quinta-feira,28 março 2024
ArtigosO ser humano como sujeito no Direito Internacional

O ser humano como sujeito no Direito Internacional

A própria origem do Direito Internacional como o conhecemos hoje, produto de uma sociedade politicamente organizada, transpõe os pensamentos atrás descritos. A escola Espanhola do Direito das Gentes, contemporânea dos descobrimentos marítimos, tinha conteúdo naturalista e já admitia a existência de uma comunidade internacional. Francisco de Vitória, um dos primeiros a idealizar o Direito internacional, não gostava dos ideais nacionalistas e defendia o relacionamento entre as nações, ideias que encontram novo defensor em Hugo Grocio, tendo este último enfatizado o aparecimento de regras por comum acordo entre os Estados.

A personalidade internacional da pessoa humana foi reconhecida já no séc. XVII, por Hugo Groccio, quando diz, na sua obra O Direito da guerra e da Paz, que considera os Estados e indivíduos como pessoas internacionais, compreensão essa que se insere na prerrogativa que torna o compromisso de particulares perante inimigos de guerra uma obrigação também do Estado. Se considerarmos o direito uma proporção entre coisas e pessoas, do homem para o homem, não é concebível a noção da pessoa humana como objeto do direito. Contudo, ainda hoje não é um sujeito de DIP pleno, pois não são concedidas todas as faculdades que são conferidas a outros.

Verificada a capacidade jurídica internacional do indivíduo, mesmo assim, a sua personalidade jurídica não é plena. Não participa na criação de normas internacionais e não tem capacidade de ação. Para que exista plenitude de personalidade jurídica, o indivíduo deveria ter a possibilidade de se dirigir aos fóruns internacionais com o objetivo de reclamar os seus direitos.

São todas as pessoas que estão nos países, não havendo distinção entre naturais ou naturalizados, ou seja, o “abinitio” para que exista um estado. De tão complexo expressar em palavras o que significa ser humano, espera-se que este simples conceito possa esclarecer o que seja ser humano.

Os indivíduos também são sujeitos de Direito Internacional Público, sabendo-se que certas normas lhes atribuem direitos e deveres.

Em consonância com o atual Direito Internacional dos Direitos Humanos, defende-se que o ser humano é sujeito de Direito interno, bem como de Direito internacional, uma vez que titular de personalidade e capacidade jurídica em ambas as esferas.

Efetivamente, na atualidade, observa-se a presença de sistemas de proteção dos direitos humanos e fundamentais, não apenas na esfera interna de cada Estado, mas também internacional, tanto de alcance global, no âmbito da ONU, como regional, com atuação complementar, com destaque aos sistemas interamericano, europeu e africano, além do ainda incipiente sistema árabe e da proposta de criação de um sistema asiático. O indivíduo também deve ser reconhecido como sujeito de Direito Internacional, com capacidade de possuir e exercer direitos e obrigações de cunho internacional.

Os indivíduos ou pessoas naturais são sujeitos de Direito Internacional, ao lado dos Estados e organizações internacionais (entes de Direito Público externo).

Há que se considerar que o homem é hoje munícipe, nacional e cidadão do mundo; tem direitos e deveres internacionais.

As doutrinas sobre a personalidade internacional do indivíduo são muitas. Há teorias que negam e teorias que afirmam ser o homem pessoa internacional. Autores como Rosalyn Higgins, Marco Torronteguy, Deisy Ventura, Ricardo Seitenfus, Anzilotti, Triepel, Diguit e Le Fur possuem interessantes doutrinas acerca do homem no plano internacional.

É possível perceber que a situação dos indivíduos ainda é complexa no âmbito do direito internacional. A razão maior dessa complexidade é que a autonomia dos indivíduos na esfera internacional entra em choque com a aclamada soberania dos Estados. O fato de o indivíduo poder ser julgado por um tribunal internacional e o fato dele almejar um direito à interpelação a uma corte internacional configurariam exceções ao rígido e orgulhoso dogma da soberania incontestável.

