quinta-feira,28 março 2024
ColunaCorporate LawO STJ e a recuperação judicial de agentes econômicos sem fins lucrativos

O STJ e a recuperação judicial de agentes econômicos sem fins lucrativos

Um tema que sempre suscita muitas discussões é a definição de quais as empresas podem pleitear o deferimento da recuperação judicial. A par de uma interpretação literal e  isolada dos arts. 1º e 2º da Lei 11.101/2005, o pedido de recuperação judicial somente poderia ser formulado pelo empresário e pela sociedade empresária, estando excluídos expressamente a empresa pública, a sociedade de economia mista, a instituição financeira, a cooperativa de crédito, o consórcio, a entidade de previdência complementar, a empresa operadora de planos de saúde, empresas seguradora e de capitalização.

Desde a edição da Lei de Recuperação em 2005, há forte controvérsia se algumas empresas, que não se constituem sob a roupagem de sociedade empresária e não visam ao lucro, podem se valer, ou não, da recuperação judicial.

De um lado, há a orientação de que somente os empresários ou as sociedades empresárias poderiam pleitear a recuperação judicial, entendendo-se como aqueles que exercem profissionalmente atividade econômica organizada de forma habitual buscando o lucro (STJ, AgInt no AREsp 658.531, TJRJ, AI 00315155320208190000 e TJRS, AI 50592442720218217000).

De outro, há o entendimento de que os agentes econômicos, que não são considerados empresários – tais como associações civis, fundações, sociedades de profissionais liberais, entidades de ensino, hospitais beneficentes, clubes de futebol, os agricultores no agronegócio -, poderiam também se valer da recuperação judicial, por ostentarem os atributos de exercerem atividade para a produção ou circulação de bens, sob organização e coordenação de capital, de trabalho e de bens. Em algumas decisões, o Poder Judiciário passou a deferir a recuperação judicial a agentes econômicos que não são tidos como empresários, tais como: (i) Universidade de Cruz Alta no RS (TJRS, proc. 1.050005014-6); (ii) Hospital Casa de Portugal (STJ, REsp 1.004.910/RJ); (iii) Associação Luterana do Brasil (TJRS, proc. 5000461-37.2019.8.21.0008); (iv) produtor rural (STJ, REsp 1.193.115); (v) Rede Ulbra de Educação (TJRS, proc. 5000461-37.2019.8.21.0008); e (vi) Universidade Cândido Mendes (TJRJ, proc. 0031515-53.2020.8.19.0000).

No último dia 15.03.2022, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no AgInt na TP 3.654, em paradigmático precedente, decidiu que entidades de ensino do Grupo Metodista no RS, constituídas como associações civis sem fins lucrativos, podem requerer a recuperação judicial.

No voto do relator, Min. Luis Felipe Salomão, há o reconhecimento de que tais associações civis sem fins lucrativos atuam como verdadeiras empresas do ponto de vista econômico, em que, apesar de não distribuírem lucro entre os sócios, exercem atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou serviços, empenhando-se em obter superávit financeiro e crescimento patrimonial a ser revertido em prol da própria entidade e da sociedade como um todo.

Tais agentes econômicos, apesar de não serem consideradas sociedades empresariais, ostentam imenso relevo econômico e social, seja em razão do seu objeto social, seja em razão da criação de empregos, tributos, renda e benefícios econômicos e sociais para a sociedade. Se isso não fosse suficiente, registre-se ainda que a escola da análise econômica do direito aponta a conveniência para que a aplicação da legislação de recuperação leve em conta não apenas a sua indicação semântica, mas, sobretudo, as consequências econômicas e sociais dela decorrentes.

A manutenção de atividade econômica viável de agente econômico, constituído sob a forma de associação civil sem fins lucrativos, que se encontra em crise momentânea (econômica, financeira ou patrimonial), a mantença dos empregos, o estímulo ao desenvolvimento econômico, a busca pela erradicação da pobreza e o fomento à produção de bens e serviços são, pois, elementos informadores do princípio da preservação da atividade econômica em detrimento de uma interpretação literal deletéria.

Portanto, em interpretação finalística da Lei de Recuperação, fundada nos princípios da preservação da empresa e de sua função social, reconhece-se como possível a extensão do instituto da recuperação judicial a outros agentes econômicos que não são sociedades empresárias, tais como associações civis, fundações, sociedades de profissionais liberais, entidades de ensino, hospitais beneficentes, clubes de futebol, que também exerçam atividade econômica, gerando riqueza e, na maioria das vezes, bem-estar social, apesar de não se enquadrarem literalmente no conceito de sociedade empresárias.

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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