quinta-feira,28 março 2024
ColunaTrabalhista in focoOs altos empregados e sua regulamentação trabalhista

Os altos empregados e sua regulamentação trabalhista

Coordenador: Ricardo Calcini.

 

Uma característica comum das relações de trabalho é a presença de um prestador de serviços hipossuficiente, ou seja, que possui menor força para reivindicar seus interesses porque se encontra em posição de certa inferioridade na relação laboral diante da parte contratante.

No entanto, tal panorama pode ser diferente nas relações que envolvem alguns tipos de trabalhadores, como os que atingem um certo grau na hierarquia das companhias, por exemplo, e que em decorrência dessas características próprias envolvem questões jurídicas bastante interessantes.

O diretor de uma Sociedade Anônima é notadamente uma dessas figuras, pois, inicialmente, há um debate se ele seria ou não empregado, ou seja, se nesta relação de trabalho haveria o vínculo empregatício.

Nos casos das empresas S/A, a diretoria é um órgão da sociedade, e é por meio de seu diretor que a sociedade é administrada, comandada.

Quando este trabalhador já é admitido no cargo de diretor, uma primeira corrente entende pela incompatibilidade entre o exercício de um cargo de mando e administração, considerando o nível hierárquico, além do requisito da subordinação existente na relação de emprego.

Esse pensamento advém do posicionamento dito negativista ou tradicional, reforçado pelo fato de que este trabalhador seria um mandatário da sociedade ou mesmo que ele seria um órgão da sociedade[1].

Neste sentido de entendimento, no caso de Sociedades Anônimas, a figura seria a própria do empresário, e não empregado, já que tem independência e sofre os riscos de responder com seus bens pessoais em caso de atos contrários à lei, aos fins sociais ou abuso de personalidade jurídica (Lei nº 6.404/76, art. 158, II, art. 239, parágrafo único, e Lei nº 6.024/74, arts. 39 e 40, e Código Civil, art. 50) [2].

A segunda corrente entende que, mesmo exercendo o cargo de direção, o trabalhador continua sendo subordinado, não podendo ser confundida a sua figura com o dono do negócio, e consequentemente restaria configurado o vínculo empregatício.

Existe ainda a figura do empregado que faz uma carreira na empresa e, posteriormente, ele é eleito como diretor da sociedade, especificamente uma sociedade anônima.

Para este caso, existem quatro correntes de pensamento.

A primeira delas entende haver uma extinção do contrato de emprego de forma automática à assunção ao cargo de diretor, pois incompatíveis ambas situações, ou seja, empregado e diretor.
A segunda corrente expõe que haveria apenas uma suspensão do contrato do empregado, desde que inexistente a subordinação jurídica inerente da relação de emprego. Quanto a esta corrente, o TST a encampa, conforme a Súmula 269.

Um terceiro entendimento expõe que o contrato é interrompido, pois o tempo de trabalho é computado para todos os fins legais.

E para a quarta corrente de entendimento o trabalhador não terá o vínculo de emprego somente em caso de confusão de sua figura com a do proprietário da empresa ou acionista controlador.
Destaca-se que, no caso de empregado eleito para o Conselho de Administração de uma Sociedade Anônima, a Lei nº 6.404/76 instituiu o Conselho de Administração como órgão obrigatório nas sociedades anônimas, de capital autorizado, de deliberação colegiada.

O referido Conselho não tem poder de representação da sociedade, já que é exclusivo da diretoria e, dessa forma, um empregado eleito mantém a relação de emprego, pois não há poderes de representação da sociedade.

Com relação a trabalhadores como esses que ocupam cargos de gestão em grandes empresas, em sendo entendido pela manutenção ou configuração do vínculo de emprego, como dito acima, a legislação trabalhista concedeu novo tratamento a eles, nos termos da Lei nº 13.467/17, baseado nos ganhos salariais que geralmente são bastante superiores aos de um trabalhador comum e, por esse motivo, não são considerados hipossuficientes, mas sim hiperssuficientes.