O Tribunal Penal Internacional considera o indivíduo um sujeito pleno do Direito Internacional e surgiu em resposta às violações dos direitos humanos, para tentar contribuir para o papel que pertence a todos de asseguração da paz. Tal Tribunal abarca três âmbitos (áreas) do Direito: Direito Penal, Direito Humanitário e Direitos Humanos.

O Tribunal Penal Internacional engloba o conjunto de normas que regulam a defesa preventiva e repressiva contra os atos ofensivos das condições essenciais da vida social, pela imposição de certas penas e meios educativos apropriados; o conjunto de normas que, em tempo de guerra, protege as pessoas que não participam nas hostilidades ou deixaram de participar e o conjunto de leis, vantagens e prerrogativas que devem ser reconhecidas como essências pelo indivíduo ( direitos inalienáveis, de eficácia “erga omnes” e absolutos do homem).

O Tribunal Penal Internacional Permanente (instaurado e consolidado pelo Estatuto de Roma) introduz assim, mais pressão sobre o conceito tradicional de soberania.

É interessante também refletir sobre o fato que a transição de uma sociedade internacional para uma comunidade internacional, ou seja, a ocorrência de uma maior subordinação, hierarquia, convergência de interesses comuns e centralização no Direito Internacional Público propiciariam um ambiente mais fértil para que o indivíduo seja tido como um sujeito pleno do Direito Internacional. Quanto mais o mundo se aproximar de uma comunidade internacional tanto mais será possível observar a internacionalização do homem.

Dizer que o indivíduo tem qualidade de pessoa internacional significa que ele é titular de direitos e deveres internacionais e que tem capacidade de fazer prevalecer os seus direitos através de reclamação internacional.

A simples existência do Direito Internacional dos Direitos Humanos serve para fortalecer a posição do ser humano como sujeito de direito internacional, pois é formado por normas internacionais que estabelecem direitos às pessoas comuns. Nesse sentido, observam GOMES e PIOVESAN que na medida em que guardam relação direta com os instrumentos internacionais de direitos humanos que lhes atribuem direitos fundamentais imediatamente aplicáveis os indivíduos passam a ser concebidos como sujeitos de direito internacional.

Enquanto que nos tribunais internacionais de direitos humanos o indivíduo figura como sujeito ativo perante a justiça internacional, nos tribunais internacionais penais ad hoc (para a ex-Iugoslávia e para a Ruanda, criados em 1993 e 1994, respectivamente) e perante a futura e permanente Corte de Roma, ele assume a condição de sujeito passivo, responsável individualmente pela violação de crimes contra o Direito Internacional Humanitário e sujeito a sanções de natureza penal que vão até a prisão perpétua.

O Tribunal Penal Internacional foi inaugurado oficialmente em Haia, na Holanda, depois de 60 Estados terem ratificado o Tratado de Roma, de 1998. Essa Corte, diferentemente das anteriores, é permanente, ou seja, sua jurisdição não está restrita a uma situação específica. Através dela, pretendesse investigar e julgar particulares acusados de crimes de guerra, contra a humanidade e de genocídio. Sua competência não tem efeito retroativo, pois somente são julgados delitos cometidos após a entrada em vigor do Estatuto. Sua criação representa grande avanço na proteção dos direitos humanos, principalmente quando inserida dentro do cenário de guerra em que vivemos.

A mera existência desse tribunal ratifica o entendimento de que o ser humano é realmente sujeito de deveres internacionais, já que são analisados casos contra indivíduos, e não contra Estados. É o que dispõe o artigo 25 do Estatuto: Art. 25 1. O Tribunal terá jurisdição sobre pessoas naturais, de acordo com o presente Estatuto. 2. Uma pessoa que cometer um crime sob jurisdição do Tribunal será individualmente responsável e passível de pena em conformidade com o presente Estatuto. Ademais, não se poderia responsabilizar internacionalmente um ente sem o reconhecimento de sua titularidade internacional. Exercendo jurisdição sobre pessoa, o TPI está afirmando a subjetividade dos particulares que, verdadeiramente, são os grandes infratores do Direito Internacional.

