quinta-feira,28 março 2024
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O Segredo de justiça e a primazia do direito tutelado nas ações de busca e apreensão em alienação fiduciária de veículos

Resumo: A má-fé processual, o ardil e as fraudes empreendidas na seara dos feitos sob a regência do Decreto 911/69 devem ser punidos com maior rigor em defesa da efetividade da jurisdição e da utilidade de suas decisões, agregando, por conseguinte, valor e importância educativa aos jurisdicionados. Sob este aspecto, defendemos a imposição prévia do segredo de justiça nas ações regidas pelo Decreto-Lei 911/69, somente até o cumprimento efetivo da liminar de busca e apreensão.

Palavras-chave: Análise econômica do Direito, Princípios da cooperação, da boa fé objetiva, da efetividade da jurisdição e da utilidade das decisões judiciais, Segredo de justiça e Decreto-Lei nº 911/69.

Introdução: a vida em sociedade.
Não se discute o fato de que para se tornar possível a convivência humana em sociedade é necessário segurança, ordem, enfim, certa normatização para uma coexistência pacífica. Em outras palavras, o direito é fruto da vida social humana, de acordo com o brocardo, ubi societas, ibis jus.

Ora, nos parece lógico que toda sociedade destituída de um ordenamento jurídico que delimite direitos e elimine os conflitos intersubjetivos de forma organizada mediante o processo, não garante, ao final, a universalização e, por conseguinte a efetividade da tutela jurisdicional aos seus cidadãos.

Nesse contexto, a tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas e, por conseguinte, promover o bem comum [1], qual seja, propiciar condições no meio social que consintam e favoreçam a cada cidadão e ao grupo social a consecução de seus fins particulares de forma pacífica e organizada, sem com isso interferir na esfera de direito alheio.

Com efeito, a sociedade não pode prescindir da jurisdição exercida pelo Estado-juiz, cujo escopo, em apertada síntese, é, justamente, pacificar os conflitos de interesses, com justiça, frise-se, mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (ao prolatar uma sentença de mérito), seja realizando no mundo fático o que o preceito estabelece (mediante a execução forçada).

Em outras palavras, o Estado-juiz coloca-se no lugar dos titulares dos interesses em conflito para satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos, dando razão àquele que teve in casu, um direito tutelado violado, mediante o exercício do devido processo legal.

Escopos do processo judicial: educação e utilidade das decisões

O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporciona um clima generalizado de confiança no Poder Judiciário e segurança social.

Portanto, na medida em que os cidadãos confiam no poder coercitivo do Estado-juiz, cada um, de per si, tende a ser sempre mais zeloso com os próprios direitos e se sente, por conseguinte, mais responsável pela observância dos direitos alheios.

Dessa forma, a educação oferecida pela tutela jurisdicional ágil e eficiente é um fim a ser alcançado, e não uma mera utopia, de modo a induzir a população a trazer as suas insatisfações a serem remediadas em juízo. Nessa seara, o custo benefício da tutela jurisdicional deve ser favorável ao jurisdicionado titular de um direito, propiciando a este, se impossível o restabelecimento do bem da vida em espécie, tudo aquilo que tem o direito de obter conforme o direito posto, de forma ágil e satisfatória.

Todo processo, conforme salienta o eminente jurista Giuseppe Chiovenda [2], “deve dar a quem tem um direito, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter”.

Sendo assim, a tutela jurisdicional no intuito de preservar e reparar todo direito tutelado não pode ser inócua.

A busca da efetividade jurisdicional: a primazia do direito tutelado
Ao longo dos anos, a busca pela efetividade da tutela jurisdicional tornou-se objeto de reforma das leis processuais em nosso ordenamento, conforme demonstra a exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973, redigida pelo então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid[3], que assim prescrevia:

“Na reforma das leis processuais, cujos projetos se encontram em vias de encaminhamento à consideração do Congresso Nacional, cuida-se, por isso, de modo todo especial, em conferir aos órgãos jurisdicionais os meios de que necessitam para que a prestação da justiça se efetue com a presteza indispensável à eficaz atuação do direito”

Sem embargos do mínimo existencial e o direito a ampla defesa, o processo não é um fim em si mesmo. É instrumento de concretização da justiça, ou seja, da preservação dos direitos consagrados pela ordem constitucional ao jurisdicionado que efetivamente é titular.

