de direitos e obrigações, porém sem que os elementos que compõe o estabelecimento percam a sua tutela individual. Anh?? Calma… isso quer dizer que quaisquer dos elementos acima descritos (corpóreos ou incorpóreos, com exceção do nome empresarial, conforme artigo 1164 do Código Civil) podem ser objeto de alienação, ou seja, o estabelecimento pode ser vendido como um todo ou também cada elemento separadamente.

Ok!  Visto o que é o estabelecimento empresarial, vamos entender alguns detalhes sobre sua venda.

O contrato que estabelece a venda do estabelecimento empresarial é chamado de contrato de trespasse. É preciso então analisar alguns aspectos deste contrato, quais sejam: quanto a sua eficácia, quanto aos débitos e créditos, quanto à cláusula de não concorrência, quanto à sub-rogação dos contratos e, por fim, sobre a clientela e o aviamento.

Vamos lá.


Eficácia

O contrato somente produz eficácia perante terceiros quando registrado na Junta Comercial e publicado na Imprensa Oficial.

Além disso, o alienante/vendedor deve ter patrimônio suficiente para pagar todas as dívidas que possui no momento da venda da empresa, olha só o que diz o Prof. André Luiz Santa Cruz Ramos[2] sobre o assunto:

“Sendo assim, o empresário que quer vender o estabelecimento empresarial deve ter uma cautela importante: ou conserva bens suficientes para pagar todas as suas dívidas perante seus credores, ou deverá obter o consentimento destes, o qual poderá ser expresso ou tácito. Com efeito, caso não guarde em seu patrimônio bens suficientes para saldar suas dívidas, o empresário deverá notificar seus credores para que se manifestem em 30 dias acerca da sua intenção de alienar o estabelecimento. Uma vez transcorrido tal prazo in albis, o consentimento dos credores será tácito, e a venda poderá ser realizada.”

A falta deste consentimento gera a ineficácia do contrato em relação a terceiros.

Isso é tão sério que pela lei de falências o trespasse irregular pode dar ensejo ao pedido de quebra do empresário (art. 94, inciso III, alínea “c” da Lei 11.101/2005).


Débitos e Créditos

Os débitos do empresário vendedor do estabelecimento, conforme visto acima, não são considerados como elementos, por isso, em regra o adquirente do estabelecimento empresarial não responde por nenhum débito anterior à sua compra.

Existem, porém, é claro, as exceções:

– O adquirente responde obviamente pelos débitos do estabelecimento que constarem no contrato de trespasse.

– Responde também pelo débitos que estiverem regularmente contabilizados e inscritos nos livros mercantis obrigatórios (os livros contábeis da empresa).

Nestes dois casos o vendedor do estabelecimento responde solidariamente (junto com o comprador) nas dívidas pelo período de um ano. Para as que já venceram começa a contar esse prazo da data da publicação do contrato de trespasse e, para as que ainda não venceram, a contar da data de seu vencimento.

Também são exceções as dívidas trabalhistas (artigo 448 da CLT) e as tributárias (artigo 133 do CTN) que são reguladas por legislação especial.

A exceção da exceção se dá pelo fato de que, segundo a Lei 11.101/05 (lei de falências e recuperação judicial),  a venda de um estabelecimento empresarial que seja feita em um processo de falência ou de recuperação judicial não acarreta, para o adquirente do estabelecimento, nenhum ônus, ou seja, o adquirente não responderá pelas dívidas anteriores do alienante, inclusive dívidas tributárias e trabalhistas.

Quanto aos créditos que vierem com o estabelecimento, a partir do momento da publicação da transferência na imprensa oficial, estes devem ser pagos diretamente ao adquirente. Porém, caso algum devedor pague a dívida ao antigo proprietário, fazendo isso de boa-fé, estará exonerado da dívida, devendo o adquirente cobrar o valor do antigo proprietário.


Cláusula de não concorrência

O artigo 1147 do CC/02 ensina que, mesmo que o contrato não seja expresso neste sentido, o alienante não pode fazer concorrência com o  comprador do estabelecimento pelo prazo de 5 anos. Entende a doutrina majoritária que este prazo pode regularmente ser diminuído em contrato porém, cláusula que o aumente pode ser revista judicialmente, se abusiva (Enunciado 490 da Jornada de Direito Civil).

Entretanto, pode-se constar livremente no contrato a chamada “cláusula de raio” que indica a distância a que o vendedor pode instalar uma empresa para fazer concorrência, contanto que não prejudique os negócios do comprador.

Obviamente que a regularidade destas cláusulas deve passar pelo crivo do princípio da boa-fé objetiva, que talvez seja o princípio mais importante das relações contratuais hoje em dia.


