quinta-feira,28 março 2024
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Os direitos dos entregadores de aplicativo

Coordenador: Ricardo Calcini.

Muito comum hoje em dia, ainda mais com o isolamento social e o fechamento do comércio, são os pedidos de almoço e jantar por aplicativo. Este tipo de serviço tem tido uma crescente demanda durante a quarentena e, por consequência lógica, maior precarização do serviço.

O serviço é prestado, na maioria das vezes, por pessoas que utilizam de motocicletas ou bicicletas como meio de trabalho. Mas há casos, como já divulgado na mídia, de entregadores que vão a pé, sem nenhum meio de transporte, para realizar as entregas.

Como é sabido, o motoboy por aplicativo é como um empregado autônomo, pois não sofre subordinação em relação à empresa que presta serviços. Não tem o requisito pessoalidade, também não é obrigado a prestar serviços em dias determinados, e nem mesmo tem controladas suas horas de trabalho.

Aliás, há impossibilidade de se considerar a subordinação para os empregados que elegem os dias que prestarão serviços, conforme o seu bem entender, uma vez que não há nenhum imposição da empresa, seja pelo dia que ditos trabalhadores irão laborar, seja pela quantidade de horas irão se dedicar ao serviço.

E, mais, nem sequer há exclusividade, pois os motoboys por aplicativos prestam os serviços há pelo menos duas empresas concorrentes, o que demonstra a ausência de exclusividade, como também não há fiscalização das empresas se o serviço é prestado com pessoalidade.

No entanto, mesmo não se enquadrando como empregado e protegido pela legislação laboral, assim como todos os demais empregados têm eles direito há um trabalho digno, bem como o respeito à condição de sua pessoa humana, conforme preceitua a Constituição Federal do Brasil.

A dignidade da pessoa humana tem como objetivo colocar as pessoas em uma situação de igualdade, ainda que desiguais, para participar da vida social e da busca de suas aspirações de vida, em condições equitativas e equilibradas.

E por esse motivo, o Estado Democrático brasileiro tem como um dos objetivos a promoção do trabalho digno, sendo responsável pela tarefa de promover medidas que concretizem esse ideal, pois o trabalho degradante atinge não apenas o físico da pessoa, mas também o seu íntimo, o seu intelecto, a sua moral etc, já que é o trabalho que, além de proporcionar o sustento da família, dá sentido à vida.

Lado outro, ao mesmo tempo em que o trabalho constrói a identidade social da pessoa, pode também destruir sua existência, se não for exercido com condições mínimas, representando também fator de integração com o semelhante, de equilíbrio psíquico e emocional através da consciência de utilidade social.

Neste cenário, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dispõe, em seu artigo 23, que “Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

Já para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o conceito de trabalho digno abrange vários elementos, tais como: oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho, proteção social para as famílias; melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens.

Deste modo, independentemente da existência de normatização própria destinadas aos entregadores, a proteção ao trabalho, seja ele com vínculo ou não, em sua inteireza, é questão de solidariedade social.

E por isso, mesmo que não haja vínculo entre o motoboy de aplicativo e as empresas que ele presta serviços, lhe deve ser garantido o bem-estar pela distribuição de trabalho e renda suficiente a retribuir o serviço prestado.

Ora, esses empregados laboram mais de 12 horas por dia, chegando até mesmo a trabalhar por 20 horas, ganhando muito pouco e em condições precárias, já que muitos deles laboram de bicicleta ou mesmo a pé, percorrendo muitos quilômetros.

A BBC News entrevistou recentemente esses trabalhadores e um deles relatou que ganha 20 reais no período da manhã, e mais R$ 1,50 por refeição entregue. E isso tudo muitas vezes pedalando por muitas horas, o que, claramente, requer um grande esforço físico desses trabalhadores.

Certo é que a empresa não mantendo nenhum vínculo com esse empregado, não tem obrigação de fiscalizar os prestadores de serviço dessa modalidade de trabalho, até mesmo para que o controle das horas trabalhadas não gerem obrigações trabalhistas, mas devem garantir, pelo menos uma boa retribuição pelo serviço prestado.

No entanto, há algumas medidas que não caracterizam vínculo de emprego e melhoram a prestação de serviços dessas pessoas. A iFood, que é a maior foodtech da América Latina, já fez postos de descanso, onde disponibiliza café, água, banheiro e pufes para descanso desses prestadores de serviços, mas, ao que parece, a ação foi temporária.

Ações como essas contribuem com o bem-estar desses trabalhadores, sem configurar o vínculo de emprego entre as partes, devendo permanecer ininterruptamente, favorecendo a muitos trabalhadores.
Os motoboys por aplicativo ficam muitas vezes desamparados, pois apenas recebem pelo serviço prestado, não havendo pagamento de férias ou décimo terceiro salário. Aliás, nem mesmo têm a garantia de que, caso sofram acidente durante a prestação de saúde, terão reconhecido o acidente de trabalho.

No que tange ao acidente durante a prestação de serviços, quando não se é empregado, devemos ressaltar que o trabalhador autônomo é um contribuinte individual e, assim, tem obrigação de recolher a contribuição previdenciária. Assim procedendo, tem direito ao benefício do INSS enquanto perdurar o afastamento da atividade.

Quanto aos demais direitos que são previstos na legislação trabalhista, o motoboy apenas a eles terão direito se comprovar o vínculo empregatício. Logo, deve comprovar a pessoalidade na prestação de serviços, o controle de horários, a obrigação de dar feedback à empresa sobre seu serviço, além do efetivo controle da empresa.

Deste modo, quanto aos direitos trabalhistas, o motoboy ou deve ser registrado, ou deve comprovar o vínculo de emprego para que consiga judicialmente o pagamento dos haveres trabalhistas.

Coordenadora acadêmica da coluna "Trabalhista in foco" no Megajurídico.

Coordenadora acadêmica da coluna "Trabalhista in foco" no Megajuridico®. Advogada trabalhista, especialista em Direito e Processo do Trabalho (EPD), especialista em Direito Previdenciário (LEGALE) e especialista em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista (IEPREV). Autora de artigos e livros jurídicos. Profissional Certificada com CPC-A.

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