sexta-feira,19 abril 2024
ColunaCivilista de PlantãoO rompimento do contrato de prestação de serviços por aliciamento

O rompimento do contrato de prestação de serviços por aliciamento

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 25.10.2022, por maioria de votos, no REsp 2.023.942, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, decidiu que o SBT não deve ser responsabilizado pela quebra de contrato do humorista e apresentador Danilo Gentili com a Band.

O humorista tinha contrato em vigor com a Band, o qual previa, entre outros serviços, a realização de programa de TV e a cessão de direitos autorais e de imagem. Antes do decurso do prazo contratual, o artista aceitou proposta formulada pelo STB, o que redundou no rompimento do acordo. Por tais razões, a Band moveu ação contra o SBT, acusando-o de concorrência desleal e de aliciamento do apresentador.

Na teoria clássica dos contratos, tem-se que o princípio da relatividade dos efeitos significa que o contrato somente produz efeitos entre os seus sujeitos, não alcançando terceiros em geral.

Atualmente, por força do Código Civil/2002 e do princípio da boa-fé objetiva, difunde-se o entendimento de que os contratos são protegidos por deveres de confiança, alcançando os terceiros em geral, dentro da concepção de que da mesma forma que um terceiro está protegido de contratos que possam vir a lhe prejudicar, os contratantes também estão protegidos da conduta de terceiro que possa prejudicar o vínculo negocial. Neste sentido, o enunciado 21 da I Jornada de Direito Civil aponta que “a função social do contrato, prevista no art. 421 do Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”.

O Código Civil, em seu art. 608, estabelece que aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos. Vale dizer, a conduta de aliciar consiste em seduzir, angariar, convencer, e se caracteriza pelo oferecimento de uma nova proposta por terceiro ao prestador já obrigado por contrato escrito a prestar serviço a outrem, incidindo a sanção se resultar na extinção do contrato.

Em caso semelhante envolvendo a contratação do cantor Zeca Pagodinho, protagonista de campanha publicitária da cerveja Nova Schin para promover concorrente (cerveja Brahma), a mesma 3ª Turma do STJ, no REsp 1.316.149, julgou procedente o pedido de reparação de danos decorrentes da contratação do protagonista de campanha publicitária da agência pela agência concorrente para promover produto de empresa concorrente, restando configurada a hipótese de concorrência desleal.

Embora seja assente a possibilidade de responsabilização civil de terceiro ofensor por lesão a contrato alheio, como hipótese de desdobramento da boa-fé objetiva, decidiu-se, no caso Gentili, que a simples oferta de proposta mais vantajosa a artista contratado por emissora concorrente não implica, por si só, prática de aliciamento de prestador de serviço, sendo exigida a demonstração da intenção de alcançar concorrência desleal ou à violação dos deveres anexos à boa-fé objetiva, assim como se assentou que tal conduta parece ser da natureza da concorrência no mercado de entretenimento em busca do interesse por artistas de sucesso.

Exigir esse tipo de cooperação entre agentes econômicos que atuam em mercados altamente competitivos contraria a lógica econômica e concorrencial que norteiam as relações contratuais empresariais.

Portanto, parece-nos que a decisão proferida pelo STJ no REsp 2.023.942 afigura-se mais condizente com o postulado da autonomia privada, o qual confere aos particulares a liberdade de contratar e de se manter, ou não, com vínculo contratual, de sorte que a interpretação do art. 608 do Código Civil deve levar em consideração o comportamento dos agentes econômicos, não podendo presumir a prática de aliciamento ou de concorrência desleal.

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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