quinta-feira,28 março 2024
ColunaDiálogos ConstitucionaisOs limites constitucionais ao exercício da livre manifestação do pensamento

Os limites constitucionais ao exercício da livre manifestação do pensamento

Em tempos estranhos em que a liberdade de pensamento vem sendo diuturnamente questionada e atacada tanto pelos particulares como por autoridades públicas dos poderes executivo, legislativo e judiciário, importa examinar os limites para que o exercício do referido direito constitucional seja reputado regular, e, em qual hipóteses, o referido exercício pode ser considerado irregular.

As liberdades de informação e de expressão não têm, a rigor, o mesmo significado, distinguem-se pelas seguintes premissas: a primeira diz respeito ao direito individual de
comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles
informado; a segunda destina-se a tutelar o direito de externar
ideias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do
pensamento humano. Vale dizer, a liberdade de informação protege a divulgação de fatos, dados, qualidades, objetivamente apuradas, e a liberdade de informação materializa a livre expressão do pensamento por qualquer meio, seja a criação artística ou literária, que inclui o cinema, o teatro, a novela, a ficção literária, as artes plásticas, a música, até mesmo a opinião publicada em jornal ou em qualquer outro veículo (cf. Luis Gustavo  Grandinetti Castanho de Carvalho. Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 25).

O direito de expressão consiste na liberdade básica de expressar os pensamentos, ideias, opiniões, crenças, isto é, trata-se do poder de manifestar-se favorável ou contrariamente a uma ideia, é a realização de juízo de valor e críticas, garantindo-se a participação da cidadania no fluxo de informações na vida coletiva, mercê dos meios de comunicação típicos e os meios atípicos, tais como oriundos dos meios tradicionais (tv, rádio e jornais) e as mídias sociais (variação da internet).

Com efeito, tais postulados asseguram, pois, a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda a natureza, não se sujeitando a qualquer medida de censura prévia, mas a responsabilidades civil e penal sempre a posteriori, quando se eventualmente constatar a prática de atuação com dolo e/ou culpa graves voltadas a atingir outros direitos também de grande magnitude, tais como os direitos de privacidade, do respeito à honra e à dignidade da pessoa humana, configurando o propósito deliberado de externar injúria, difamação ou calúnia.

O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceado pelo Estado ou por particular, e o direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, e de ser informado. A liberdade de informar e de ser informado refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferindo em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações.

De qualquer modo, a impossibilidade de censura prévia não exclui o exame posterior, casuístico, de matérias que eventualmente ofendam a honra e a moral objetiva de cidadãos e instituições, afastando-se do postulado constitucional da liberdade de informação (STF, ADI 4815, Rel. Min. Carmen Lúcia, e STJ, REsp nº 1.504.833/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão).

A par do escopo da liberdade de manifestação de pensamento, afigura-se  lícita a divulgação de fatos verídicos, de fatos verossímeis, ainda com a veiculação de críticas veementes, que podem atingir a honra e a imagem alheias, de sorte que o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, satíricas, ríspidas, humorísticas, ainda que não compartilhadas pelos consensos de uma suposta maioria.

Com efeito, a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento, não se restringe aos direitos de informar e de buscar informação, mas abarca outros que lhe são correlatos, tais como os direitos à crítica e à opinião. Portanto, ainda que feita de forma contundente ou irônica, a crítica jornalística é, em princípio, legítima e de interesse social, sobretudo quando diz respeito a pessoas públicas. As manifestações de pensamento sobre fatos referentes a interesse público, a agentes públicos, a pessoas públicas, a fatos verdadeiros, a fatos verossímeis, ainda que providas dos atributos da crítica veemente, da sátira/ironia, não configura, por si só, a ocorrência de ato ilícito passível de censura judicial (conferir STF, ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto; STJ, REsp nº 801.109/DF, Rel. Min. Raul Araujo).

As liberdades de informação, de expressão e de imprensa, por não serem absolutas, encontram limitações ao seu exercício na própria Constituição Federal, compatíveis com o regime democrático, tais como o compromisso ético com a informação verossímil; a preservação dos direitos da personalidade; e a vedação de veiculação de crítica com fim único de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi e diffamandi).

Como já assentado, a pedra de toque para aferir-se legitimidade na crítica jornalística é sobretudo o interesse público, observada a razoabilidade dos meios e formas de divulgação da notícia, devendo ser considerado abusivo o exercício daquelas liberdades sempre que identificada, em determinado caso concreto, a agressão aos direitos da personalidade, legitimando-se a intervenção do Estado-juiz para fins de responsabilização civil (STJ, REsp 1.627.863/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Por conseguinte, não existe exercício irregular de manifestação do pensamento, quando o particular veicula informação abordando (i) fato verídico, (ii) fato verossímil, (iii) fato verídico e/ou verossímil que demanda o interesse coletivo por se reportar a agentes públicos, a pessoas públicas e/ou a assunto de interesse coletivo, (iv) fato que é extraído de uma “verdade subjetiva” oriunda de uma investigação prévia e séria na sua aferição, (v) fato veiculador de informação com animus narrandi e animus criticandi, tendo em vista o caráter informativo da notícia; (vi) divulgação de juízo crítico de valor sobre fato, ainda que não configurado como verdadeiro ou passível de confirmação, sem a finalidade criminosa de gerar difamação, calúnia e/ou injúria.

