sexta-feira,19 abril 2024
ArtigosO poder familiar e o sócio menor de idade

O poder familiar e o sócio menor de idade

É necessária a autorização conjunta dos pais para o menor ser sócio de sociedade empresarial?

Sobre o tema, oportuno ressaltar que nos termos da Instrução Normativa n. 81 de 10 de junho de 2020 [1] a representação de sócios menores observa o disposto no artigo 1.690 do Código Civil, in verbis:

“3.1. CAPACIDADE PARA SER SÓCIO
Pode ser sócio de sociedade limitada, desde que não haja impedimento legal:
(…)
IV – os menores de dezesseis anos (absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil), desde que representados;
Notas:
(..)
III. Conforme art. 1.690 do Código Civil compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os sócios menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade. É desnecessário, para fins do registro, esclarecimento quanto ao motivo da falta”

“Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados”

Há de registrar, ainda, o impeditivo do menor quanto à administração da sociedade por força da referida instrução, e a necessidade da integralização total do capital social, ora consonante ao que dispõe o artigo 974, § 3º, incisos I e II  do Código Civil. Veja-se:

“3.3. IMPEDIMENTOS PARA SER ADMINISTRADOR
Não pode ser administrador de sociedade limitada a pessoa:
I – menor de dezesseis anos e/ou relativamente incapaz (art. 974 do Código Civil);

“Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança

(..)

§ 3º O Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade que envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes pressupostos: (Incluído pela Lei nº 12.399, de 2011)

I – o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade; (Incluído pela Lei nº 12.399, de 2011)

II – o capital social deve ser totalmente integralizado; (Incluído pela Lei nº 12.399, de 2011)

III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais. (Incluído pela Lei nº 12.399, de 2011)”

Doutra parte, o poder familiar, nos dizeres do Professor Carlos Roberto Gonçalves [2]:

“É o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores”

Feito este pequeno introito, analisaremos o cerne da discussão aqui proposta, envolvendo o poder familiar dos representantes do menor, na esfera da representação societária.

É comum observar no âmbito de constituição de sociedade empresarial, a exigência de muitas Juntas Comerciais no caso de representação ou assistência de sócio menor, se o poder familiar for exercido somente por um dos pais, o instrumento deverá conter razões da não representatividade e assistência do outro, antes das assinaturas, que poderá ser em função da perda, destituição ou extinção do poder familiar, por falecimento, a teor do artigo 1690, caput e parágrafo único, do Código Civil.

Contudo, não se mostra adequada a sua fundamentação.

Embora o dispositivo mencionado disponha que o poder familiar será exercido “em conjunto” por ambos os pais, não impõe que a representação do menor também deva pressupor a atuação de ambos nos atos em que for necessária.

A interpretação que se extrai desta disposição conduz à conclusão contrária: justamente porque ambos os pais exercem o poder familiar, e também porque seu exercício faz presumir o consenso entre ambos, pode qualquer um dos pais exercer, regular e suficientemente, a representação dos filhos, não apenas na Junta Comercial, mas em qualquer ofício ou órgão público em que a representação do menor fosse necessária.

Obviamente, pode haver casos em que os pais divirjam quanto ao exercício do poder familiar. Neste caso, a solução só poderá ser dada pela Instância Judicial, com a necessidade de se erigir provas quanto ao eventual prejuízo ao menor, decorrente do ato.

De todo modo, é fato incontroverso, o pleno exercício do poder familiar, por qualquer dos pais e, em qualquer ato que pressuponha este exercício, o consenso entre os genitores é presumível, conforme exegese do artigo 226, § 7º da Constituição Federal, ao consignar que “o planejamento familiar é livre decisão do casal”, consagrando o princípio da paternidade responsável, no interesse dos filhos e da família e não em proveito dos pais.

Corrobora ainda o teor do artigo 1.634 do Código Civil. Veja-se:

“Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento”

E, o artigo 21 do Estatuto da criança e do adolescente, in verbis:

“Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência”

Não há, portanto, qualquer razão a determinar a mudança desta postura, até porque nenhuma alteração legislativa substancial a impôs.

Em suma, a representação do menor pode, nos atos de que este participa ser exercida por qualquer dos pais – sendo que, se houver divergência, entenda-se, acusação de eventual prejuízo ao menor, aí então competirá ao Judiciário solucioná-la.

