quinta-feira,28 março 2024
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O STJ e a responsabilidade civil pelos danos causados em razão da execução e posterior revogação de tutela provisória

Foi concluído um importante julgamento no dia 15.09.2020, em que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.641.020/RJ, relator Min. Marco Buzzi, manifestou-se sobre a responsabilidade civil por danos decorrentes do cumprimento de decisão judicial que, tendo sido deferida em tutela de urgência, fora revogada posteriormente por sentença.
O caso era o seguinte: o Autor da ação obteve uma medida liminar que impediu que o navio Eugênia deixasse o porto do Rio de Janeiro, diante da ameaça de que estaria avariado. Em razão da concessão da medida liminar, o citado navio ficou retido por 431 dias, período em que a Miramar Compania Naviera teve que arcar com as despesas de tripulação, suprimentos, óleo combustível e agenciamento, além de lucros cessantes. Posteriormente, a medida liminar foi cassada, hipótese em que o processo foi extinto sem julgamento do mérito, em razão de cláusula arbitral do foro de Londres como o competente pela análise do conflito.
No próprio processo em que a medida liminar foi revogada, a Miramar Compania Naviera pleiteou a liquidação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes da decisão liminar que foi posteriormente revogada por sentença, amparando-se na legislação processual de regência (CPC/73, art. 811; CPC/2015, art. 302).
O TJRJ decidiu que, como a medida liminar foi concedida ante à presença dos requisitos legais (plausibilidade do direito e perigo da demora), está-se diante da ausência de ato ilícito, de sorte que inexistiria o dever de indenizar. Confira-se a ementa do julgado: “Ação de indenização por danos material e moral que a Autora teria sofrido em razão da retenção de navio no Porto do Rio de Janeiro por força de liminar concedida em medida cautelar proposta pela Ré, tendo sido a ação principal extinta sem apreciação do mérito. Sentença de improcedência. Apelação da Autora e do patrono da Ré. Autora que fundamentou o pedido indenizatório no artigo 811 do CPC, ou, caso assim não se entenda, nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Responsabilidade objetiva do art. 811 do CPC não verificada. Medida cautelar regularmente proposta, tendo sido deferida a liminar ante a plausibilidade do direito e o perigo na demora, tanto que seus efeitos foram mantidos mesmo após a extinção da ação principal. Ausência da prática de ato ilícito. Inexistência do dever de indenizar” (www.stj.jus.br).
No âmbito do STJ, examinou-se a interessante questão jurídica da responsabilidade civil de quem pleiteia e obtém medida liminar, a qual vem a ser posteriormente revogada por sentença.
A propósito, tem-se que, quando há a concessão de uma tutela provisória, que é fundada em cognição sumária, naturalmente os seus efeitos ficam vinculados ao que for decidido pela sentença. Assim, concedida a tutela provisória e sobrevindo sentença julgando improcedente o pedido, tem-se que a tutela provisória é tida como revogada. Se a tutela provisória é concedida e, ao final, a sentença julga procedente o pedido da ação, tem-se que a decisão provisória é tida como confirmada. Ou seja, a tutela provisória é uma decisão judicial fundada em cognição sumária, cujo destino ficará sujeito ao crivo do que for decidido pela sentença.
As medidas liminares de natureza cautelar ou antecipatória são conferidas à base de cognição sumária e de juízo de mera verossimilhança, e, por não representarem pronunciamento definitivo, mas provisório, a respeito do direito afirmado na demanda, são medidas, nesse aspecto, sujeitas à modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmadas ou revogadas pela sentença final. Por conseguinte, quando verificada a prolação de sentença de mérito, tanto de procedência, porquanto absorve os efeitos da medida liminar, por se tratar de decisão proferida em cognição exauriente, como de improcedência, pois há a revogação, expressa ou implícita, da decisão antecipatória, tem-se que as tutelas provisórias ficam à mercê de confirmação ou revogação posterior pela sentença (STJ, AgRg no AREsp 650.161/ES, Rel. Ministro Marco Buzzi).
Para tanto, a resposta à questão jurídica pressupõe a identificação do regime jurídico da responsabilidade civil. O CPC/2015, em seu art. 302, I e parágrafo único, dispõe que “a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se a sentença lhe for desfavorável. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível”. Igual tratamento fora previsto no CPC/73, em seu art. 811.
Há um consenso na literatura jurídica de que a mencionada regra legal prevê uma hipótese de responsabilidade civil objetiva, isto é, a obrigação de indenizar decorre objetivamente dos danos causados pela execução de tutela de urgência posteriormente revogada, sendo irrelevante o exame se o autor agiu ou não com dolo/culpa. Sendo assim, hão de estar presentes os seguintes requisitos: os danos patrimoniais e/ou extrapatrimoniais, o ato comissivo e o nexo causal entre ambos (cf. Nelson Nery Jr. CPC Comentado. São Paulo: RT, p. 1130; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 291).
A responsabilidade objetiva pelos danos causados por tutela provisória posteriormente revogada decorre da inexistência do direito anteriormente protegido, responsabilidade que não depende de condenação judicial ou de nova demanda, eis que se trata de efeito secundário da sentença (cf. Ovídio A. Baptista da Silva. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 231-232; STJ, REsp 1191262/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão). A título de exemplo, podem ser ainda descritos como efeitos secundários da sentença as hipóteses de sentença condenatória como título de hipoteca judiciária e da sentença penal tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (CP, art. 91, I).