Sub-rogação dos contratos – A locação

Todos os contratos feitos com o estabelecimento que está sendo vendido, e que digam respeito a exploração da atividade empresarial, se sub-rogam automaticamente ao comprador, isto é, os contratos de fornecimento, de trabalho, de prestação de serviços gerais, automaticamente passam para o adquirente cumprir.

As exceções se dão quanto aos contratos de caráter pessoal no seu cumprimento, esses não se sub-rogam e continuam em nome do vendedor do estabelecimento empresarial. São exemplos destes contratos os firmados com um advogado ou escritório de advocacia.

Para todos que se sub-rogam é possível aos terceiros rescindirem os contratos em até 90 dias a contar da publicação da transferência do estabelecimento, se houver justa causa.

Quanto ao contrato de locação porém existe uma polêmica: sub-roga-se automaticamente ou não?

Na I Jornada de Direito Comercial, foi aprovado o Enunciado 8, com o seguinte teor: “A sub-rogação do adquirente nos contratos de exploração atinentes ao estabelecimento adquirido, desde que não possuam caráter pessoal, é a regra geral, incluindo o contrato de locação”.

Ocorre porém, que no entendimento de diversos doutrinadores e, pela inteligência da lei de locações (artigo 13 da Lei nº8245/91) o contrato de locação é de caráter pessoal, portanto deve-se entender necessária a concordância prévia do locador do imóvel onde se situa o ponto empresarial para que o adquirente do estabelecimento suceda o alienante como locatário. Acrescenta-se aí o fato de que o contrato de fiança é de caráter personalíssimo e se essa é a garantia do contrato de aluguel feito pelo antigo proprietário, mesmo que o contato em si se sub-rogue com a devida autorização do locador do imóvel, a fiança considera-se extinta, devendo o fiador se desonerar e o locador exigir nova garantia para a continuidade do contrato, sob pena de ação de despejo.


Clientela e Aviamento

Estes aspectos, juntamente com os débitos e os contratos personalíssimos, não fazem parte dos elementos do estabelecimento, mas são de importante esclarecimento no caso de sua alienação.

Mas o que é um e o que é o outro?

  • Clientela pode ser entendido como o conjunto de pessoas que comparecem ao estabelecimento empresarial para adquirir os produtos e serviços do empresário.
  • Aviamento é entendido como o potencial de gerar lucro, produzido pelo estabelecimento empresarial.

O aviamento e a clientela são entendidos como uma qualidade ou um atributo do estabelecimento.

Para se ter uma ideia da importância do aviamento, basta dizer que muitas vezes é em função dele que se calcula o valor do estabelecimento. O prof. Gladston Mamede em seu livro sobre direito empresarial traz o exemplo da Microsoft[3] do bilionário Bill Gates, que em 1999 atingiu um valor de mercado igual a U$ 507,5 bilhões, o que lhe valeu o posto, naquele momento, de empresa mais cara da história. Ocorre que, não obstante seu valor de mercado fosse mais de quinhentos bilhões de dólares, a Microsoft possuía “apenas” U$ 11 bilhões em ativos reais e faturava anualmente U$ 15 bilhões, sendo então a 127.ª maior empresa do mundo.

O Superior Tribunal de Justiça, na análise do REsp 704.726/RS, pela Ministra Eliana Calmon, já decidiu inclusive que até um empresa temporariamente inativa deve ser avaliada levando-se em consideração o seu potencial aviamento.

A clientela, por sua vez, é um reflexo externo do aviamento e também é protegida pelo direito concorrencial.

Por outro lado, como não são elementos do estabelecimento empresarial, se houver queda no aviamento ou na clientela, este fato, por si só não enseja a revisão do contrato.


Pois bem.

Apesar de todas as informações passadas no presente artigo, a venda de um estabelecimento empresarial envolve sempre diversas questões jurídicas e, dependendo de seu tamanho, é passível de uma análise (chamada comumente de due dilligence) em que são analisados todos os documentos contábeis, contratos, processos, impedimentos fiscais, administrativos etc. geralmente com o intuito de aferir o real valor da empresa.

Espero, porém, que com estas informações seja possível aclarar ao menos um pouco a questão da venda de estabelecimento empresarial, possibilitando aos leitores uma análise inicial mais apurada, se estiver vendendo ou comprando uma empresa.


Bibliografia consultada:

[1] BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. São Paulo: Max Limonad, 1964.

[2] RAMOS, André Luiz Santa Cruz   Direito empresarial esquematizado – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo : MÉTODO, 2014, p.118.

[3] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. São Paulo: Atlas, 2004. v. 1.

Advogado. Diretor Jurídico e de Relações Institucionais da Câmara Municipal de Salto de Pirapora/SP. Pós-graduado em Direito Contratual e em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito. Entusiasta da Mediação e da Arbitragem (pública e privada).

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