quinta-feira,28 março 2024
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O trabalho análogo à escravidão

Coordenação: Ana Claudia Martins Pantaleão

 

Nos termos do art. 149 do Código Penal, o crime de escravidão é definido como “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto’. Por outro lado, a Organização Interamericana do Trabalho (OIT), define a prática como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de uma pena qualquer para o qual não se apresentou voluntariamente”.

A viabilidade de um ser humano ter a posse de outro ser humano, foi abolida no ano de 1888, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, no entanto, os reflexos desses cerca de quatrocentos anos são sentidos até o momento e explicam a história moderna.

Em outras palavras, na escravidão contemporânea, não há o tráfico nem comercialização, como ocorria no império, porém a supressão da liberdade segue sendo a forma principal dessa prática. Para Luiz Machado, representante do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil da OIT, as condições atuais são mais sórdidas do que aquelas suportadas pelos escravos até o século XIX, hoje em dia, o indivíduo é descartável. “Se um trabalhador fica doente ou morre, é fácil achar outra pessoa que vai se submeter a isso. Antigamente, os negros podiam ser castigados fisicamente, mas eram bem alimentados, já que um escravo saudável e forte era muito mais valioso”.

O trabalho em condições análogas à escravidão é definido pela jornada extenuante, condições degradantes, retenção de documentos do trabalhador, impedimento da saída do local de trabalho e escravidão por dívida com o empregador ou preposto.

O trabalho escravo no Brasil

O Brasil, no ano de 1995, reconheceu oficialmente, perante a OIT, a existência de trabalho análogo ao escravo no país. A partir daí, houve um comprometimento em erradicar essa prática. Graças à atuação de órgãos públicos de fiscalização inerentes aos três poderes e da atuação de organizações não governamentais, o Brasil vem mapeando e combatendo essa prática que viola os Direitos Humanos do cidadão brasileiro, resguardados pela Constituição Federal.

Do ano de 1995 até 2021, mais de 57 mil trabalhadores foram libertados de condições análogas à escravidão em ocupações nas zonas rural e urbana.
O Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho afirma que mais de 65% das vítimas são trabalhadores rurais.

Também aparecem na lista, profissionais de frigoríficos, carvoeiros, pedreiros, cada categoria representando entre 2% e 3% dos casos. Com relação à escolaridade das vítimas, aproximadamente 40% estudaram até a 5ª série do ensino fundamental e outros 29%, são analfabetos.

Somente em 2021, foram resgatados 1.930 trabalhadores, alta de 106% se comparado ao ano anterior, 2020; procuradora do MPT-RJ refere represamento por causa da pandemia, significativo aumento de denúncias e da vulnerabilidade social como principais causas desse crescimento.

E, também segundo dados do MPT, no ano de 2021, foram recebidas 1.415 denúncias sobre o trabalho escravo, aliciamento de trabalhadores, número 70% acima do registrado em 2020.

Conforme dados da Justiça do Trabalho, a tendência de alta ocorreu também nos tribunais. Desde 2017 até junho de 2022, todas as instâncias trabalhistas julgaram 10.482 processos envolvendo o reconhecimento da relação de emprego de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Em 2020 e 2021 houve um aumento de 41%.

O Ministro Emanoel Pereira, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, enfatiza que o trabalho escravo foi abolido com a Lei Áurea em 1888.

“O trabalho análogo à escravidão é uma chaga que insiste em se fazer presente em nossa sociedade. É uma situação que afronta a Constituição Federal e a dignidade do trabalhador, este um valor inegociável da condição humana’, declara.

No mês de maio deste ano, tornou-se pública a exploração mais longa de uma pessoa em situação de escravidão moderna desde que o Brasil, no ano de 1995, criou um sistema de fiscalização.

No Rio de Janeiro, foi encontrada uma senhora de 86 anos, que trabalhou para uma família por 72 anos, sem descanso semanal, férias, salário, sem a possibilidade de estudar ou de sair do local.

No Brasil, 95% das pessoas subjugadas ao trabalho escravo são homens. Normalmente as atividades para esse tipo de mão de obra exige força física, razão pela qual os aliciadores procuram por homens e jovens. No entanto, mulheres também são expostas a essa prática criminosa. Ainda que representem 5% das pessoas resgatadas na média nacional, há situações em que as mulheres são parcela significativa desse total, como na indústria têxtil no estado de São Paulo, estando sujeitas também a subnotificações em atividades como trabalho doméstico e sexual.

Infelizmente, muitos trabalhadores ainda se encontram em condições de escravidão no Brasil. Seja na construção civil, no trabalho doméstico, na atividade agropecuária, na indústria têxtil ou na mineração, há pessoas que têm seus direitos constitucionais violados diuturnamente. Necessário que a atuação de organizações não governamentais e órgãos públicos que atuam na erradicação do trabalho escravo seja permanente e financiada para essa finalidade.

Caso tolere o trabalho escravo, o Brasil estará violando tratados internacionais e convenções da OIT e a Agenda 2030 da ONU de desenvolvimento sustentável.

A erradicação do trabalho escravo também deve contar com a criação de políticas públicas articuladas que favoreçam a assistência à vítima e a prevenção a essa situação, de maneira que os trabalhadores possam se desvincular da condição de exploração à qual estão ou possam ser subjugados.

Através desse tipo de iniciativa, criado por via da construção de processos formativos, divulgação de informações e promoção de debates sobre trabalho escravo, a sociedade se torna preparada para enfrentar esse problema e denunciar aos órgãos competentes práticas exploratórias.

Assim, é de suma importância que órgãos públicos como o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal e as Polícias Civis, e também organizações não governamentais atuem contra o trabalho escravo e a favor dos Direitos Humanos como prescrito na Constituição Federal. Ainda, há a significativa atuação de organismos internacionais, como a ONU e a OIT, para o combate e erradicação das práticas do trabalho escravo no mundo.

Advogada, Pós Graduada em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale, Conciliadora/Mediadora com formação pela ESA/OAB.

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