Um assunto de significativa importante refere-se à noção de divulgação de fato reputado verdadeiro. Como assinalado por Luís Roberto Barroso, advirta-se que não se exige para a proteção anunciada uma verdade absoluta, mas aquela que se extrai da diligência do informador, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos, de sorte que, “para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade” (Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm). Em idêntico sentido, confira-se a lição de que, se, por um lado, não se permite a leviandade por parte da imprensa e a publicação de informações absolutamente inverídicas que possam atingir a honra da pessoa, não é menos certo, por outro lado, que da atividade jornalística não são exigidas verdades absolutas, provadas previamente em sede de investigações no âmbito administrativo, policial ou judicial. O dever de veracidade ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa não deve consubstanciar-se dogma absoluto, ou condição peremptoriamente necessária à liberdade de imprensa, mas um compromisso ético com a informação verossímil, o que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas (REsp 680.794/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Em hipótese de responsabilidade civil, com imputação de violação a direitos de personalidade, de honra e de intimidade, o veículo de comunicação pode se eximir da obrigação de indenizar, quando restar demonstrado que buscou fontes fidedignas, exercendo atividade investigativa, ouvindo as diversas partes interessadas e afastando quaisquer dúvidas sérias quanto à verossimilhança do que divulgará, de sorte que a verdade divulgada foi eivada do atributo da boa-fé que se espera dos meios de comunicação social.

Mesmo que o contexto seja da presença de interesse público e/ou coletivo a justificar a manifestação de pensamento em tom crítico, não há como permitir que o exercício da manifestação descambe para ofensas pessoais, tais como xingamentos e palavrões, sob pena de configurar manifesto exercício irregular de direito.

Convém ressalvar que pessoas públicas e notórias não deixam, só por isso, de ter o resguardo de direitos da personalidade, embora em menor alcance do que o particular comum. As pessoas públicas, quer porque exercem funções públicas, quer porque exercem atividades privadas com repercussão coletiva, têm que se submeter ao crivo dos questionamentos e das críticas, ainda que veementes e ásperas, quando eivadas do animus narrandi e animus criticandi.

Confira-se, a este respeito, o entendimento firmado pelo Min. Celso de Mello, por ocasião do julgamento da ADPF 130/DF, de que a crítica jornalística traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer parcela de autoridade no âmbito do Estado, pois o interesse social, fundado na necessidade de preservação dos limites ético-jurídicos que devem pautar a prática da função pública, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar os detentores do poder. A crítica que os meios de comunicação dirigem às pessoas públicas, especialmente às autoridades e aos agentes do Estado, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade. Vê-se, pois, que a crítica jornalística, quando inspirada pelo interesse público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na condução dos negócios do Estado, não traduz nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão de abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, à possibilidade de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo.

Em tese, as opiniões equivocadas, quando demonstrado o cuidado investigativo prévio do órgão de comunicação, devem ser protegidas enquanto tais, pois mesmo elas contribuem, no procedimento dialógico da sua refutação, para o debate e o esclarecimento da verdade, desde que nelas não haja a intenção (dolo ou culpa grave) em ofender os direitos de personalidade de terceiros.

De outro lado, para que se reconheça o exercício irregular do direito de manifestação, com a consequente responsabilidade civil e/ou criminal a posteriori, torna-se indispensável constatar a presença dos seguintes requisitos: (i) ato eivado de dolo e/ou de culpa grave, com animus de difamação, de calúnia e/ou de injuria; (ii) imputação peremptória de fato inverídico ou de fato manifestamente inverossímil desprovido de qualquer investigação prévia anterior em busca da obtenção da verdade “subjetiva”; (iii) agressão aos postulados de proteção dos direitos de personalidade da vida privada, da intimidade e/ou da honra, enfim, da dignidade da pessoa humana.

Por fim, em voto proferido em agosto de 2020, no julgamento da AP n. 1021, o Min. Luiz Fux, invocando a lição de John Stuart Mill, destacado estudioso da matéria, asseverou que “o direito de expressão se fundamenta na potencialidade concreta que toda opinião possui, mesmo equivocada, de contribuir para que compreendamos com mais clareza a verdade. Isto, porque opinião que se tenta suprimir por meio da autoridade talvez seja verdadeira. Os que desejam suprimi-la negam, sem dúvida, a sua verdade, mas eles não são infalíveis. Não têm autoridade para decidir a questão por toda a humanidade nem para excluir os outros das instâncias do julgamento. Negar ouvido a uma opinião porque se esteja certo de que é falsa, é presumir que a própria certeza seja o mesmo que certeza absoluta. Impor silêncio a uma discussão é sempre arrogar-se infalibilidade. (…) Se a opinião é certa, aquele foi privado da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se errônea, perdeu o que constitui um bem de quase tanto valor — a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade, produzidas pela sua colisão com o erro (John Stuart Mill, On Liberty, capítulo 1, domínio público)”.

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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