Nesse sentido, segue aresto abaixo:

“O processo, em si, deve ser entendido apenas como um meio para se atingir a pacificação dos conflitos sociais, e não como um fim” (TRF-5 – AGTR: 42722 AL 2002.05.00.012784-9, Relator: Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, Data de Julgamento: 05/10/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça – Data: 21/12/2006 – Página: 228 – Nº: 102 – Ano: 2006)

Partindo desta premissa, podemos concluir que o magistrado no seu mister deve interpretar as leis à luz dos ideais democráticos informados pelos princípios da liberdade, autonomia da vontade, do pacta sunt servanda e do direito a propriedade e da promoção do bem comum, visando o cumprimento dos objetivos da República (Carta Magna, artigo 3º).

A boa-fé objetiva e o princípio da cooperação

A confiança é pressuposto de todo e qualquer negócio. É a força motriz da economia porquanto permite a troca de serviços e/ou produtos e benefícios mútuos entre as pessoas. É, de certo modo, um meio indispensável para o surgimento e conclusão de negócios.
A avaliação econômica da legislação como forma de maximizar os resultados sociais das comunidades bem como a garantia da liberdade econômica é de salutar importância neste âmbito.

Esta análise que se faz do Direito busca não apenas constatar o seu impacto na economia, como também avaliar a qualidade dos instrumentos legais numa ótica baseada em princípios econômicos [4].

Neste particular, Lewis Kornhauser [5], destacando a importância e eficácia do Common Law na solução de conflitos, propõe como premissas: (a) a tese comportamental, segundo a qual a economia pode oferecer uma teoria útil as predições do comportamento regulado pelo direito; (b) e a tese normativa, na qual o direito deve ser eficiente (sob a perspectiva de atingir resultados no menor espaço de tempo e com o menor custo).

Infelizmente, a análise econômica do Direito é pouco conhecida e difundida no meio acadêmico e, por óbvio, pouco aplicada nas decisões judiciais.

Com a evolução da sociedade, da tecnologia e da globalização os negócios jurídicos, além de serem instrumentos econômicos, passaram a exercer uma “função social” que juntamente com a boa-fé objetiva tornaram-se princípios norteadores do Código Civil de 2002.

O ato de contratar corresponde ao valor da livre iniciativa, erigida pela Constituição de 1988 a um dos fundamentos do Estado Democrático do Direito. Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma função social, a fim de que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público [6].

Já o principio da boa-fé objetiva, pode ser compreendido como um conceito ético de conduta, moldado nas ideias de proceder com correção, com dignidade, pautada a atitude nos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar [7]. Sendo assim, o juiz na aplicação do direito ao caso concreto deverá analisar sua aplicação na interpretação/contexto do negócio jurídico celebrado, no momento da constatação do abuso de direito ou na avaliação da responsabilidade pré ou pós-contratual.

Sob este aspecto, de forma a prestigiar, bem como preservar a confiança nos negócios o legislador também consagra o princípio da boa-fé objetiva e da cooperação, nos artigos 5º e 6º no novo Código de Processo Civil. Assim, compreende-se que o processo fluirá melhor existindo uma confiança na perspectiva de retidão, em sentido diametralmente oposto, a ausência de boa-fé objetiva, resulta em desconfiança, burocracia, má vontade, sendo um obste ao prosseguimento regular do feito [8].

De forma a ilustrar a problemática proposta, veja-se o caso dos financiamentos com bem dado em garantia real.

Neste negócio, o devedor fiduciante, ao contratar o financiamento do veículo, responsabiliza-se pela sua guarda e conservação, sendo que a partir do momento que deixa de cumprir com suas obrigações contratuais, nada mais justo e correto, que restitua o veículo à financeira e não que proceda a sua ocultação.

Contudo, o que se observa é o aumento considerável dos níveis de inadimplência, provocado pela instabilidade política e econômica que vem sofrendo o país.

Problemas como ocultação do bem e até mesmo ilícitos como repasse do mesmo a terceiros a revelia do credor fiduciário vêm se tornando quase que uma rotina.

As premissas acima apontadas se aplicam ao conflito, em especial, no próprio âmbito do processo, conforme veremos adiante.

A ação de busca e apreensão regida pelo decreto 911/69

A alienação fiduciária em garantia foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei de Mercado de Capitais (Lei n. 4728/65, artigo 66, com a redação dada pelo Decreto-lei n. 911/69).

