No imaginário popular as características centralizadoras dominam os discursos, e predomina o entendimento de que a Lei Federal sempre prevalecerá e será aplicável aos fatos locais e regionais. De fato, em grande parte, a União possui competência para editar normas de caráter gerais aplicáveis a todos os entes federados, no entanto em algumas questões a Constituição individualiza as competências de cada membro federado.
Com base em tais observações, criamos o presente texto para facilitar a compreensão das normas existentes e aplicáveis aos servidores públicos em geral.
Observe que a Constituição de 1988 definiu os moldes do Estado Brasileiro que é caracterizado pela Federação. Isso implica que a Constituição ao repartir o poder político-administrativo no território o fez de forma descentraliza.
Segundo a doutrina, existem duas formas de distribuição do poder político-administrativo no território: a forma centralizada e a forma descentralizada; são os chamados Estados Unitários e os Estados Federados, respectivamente.
De acordo com José Nilo de Castro “a noção de federação (latim: foedus, eris, aliança, associação ou pacto) vincula-se a ideia de união, de modo permanente de dois ou mais Estados em um só, o Estado Federal”.
A Federação brasileira está exposta no art. 1º e 18º da Constituição Federal, veja:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”
“Art. 18. A Organização Político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”
Observa-se no trecho acima que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios formam entes autônomos de acordo com a Constituição. Sendo assim, quando a Constituição atribuir competências individualizadas a cada um desses entes, ele terá autonomia para legislar e/ou administrar essa competência.
Conforme o Professor Carvalho Filho, a autonomia federativa implica na sua capacidade de auto-organização, ou seja, cada ente poderá criar seu diploma constitutivo; autogoverno, onde o ente poderá organizar seu governo e eleger seus dirigentes sendo consequência da descentralização política, característica precípua da Federação e auto administração que indica que o Ente federado poderá organizar seus próprios serviços.
“É este último aspecto que apresenta relevância para o tema relativo à administração pública. Dotadas de autonomia e, pois, da capacidade de autoadministração, as entidades federativas terão por via de consequência, as suas próprias administrações, ou seja, sua própria organização e seus próprios serviços inconfundíveis com o de outras entidades”.
Toda organização necessita de recursos básicos para a manutenção de suas atividades, dentre eles o recurso de pessoal é imprescindível para a criação e manutenção qualificada de serviços.
Nesse sentido, a Constituição Federal determina no art. 39, original, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreiras para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
Tal dispositivo ratifica a autonomia dos entes federados no âmbito da sua auto administração.
O que quer dizer que a União, Estados, Municípios e o Distrito Federal têm o poder-dever de legislar sobre o regime jurídico de seus servidores e executá-los.
Cabe ressaltar que tais regimes jurídicos devem levar em conta à observância dos princípios administrativos e os direitos dos servidores já explícitos no texto constitucional, respeitando assim, a fonte de legitimidade do ordenamento jurídico.
No âmbito da União foi editada a Lei 8.112/93 que se aplica aos servidores públicos da União, no âmbito do Estado de Pernambuco ainda vige a Lei 6.123/68 que criou o Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de Pernambuco.
Assim sendo, percebe-se que apesar da idade do dispositivo constitucional, na prática nem todos os entes administrativos, e essencialmente os Municípios, criaram seus respectivos regimes jurídicos, muito menos planos de cargos e carreiras para os servidores da administração.
Com foco no Estado de Pernambuco notamos que alguns Municípios emitiram legislações “tapa buraco”, declarando que o estatuto dos servidores civis do Estado de Pernambuco é recebido como seu próprio regime jurídico, desconsiderando assim totalmente as peculiaridades locais que deveriam ser analisadas a fim de elaboração de norma desse porte.
Contudo, cabe destacar que a atualização realizada à norma Estadual não é de aplicação compulsória aos Municípios, esses devem submeter suas próprias atualizações à Câmara Municipal de Vereadores.
