quarta-feira,27 março 2024
ColunaTrabalhista in focoO princípio da dialeticidade no processo do trabalho

O princípio da dialeticidade no processo do trabalho

Coordenador : Ricardo Calcini.

Muito comum no dia a dia dos juízes de segundo grau dos Tribunais Regionais do Trabalho é esbarrarem em recursos que se limitam a reproduzir em suas razões os fundamentos elencados na petição inicial ou mesmo na contestação, sem atacar especificamente os fundamentos da decisão que se recorre.

A prática vem sendo condenada pelos Tribunais, tanto trabalhistas como na justiça comum, inclusive com fundamento na Súmula 182 do STJ, que relata exatamente o caso de recurso que não ataca especificamente a decisão.

Além disso, o novo Código de Processo Civil passou a prever expressamente a utilização desse princípio no artigo 932, inciso III, do CPC, que estabelecer a possibilidade de o Relator não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida. É o que também determinar o § 1º do art. 1.021, ao estabelecer que “na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada”.

O fundamento majoritário do princípio da dialeticidade é que a impugnação deverá se desenvolver no tocante a valoração probatória. Assim, esta não poderá ser feita na petição inicial ou na contestação, tendo em vista que nem sempre tudo estará provado nas peças iniciais ou defensivas.

Além disso, no âmbito da justiça do trabalho, a aplicação do referido princípio é ainda mais importante, haja vista que muitas vezes as maiores teses e provas são feitas em audiências de instrução, já que essas têm uma dinâmica muito eficaz e nas quais são feitas provas que por vezes não estão nos documentos trazidos pelas partes, inclusive pela aplicação do principio da primazia da realidade.

Ora, a aplicação ao direito processual do trabalho é também inequívoca na medida em que, da mesma forma que a contestação deve combater todos os pontos trazidos pelo autor na inicial, o recorrente deve trazer em suas razões todos os pontos que pretende atacar na defesa, sejam eles a negação de um pedido da parte, sejam aqueles que tenham como fim a obtenção de condição mais vantajosa.

Ressaltamos também que a violação deste princípio implica na violação do princípio do contraditório e ampla defesa, na medida em que, impossibilita que a parte contrária impugne a matéria que se pretende reformar.

De outro modo, o novo Código de Processo Civil passou a prever em diversos artigos o princípio da cooperação, que deve ser seguido não só pelas partes, mas também pelo juiz e seus assistentes. Logo, o Magistrado deverá intimar as partes sempre que se deparar com um vício sanável, facultando a elas a correção do ocorrido.

Ocorre que muitos juízes não entendem que a parte deva completar o recurso interposto, uma vez que a omissão da parte em não registrar em suas razões de forma específica a impugnação da decisão recorrida incorre em preclusão consumativa, pois os efeitos do ato de interposição do recurso já se efetivaram.

Este último entendimento, aliás, é o que tem prevalecido, inclusive, no Supremo Tribunal Federal, que já se manifestou desta forma, quando decidiu que o prazo previsto no artigo 932, paragrafo único, do CPC, se aplica apenas aos vícios formais, e não para complementar as razões recursais.

Cabe destacar, ainda, que eventuais julgamentos que possam reconhecer fatos não alegados pela parte recorrente, podem não ferir o princípio da dialeticidade, de modo que os julgamentos de questões principais podem interferir em questões acessórias. Exemplo disso podemos citar o pedido de descumprimento de contrato de estágio em que não há o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego. Ora restando claro o descumprimento, o vínculo seria inequivocamente reconhecido.

Isto porque se está em consonância com o previsto no artigo 1013, § 1º do CPC; e, mais, o julgamento de verbas decorrentes da relação de emprego eventualmente reconhecida pelo juiz pode ocorrer, já que o Magistrado apenas necessita do fato para concretizar o direito, pois partimos do pressuposto que o juiz conhece o direito e, assim, a subsunção do fato a norma é obrigação do julgador.

Desta maneira, se o fato aduzido na inicial ou na defesa é compatível com a categorização jurídica nova, não há que se falar em ferimento do princípio da dialeticidade, e muito menos em mudança da causa de pedir, ou mesmo julgamento extra petita.

Por todo o exposto, o princípio da dialeticidade é totalmente aplicável ao processo do trabalho, haja vista que a interposição de um recurso por simples petição não traz a singeleza de dispensar a fundamentação específica das razões de recurso.

Coordenadora acadêmica da coluna "Trabalhista in foco" no Megajurídico.

Coordenadora acadêmica da coluna "Trabalhista in foco" no Megajuridico®. Advogada trabalhista, especialista em Direito e Processo do Trabalho (EPD), especialista em Direito Previdenciário (LEGALE) e especialista em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista (IEPREV). Autora de artigos e livros jurídicos. Profissional Certificada com CPC-A.

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