Como leciona o Professor Fabio Coelho [9], “trata-se de contrato instrumental de um mútuo, em que o mutuário-fiduciante (devedor), para garantia do cumprimento de suas obrigações, aliena ao mutuante-fiduciário (credor) a propriedade de um bem. Essa alienação se faz em fidúcia, de modo que o credor tem apenas o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa alienada, ficando o devedor como depositário e possuidor direto desta. Com o pagamento da dívida, ou seja, com a devolução do dinheiro emprestado, resolve-se o domínio em favor do fiduciante, que passa a titularizar a plena propriedade do bem dado em garantia.”

Para fins de se obter a liminar de busca e apreensão reza o artigo 3º do Decreto-Lei 911/69.

“Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada à mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)”

Como em toda espécie contratual, deve ser aplicada o princípio da boa-fé objetiva.

A quarta turma do Superior Tribunal de Justiça [10] considerou para fins de constituição em mora do devedor, a notificação não entregue com retorno “mudou-se” nas ações de busca e apreensão de bem objeto de alienação fiduciária em garantia.

O acórdão foi justificado pelo princípio da boa fé objetiva (necessidade do cliente atualizar seu endereço junto ao Banco) e que a mora decorre do simples vencimento.

Deste modo, para a comprovação da mora, neste contexto, é suficiente ao credor o envio de notificação, por via postal, com aviso de recebimento no endereço do devedor indicado no contrato.

Da relação obrigacional firmada pelas partes e permeada pela boa-fé, portanto, emerge o dever de lealdade inclusive após o inadimplemento. Assim sendo, a partir deste momento, o devedor que deixa de cumprir com suas obrigações contratuais, deve restituir o veículo ao credor e não que proceda a sua ocultação.

Sob este aspecto, é um procedimento célere, posto a disposição do credor fiduciário para lhe preservar o direito de propriedade, ora consagrado na Constituição Federal sendo que eventuais cláusulas abusivas contratuais devem ser discutidas em revisionais e não neste procedimento regulado pelo Decreto-lei 911/69.

O segredo de justiça como meio de garantir a finalidade do processo

A publicidade é regra, seja nos procedimentos administrativos (art. 37, caput, da CF/1988), seja nos processos judiciais (art. 5º, LX, da CF/1988).

No Código de Processo Civil vigente, o segredo de justiça vem disciplinado no art. 189, I a IV, cujas hipóteses de concessão ali previstas não são taxativas [11].

“Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:
I – em que o exija o interesse público ou social;
II – que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;
III – em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;
IV – que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.
§ 1º O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores.
§ 2º O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação”

Ressalte-se que o segredo de justiça restringe apenas o conteúdo, os atos do processo e não a sua própria existência, que sempre será pública, por força de norma constitucional.

Conforme se infere do teor dos incisos do referido dispositivo há a utilização de conceitos vagos pelo legislador que permite ampla liberdade do Juízo, dentro da prudência e das regras constitucionais, para conferir o decreto de sigilo de um determinado caso em segredo de justiça.

Entende-se, portanto, até pela riqueza, complexidade e mutabilidade das relações jurídicas e econômicas e das suas particularidades no âmbito da sociedade, que não há uma opção clara pelo regime da taxatividade.

Conforme é cediço não se admite a autotela em nosso ordenamento jurídico, sendo de interesse público, portanto, a efetiva tutela jurisdicional, do direito tutelado, independentemente da sua espécie (patrimonial, moral e etc.) e de seu titular (pessoa física, jurídica).

O interesse público representado pelo direito a tutela jurisdicional e a sua efetividade é uma garantia constituída por força do artigo 5º, inciso XXXV da Carta Magna, decorrente do monopólio estatal da jurisdição.

Doutra parte, a Carta Magna em seu artigo 5º LXXVII, estabelece que a todos são assegurados o direito a razoável duração do processo e os meios que garantam a sua celeridade.

Discorridas essas ponderações preliminares, voltemos à casuística proposta.

A busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente em garantia tem por substrato a concessão da liminar, sem a qual o objetivo fim da ação pode restar comprometido.

Veja-se que com a facilidade do processo eletrônico, partes, terceiros e não advogados podem obter acesso ao teor de autos judiciais em qualquer lugar, desde que estejam conectados na rede mundial de computadores.

Neste fulgor, ao saber da distribuição da ação, é frequente, por parte do devedor fiduciário, a adoção de comportamentos contrários à moral e má-fé em frustrar a satisfação dos interesses do credor, prejudicando a prestação jurisdicional, retirando o patrimônio do credor fiduciário de sua esfera de disponibilidade e alienando a terceiros indevidamente ou, também, dando ao bem destino ignorado.