A legislação processual prevê que a liquidação dos danos se dará nos próprios autos, após o respectivo trânsito em julgado. A finalidade da norma é emprestar a maior eficácia, mediante celeridade e economia processual, à decisão final que revoga a tutela provisória, dentro da lógica de que o retorno das partes ao status quo ante pode implicar o ressarcimento pelos danos causados pela execução do provimento provisório posteriormente revogado. A dispensa pela propositura de ação condenatória resulta do texto legal, de sorte que a indenização deverá ser liquidada nos autos do processo (STJ, REsp 744.380/MG, rel. Min. Denise Arruda; REsp 802.735/SP, rel. Min. Sidnei Beneti).
Registre-se que as verbas de natureza alimentar são irrepetíveis, eis que são regidas pelos postulados da necessidade/possibilidade, de sorte que a regra da responsabilidade civil não se aplica às tutelas de urgência concessivas de tais verbas (STJ, REsp 1555853/RS, rel. Min. Villas Bôas Cueva). Por tais motivos, impõe-se adotar uma exegese consentânea com a teleologia da construção jurisprudencial que impede a repetição da verba alimentar, de sorte a alcançar também a mesma conclusão, quando se tratar de verba com natureza de benefício previdenciário ou remuneratória (em sentido contrário: STJ, AgInt no REsp 1.704240/RS, rel. Min. Villas Bôas Cueva; AgInt nos EDcl no AREsp 674.288/RS). Parece-nos mais consentânea com o postulado da dignidade da pessoa humana a orientação jurisprudencial de que as verbas com natureza alimentar são irrepetíveis, tais como benefícios previdenciários ou remuneratórios, eis que se presumem utilizadas para a sobrevivência do beneficiário (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1003743/RS, rel. Min. Hamilton Carvalhido; AgRg no REsp 673.864/RS, rel. Min. Gilson Dipp).
Voltando ao caso concreto, por maioria de votos a 4ª Turma do STJ fixou a interpretação de que a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de medida liminar posteriormente revogada é consequência natural da sentença que julga improcedente o pedido da ação, decorrendo o dever de indenizar diretamente da lei processual, de sorte que não há a necessidade de ajuizamento de uma ação específica para obter a respectiva condenação.
Vale dizer, o postulante da medida liminar assume o risco de ressarcir os danos causados à parte adversa pela sua execução, quando essa vem a ser extinta, em razão da improcedência do pedido. Assim, o fundamento de que a parte postulante obteve o reconhecimento judicial quanto à concessão da tutela de urgência ignora o fato de que a parte, durante a condução do processo, está representada por advogado, não podendo haver a escusa do cumprimento do dever legal em razão do desconhecimento da norma (STJ, REsp 1401560/MT, rel. Ari Pargendler).
Em seu voto, o relator reconheceu o direito da transportadora à indenização, por entender que, como a extinção da ação principal se deveu à existência de cláusula arbitral, é perfeitamente aplicável a responsabilidade objetiva da requerente da medida cautelar como previsto na lei processual.
Por oportuno, deve-se fazer a distinção entre os pressupostos de responsabilidade pelos danos decorrentes da execução da cautelar e a existência de justo motivo para concessão da medida. Enquanto a aferição de justo motivo para a cautelar se funda na evidência do direito alegado e no risco da demora (fumus boni iuris e periculum in mora), os pressupostos da responsabilização se limitam ao dano, à conduta e ao nexo causal. Confira-se trecho do voto do Min. Marco Buzzi, para quem “A rigor, medidas cautelares somente são concedidas quando há justo motivo, isto é, quando há plausibilidade jurídica e perigo de dano, pelo que, se isso pudesse afastar a responsabilidade, ninguém jamais responderia pelos danos daí decorrentes, ou seja, a disciplina legal pertinente seria inócua. (…) A responsabilização diz respeito à circunstância processual posterior à decisão liminar, sobretudo no que tange à confirmação do direito outrora salvaguardado, a qual nunca se viabiliza, por óbvio, se não a perseguir a parte requerente da tutela de urgência”.
Não é relevante a investigação se o postulante agiu ou não com dolo/culpa, diante da previsão de hipótese de responsabilidade civil objetiva. Isso porque, se o dano é produzido como consequência do exercício de ato processual lícito, a hipótese legal evita um resultado absurdo ou teratológico de que, nada obstante a certificação da ausência de direito por sentença, a parte postulante venha a obter enriquecimento sem causa. A análise do dolo/culpa não serve para solucionar o problema do dano produzido pelo processo, devendo ser examinado o nexo de causalidade objetiva advinda do fato da revogação da tutela de urgência pela sentença (cf. Galeno Lacerda. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, vol. VIII, 1998, p. 313).
A par da famosa passagem de Giuseppe Chiovenda, segundo a qual “o processo deve dar, quando for possível, praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir” (Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1969, p. 46), conclui-se que a decisão proferida pelo STJ consagra importante proteção à cláusula de que a tutela provisória é uma decisão fundada em cognição sumária que tem a sua execução realizada por conta e reponsabilidade da parte postulante que se obriga, se a decisão for revogada, a reparar os danos causados à parte adversa.

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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