Podemos também afirmar que, a ideia de que o Direito Internacional é diferente do Direito Interno está a ficar um pouco esbatida. A conjugação de pactos com textos constitucionais, a transposição de normas internacionais para dentro das Constituições cria uma área em que não se diferencia o que é nacional e o que é internacional. o conceito de Homem, pessoa privada, exilado na sociedade dos Estados, poderá estar a cair por terra, perante a possibilidade de serem fixados princípios que aceitem o indivíduo como finalidade do Estado, e não o Estado como a finalidade do indivíduo.

A consolidação do Estado Moderno, que resultou no fortalecimento da sua soberania e da inexistência de qualquer organismo internacional acima dele como forma de limitação do seu poder, levou a que o indivíduo fosse arredado do Direito Internacional durante muito tempo. O DI passou a preocupar-se apenas com as relações entre Estados. Perdeu de vista os princípios basilares do direito natural, transcendentes e limitadores da vontade do soberano. A preocupação com o gênero humano e a fraternidade universal passou para segundo plano, num direito que passou a visar apenas as relações entre Estados soberanos, que não queriam ceder parte do seu poder. Atualmente, este processo tem sofrido evoluções significativas. Com a proliferação de organizações Internacionais, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, e o crescimento das suas competências, veio criar uma certa limitação à soberania dos Estados. Estes passaram a estar sujeitos a normas internacionais, mesmo sobre normas sobre as quais não manifestou a sua aprovação, como as relativas ao jus cogens.

Em conjunto com esta evolução, a permanente valorização dos direitos humanos, proporcionou um reaparecimento do indivíduo no Direito Internacional. Toda esta evolução, permitiu ao indivíduo ser considerado como sujeito de Direito Internacional, porém, este será sempre um sujeito secundário, não preenchendo os requisitos para uma personalidade jurídica internacional plena. As formas de responsabilizar os indivíduos perante a comunidade internacional aumentaram, bem como as formas de poderem fazer valer os seus direitos fundamentais.

Esta evolução poderá representar um regresso aos valores que fizeram surgir o Direito Internacional, de unidade do gênero humano e fraternidade universal, ou mesmo ao fundamento jusnaturalista presente na sistematização do Direito Internacional, iniciada na formação dos Estados Modernos. A evolução do Direito Internacional, poderá levar-nos a um verdadeiro Direito das Gentes, afastando-se de um simples Direito entre Estados.

Considerações finais

O ser humano é sujeito de direito internacional, com direitos e deveres internacionais próprios, inclusive sujeitos a sanções impostas por tribunais penais internacionais. Além do que, desde a Corte Centro Americana de Justiça, tem-se conhecimento de ações diretamente impetradas por particulares perante tribunais com jurisdição internacional.

No que tange à subjetividade ativa internacional dos particulares, a própria existência do Direito Internacional dos Direitos Humanos serve como prova de que há normas internacionais conferindo proteção direta aos particulares. Este ramo da ciência jurídica foi criado especialmente para tutelar direitos de índole individual, o que ratifica a titularidade ativa do particular perante a ordem jurídica internacional. Essa personalidade do indivíduo encontra suporte na própria prática internacional, conforme foi analisado, e na mera existência de deveres independentes da figura estatal. Aliás, a própria noção de criminosos de guerra torna imperativa a aceitação dessa tese, visto que não se pode punir particulares sem as normas pertinentes. Ademais, a aceitação do ser humano como pessoa internacional revela a mais moderna tendência do Direito Internacional, e está em consonância com a própria noção dos direitos humanos e do direito internacional humanitário.

 


Referências

ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Competência da Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2007.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, 7ª edição, revista e atualizada – São Paulo: Saraiva, 1998.

SOARES, Orlando. Curso de direito internacional público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

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