O segredo de justiça, in casu, busca garantir efetividade às decisões liminares de busca e apreensão ou reintegração de posse, pois a parte devedora, ao saber da distribuição da ação, poderia desaparecer com os bens dados em garantia, frustrando a busca e apreensão. A imposição prévia de segredo de justiça nestes casos atenderia ao interesse público.

Conclusão

A falta de confiança de que as instituições garantirão o direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas e incertezas sobre as consequências dos atos baseados nas normas jurídicas vigentes, ocasionando no âmbito da sociedade à sensação de insegurança jurídica.

Conforme exposto, esse ambiente é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, enfim, produz efeitos nefastos na economia.

A segurança jurídica, uma quimera, ideal, um norte, um parâmetro, ou na visão de um realista esperançoso, pode ser concebido como um objetivo a ser alcançado, na qual nos perfilamos.

A ideia inerente a sua concepção pode ser entendida como uma estabilidade duradoura/permanente de normas jurídicas certas, estáveis, previsíveis calculáveis e, ao mesmo tempo coercitivas, de modo a incutir na sociedade os deveres de convivência que devem ser observados.

O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporcionará um clima generalizado de confiança no Poder judiciário, qual seja de segurança social e insatisfações eliminadas.

Neste mister, o juiz, na qualidade de presidente do processo, tem o dever-poder de zelar pela devida efetividade da jurisdição de modo a garantir a satisfação do direito do verdadeiro titular na lide.

A má-fé processual, o ardil e as fraudes empreendidas nos feitos sob a regência do Decreto 911/69 devem ser punidos com maior rigor em defesa da efetividade da jurisdição e da utilidade de suas decisões, agregando, por conseguinte, valor e importância educativa aos jurisdicionados.

Sob este aspecto, defendemos a imposição prévia do decreto de segredo de justiça nas ações regidas pelo Decreto-Lei 911/69, somente até o cumprimento efetivo da liminar de busca e apreensão, não obstante entendimento contrário esposado pelo Conselho Nacional de Justiça [12].

Em primeiro lugar, a busca e apreensão está prevista em lei para garantir um direito tutelado e solucionar um litígio. É cabível para retirar a posse do bem do devedor que não cumpre sua obrigação.

Não se sustenta o argumento de que se discute apenas o interesse patrimonial dos credores, não estando, sob esta perspectiva presente o interesse público permissivo do referido sigilo processual.

Ora, conforme acima argumentado, é vedado a autotutela e, conforme inteligência do princípio da isonomia, esculpida no artigo 5º, caput da norma ápice, a Lei é impessoal, não fazendo diferenciação a nenhum tutelado.

Deste modo, é evidente o interesse público, representado pela efetiva tutela jurisdicional, do direito tutelado, independentemente da sua espécie (patrimonial, moral e etc.) e de seu titular (pessoa física, jurídica).

O interesse público representado pelo direito a tutela jurisdicional e a sua efetividade é uma garantia constituída por força do artigo 5º, inciso XXXV da Carta Magna, decorrente do monopólio estatal da jurisdição.

Em segundo lugar, a busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente em garantia tem por substrato a concessão da liminar, sem a qual o objetivo fim da ação pode restar comprometido.

Com efeito, não há citação e muito menos estabilização da demanda antes do cumprimento da liminar da busca e apreensão com o comparecimento espontâneo do réu, pois a legislação sobre alienação fiduciária excepciona a regra geral prevista no Código de Processo Civil, pois cria prazo para contestação de 15 (quinze) dias depois de cumprida a liminar de busca e apreensão (e não da juntada do mandado nos autos ou do comparecimento espontâneo do réu).

Veja-se:

“Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 3º O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)”

Assim sendo, somente após o cumprimento da liminar e apreendido o bem não se justificaria mais concretamente a mantença do aludido sigilo, porquanto se sobreleva nessa fase do processo o interesse público do direito a ampla defesa e do contraditório, representada pela defesa do devedor, que deve ter acesso a todos os atos e documentos inseridos no seu bojo.

Em terceiro lugar, o artigo 77, inciso IV, do Código de Processo Civil, é claro ao dispor que a parte deve cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetiva.

Por sua vez, a utilidade das decisões judiciais é consagrada em nosso sistema processual no artigo 189 do Código de Processo Civil:

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe…

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Há, portanto, fundamento jurídico para impor o prévio segredo de justiça, em sede de ordem mandamental até o cumprimento da famigerada liminar, para fins de proporcionar maior concretude e utilidade às decisões judiciais.