Nesse sentido se pronuncia o Tribunal de Contas do Estado:
Decidiu o Tribunal de Contas do Estado, à unanimidade, em sessão ordinária realizada no dia 28 de maio de 2008, responder ao Consulente nos exatos termos respondidos no Processo TC nº 0705003-3, através da Decisão TC nº 0237/08, aprovada pelo Pleno, como segue:
I – Ao receber uma lei estadual, o município está recebendo a norma atualizada desta lei, com todas as alterações promovidas pelo legislador estadual até a data de sua apreciação na esfera municipal;
II – Alterações posteriores à aprovação da lei receptora deverão ser apreciadas pelo legislativo municipal, de acordo com a competência constitucional, sendo nulo, no âmbito do município, todo e qualquer efeito pretendido pelo Estado até que a Câmara de Vereadores aprove as alterações;
III – Da mesma forma, a lei recebida não produz efeitos no município em data anterior à publicação da Lei receptora.
Decidiu o Tribunal de Contas do Estado, à unanimidade, em sessão ordinária realizada no dia 28 de maio de 2008,
CONSIDERANDO que a presente consulta atende aos pressupostos de admissibilidade estabelecidos no artigo 110 do Regimento Interno desta Corte de Contas;
CONSIDERANDO o disposto no artigo 2°, inciso XIV, da Lei Estadual n° 12.600/04 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado),
CONHECER da presente consulta e, no mérito, responder ao consulente nos seguintes termos:
Caso o Município tenha adotado o Estatuto dos Servidores Públicos Estaduais (Lei Estadual nº 6.123/68), as alterações posteriores concretizadas pelo Estado de Pernambuco na citada lei não são automaticamente válidas para os servidores municipais, devido à autonomia administrativa e financeira atribuída aos Municípios pelos artigos 1º, 18 e 29 da Constituição Federal. Somente Legislação Municipal possui competência para dispor sobre regras relativas a servidores municipais.
Decidiu o Tribunal de Contas do Estado, à unanimidade, em sessão ordinária realizada no dia 27 de fevereiro de 2008, responder ao Consulente nos exatos termos propostos pela Auditoria Geral deste Tribunal, na fl. 08 dos autos, como segue:
“I – Ao receber uma lei estadual, o município está recebendo a norma atualizada desta lei, com todas as alterações promovidas pelo legislador estadual até a data de sua apreciação na esfera municipal;
II – Alterações posteriores à aprovação da lei receptora deverão ser apreciadas pelo legislativo municipal, de acordo com a competência constitucional, sendo nulo, no âmbito do município, todo e qualquer efeito pretendido pelo Estado até que a Câmara de Vereadores aprove as alterações;
III – Da mesma forma, a lei recebida não produz efeitos no município em data anterior à publicação da Lei receptora”.
Tais diferenciações e considerações sobre os diferentes regimes jurídicos existentes no âmbito de nossa federação, todos convivendo harmonicamente, incidindo sobre as entidades que lhes criaram e seus servidores, como decorrência do pacto federativo, são de relevante importância no dia a dia da Administração Pública Municipal, posto ser comum a verificação de decisões administrativas e emissão de pareceres jurídicos e outros documentos que usam como fundamentação, dispositivos claramente não aplicáveis àquele ente federado, por desconhecimento da existência de múltiplos regimes jurídicos no âmbito da administração pública.
Por isso, destaca-se a importância desse pequeno texto para as administrações, gerências de pessoal, procuradorias e controladorias dos órgãos públicos Municipais, para que equívocos de tal natureza evitem prejuízos à terceiros causados por mero descuido da Administração.
Conclui-se com uma dica relevante na hora de analisar o caso a caso em seu departamento, sempre que se for analisar a situação do servidor público devemos nos questionar ao menos inicialmente: A qual ente político este servidor pertence? Qual a legislação do ente político aplicável ao servidor? E aí assim teremos o mínimo de arcabouço jurídico para o exame in concreto.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Lei n. 8.112 de 18 de abril de 1991, Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8112cons.htm, Acesso em: 03.06.2016.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: atlas, 2012.
CASTRO, JOSÉ NILO DE, Considerações sobre o Federalismo, R. Inf. Legisl, Brasília, ed. 22, n. 85, jan-mar 85.
PERNAMBUCO. Lei. N. 6.123 de 20 de julho de 1968.
Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de Pernambuco. http://legis.alepe.pe.gov.br/, Acesso em 03.06.2016.
TRIBUNAL PLENO, Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, consulta processo t.c. nº 0802545-9, Wanderlei Braz da Silva, Diretor Presidente da Autarquia de Previdência dos Servidores do Município de Riacho das Almas – RIACHOPREV. Relator: conselheiro Valdecir Pascoal, 08 de julho de 2008.
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