Tal configuração é dada pela CLT, que no art. 507-A dispõe uma regra objetiva para o trabalhador ser considerado um hiperssuficiente, ou seja, ter remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Este trabalhador, inclusive, poderá pactuar cláusula compromissória de arbitragem, o que implica, de certa forma, ter sua demanda afastada do Poder Judiciário.
A este trabalhador é possibilitada a realização de livre estipulação no seu contrato quanto às mesmas matérias que a norma coletiva poderá se sobrepor à lei, ou seja, aquelas elencadas no art. 611-A da CLT.

Note-se que em tais matérias podemos notar a possibilidade de livre estipulação sobre o adicional de insalubridade, participação nos lucros ou resultados da empresa, modalidade de registro da jornada de trabalho e regulamento empresarial.

Atualmente, o valor de remuneração utilizado como critério para preenchimento do requisito para um trabalhador ser considerado hiperssuficiente está no montante de R$ 11.678,90, o que representa mais de onze vezes o salário mínimo atual (R$ 998,00). Contudo, tal requisito não necessariamente reflete uma alteração na estrutura jurídica da relação de emprego capaz de tirar a proteção que o conceito de hipossuficiência traz para os empregados comuns.

Isto porque, em que pese existam trabalhadores como os citados no início do presente artigo, que ocupam cargos muito elevados e que geralmente são profissionais muito bem qualificados – o que lhes garantem certo “poder de negociação” perante o empregador -, é certo que o piso remuneratório também abarca empregados totalmente subordinados e dependentes de seus empregos.

Nessa hipótese, pode-se mencionar os empregados com nível de escolaridade elevados e alta qualificação, ou que exercem profissões que possuem histórico de melhores remunerações, como no caso dos médicos, advogados, engenheiros, atores, atletas, gerentes etc.

Ao analisar a figura desses empregados, na grande maioria das vezes o que se verifica é uma dependência e subordinação (claro, existentes devido ao vínculo empregatício) que mitigam a força do empregado em impor, ou ao menos manifestar sua vontade, perante o empregador, a respeito de assuntos inerentes do contrato de trabalho, o que ensejaria, em tese, na possibilidade de flexibilização de direitos trabalhistas indisponíveis e consequentes prejuízos a eles.

Além disso, a situação no mínimo delicada do desemprego no país agrava ainda mais a condição desse trabalhador, pois existe a plena consciência de que há milhares (senão milhões) de profissionais com o mesmo nível de qualificação, ou mais qualificados e experientes, em busca de colocação no mercado de trabalho, o que aumenta notadamente o receio de ser substituído por alguém que aceite condições mais precárias de trabalho e que represente um custo menor para o empregador.

Dessa forma, quase sempre o empregado não se vê em condição de exigir algo ou não abrir mão de algum direito ou benefício, pois isso poderia acarretar uma situação pior, o próprio desemprego.
Por todo o exposto, pode-se concluir que as alterações da CLT trazidas pela Lei nº 13.467/2017 (art. 507-A e art. 611-A), no que tange aos ditos trabalhadores hiperssuficientes, para alguns tipos de empregados como os diretores de Sociedades Anônimas (se assim for entendido pelo vínculo de emprego), emergiu uma grande possibilidade de maior fluidez e liberdade nas negociações que envolvem as condições de trabalho, em consonância com o princípio constitucional da livre iniciativa, o que pode ser visto como uma evolução da legislação.

Todavia, em outros casos, considerando o estabelecimento de critérios objetivos para enquadramento desse trabalhador hiperssuficiente, como o valor da remuneração percebido, verifica-se uma situação pouco favorável ao empregado totalmente dependente e subordinado, que por muitas vezes ficará desprotegido (seja por conta da cláusula de arbitragem, por exemplo), e que terá que abdicar de direitos e benefícios dependendo da negociação e das condições lhe impostas para a manutenção ou obtenção de uma vaga de emprego.

Nesse sentido, uma saída seria a escolha de melhores critérios para a caracterização desse trabalhador hiperssuficiente, que não fossem tão subjetivos a ponto de causar insegurança jurídica, mas que pudessem atingir especificamente os empregados que possuem certa alteridade na prestação de seus serviços, e que, principalmente, evitassem qualquer desproteção de outros trabalhadores.

Advogado e professor. Doutorando em Ciências Farmacêuticas, Mestre em Direito da Saúde e especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

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