Finalmente, conforme destacamos no início, a confiança é pressuposto de todo e qualquer negócio. É a força motriz da economia porquanto permite a troca de serviços e/ou produtos e benefícios mútuos entre as pessoas. É, de certo modo, um meio indispensável para o surgimento e conclusão de negócios.

Sob este aspecto, de forma a prestigiar, bem como preservar a confiança nos negócios o legislador também consagra o princípio da boa-fé objetiva e da cooperação, nos artigos 5º e 6º no novo Código de Processo Civil:

“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”

Assim, compreende-se que o processo fluirá melhor existindo uma confiança na perspectiva de retidão, em sentido diametralmente oposto, a ausência de boa-fé objetiva, resulta em desconfiança, burocracia, má vontade, sendo um obste ao prosseguimento regular do feito.

Deste modo, não se pode fulminar de ilegalidade o decreto de segredo de justiça, sob pena de beneficiar a própria torpeza de certos devedores, ora confessos que manipulam os processos judiciais de acordo com seus próprios interesses.

Atualmente, o que se observa é o aumento considerável dos níveis de inadimplência, provocado pela instabilidade política e econômica que vem sofrendo o país.

Problemas como ocultação do bem e até mesmo ilícitos como repasse do mesmo a terceiros a revelia do credor fiduciário vêm se tornando quase que uma rotina.

As premissas acima apontadas se aplicam ao conflito, em especial, na fase de inicial do processo.

Não há razão econômica, moral e legal para sustentar a ocultação do bem engendrada pelos devedores dessas operações, meros possuidores diretos e não proprietários do bem ou de o Judiciário manter-se inerte ante o conflito instaurado.

Da relação obrigacional firmada pelas partes e permeada pela boa-fé, portanto, emerge o dever de lealdade inclusive após o inadimplemento.

A devida efetividade jurisdicional, bem como, a garantia fiduciária, muitas vezes é colocada em risco nos certames judiciais, pelos devedores confessos estimulando a inadimplência, encarecendo os financiamentos em detrimentos de todos aqueles cumpridores pontuais de suas obrigações.

Não é incomum depararmos com mandados judiciais devolvidos pelo simples motivo da recusa do devedor fiduciário, previamente ciente da existência de distribuição da ação, em indicar o paradeiro do veículo.

Há, portanto, a necessidade de uma mudança de paradigmas para apreciação deste particular: o que está sendo defendido é apenas o direito de propriedade, ora consagrado na Constituição Federal e a uma tutela jurisdicional eficaz do credor fiduciário enquanto verdadeiro titular de um direito protegido pelo ordenamento jurídico.

Dessa forma, a educação oferecida pela tutela jurisdicional ágil e eficiente, justificada pelo decreto prévio de segredo de justiça nas contendas judiciais é um fim a ser alcançado, e não uma mera utopia, de modo a resgatar a credibilidade e importância social e econômica do Poder Judiciário.


Referências

[1] Papa João XXIII, Pacem in terris (Encíclica Mater et Magistra).
[2] CHIOVENDA, Giuseppe apud Jorge Luiz Souto Maior. A efetividade do processo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 13, outubro/dezembro de 2000, p. 34.
[3] Brasil. Lei n. 5.869/73. Exposição de motivos do Código de processo civil. Capítulo VII – Conclusão.
[4] SADI, Jairo et al. Direito, Economia e Mercados. São Paulo: Elsevier, 2005.
[5] KORNHAUSER, Lewis. Sequential decisions by a single tortfeasor. The journal of legal studies 20, n. 02, (junho 1991): 363-380.
[6] REALE, Miguel. A função social dos contratos. Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm. Acessado em 29/08/2017.
[7] Silvio Rodrigues. Direito Civil. São Paulo, 3º Volume. São Paulo: Ed. Saraiva, 28ª ed., pág. 60.
[8] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil Artigo por Artigo. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
[9] COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2003. Pg. 464.
[10] STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp nº 1.592.422 – RJ (2016/0072046-0). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. DJ 18/05/2016. JusBrasil, 2016. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/338809163/andamento-do-processo-n-2016-0072046-0-recurso-especial-18-05-2016-do-stj
[11] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC de 2015 – Parte Geral. São Paulo: Método, p. 607 – nota 3.
[12] FREIRE, Tatiane. Decisão derruba segredo de justiça determinado pelo TJSC.
Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/58947-decisao-derruba-segredo-de-justica-determinado-pelo-tjsc. Acessado em 01/04/2018.

 

Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.

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