A regra geral é de que compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar.

Neste sentido, transcrevemos o acórdão da E. 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na qual autorizou a transferência de cotas de acionista menor ao seu outro sócio que é seu genitor, sob o fundamento de que não demanda, em princípio, autorização judicial, com base na presunção de que os integrantes da família, em princípio, zelam mutuamente por seus interesses:

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSFERÊNCIA DE COTAS DE ACIONISTA MENOR DE IDADE. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO MENOR.
1) A disposição de cotas de sociedade de responsabilidade limitada por menor a outro sócio que seja seu genitor e representante legal não demanda, em princípio, autorização judicial, com base na presunção de que os integrantes da família, em princípio, zelam mutuamente por seus interesses.
2) Também é digno de nota o fato de pessoa civilmente incapaz ter integrado sociedade apenas virtualmente – detendo 1% das cotas -, possivelmente mais por conveniência de seus representantes legais que dele próprio, bem como em atenção de regra que impede a subsistência de sociedade empresária com apenas um sócio. (Apelação n. 5093156-57.2014.4.04.7100/RS. Rel. Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior. Julgado em 05/11/15)”

Outro argumento favorável a tese defendida é o disposto no item 9.2.5.1 Representação legal de sócio – da Instrução Normativa DREI nº 69, 18 de novembro de 2019 [3], dispensando para fins de registro, o esclarecimento quanto ao motivo da falta de autorização do genitor inerte.

“9.2.5.1 Representação legal de sócio. Quando o sócio for representado, deverá ser indicada a condição e qualificação deste, em seguida à qualificação do representante, no preâmbulo e no fecho, conforme o caso. Conforme art. 1.690 do Código Civil compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os sócios menores de 16 (dezesseis) anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade. Sendo desnecessária, para fins do registro, esclarecimento quanto ao motivo da falta’ (G.N.)

O poder familiar é exercido de forma igualitária por ambos os pais, com base no princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 5°, caput, da Constituição Federal.

O modelo da família adotado pela Constituição Federal de 1988 não é mais hierarquizado, primando pela igualdade entre seus membros, com base na presunção de que os integrantes da família, em princípio, zelam mutuamente por seus interesses.

Como bem leciona o professor Silvio Venosa [4]:

“O poder familiar não é exceção a essa regra, mas sim a confirma, na medida em que uma das suas prerrogativas é a de ser conferido aos genitores para que possam defender os interesses dos filhos menores que pela tenra idade, ainda não possuem capacidade para defender seus direitos. Tem importância, então, os interesses de todos os integrantes da família, devendo prevalecer a compreensão, o diálogo e entendimento, em detrimento da supremacia”

Em consonância a norma fundamental o Código Civil prevê no seu artigo 1.631 que compete o poder familiar aos pais, durante o casamento e a união estável e no artigo 1.632 coloca que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, ratificando a igualdade do poder familiar quanto ao seu conteúdo.

O poder familiar não tem relação com a sociedade conjugal (vínculo matrimonial ou união estável). Assim, tem-se que mesmo na situação em que não haja mais a referida sociedade os pais não perdem a titularidade do poder familiar.

Não obstante, nas hipóteses em que há decisões judiciais estabelecendo a guarda do menor a um dos pais, há uma redução no seu exercício, mas não uma diminuição quanto ao seu conteúdo.

Certo é que neste caso, ambos os pais são titulares do poder familiar e têm o dever de cumprir com as prerrogativas decorrentes desse parentesco (vínculo biológico).

Neste sentido é a posição de Caio Mario [5], ao criticar a redação do artigo 1.631 do Código Civil que diz que durante o casamento compete o poder familiar aos pais:

“O poder familiar não tem qualquer vinculação com o casamento dos pais; ele é decorrente do reconhecimento dos filhos por seus progenitores, independentemente da origem do seu nascimento”

Havendo abuso ou desrespeito a um dos direitos que possui o menor ou, em havendo descumprimento dos deveres inerentes aos pais, poderão ser tomadas algumas providencias, dentre elas: a suspensão, a perda ou a extinção do poder familiar.

Ressalvadas essas hipóteses, bem como, aquela prevista no artigo 1.633 do Código Civil, onde há a previsão de que o filho não reconhecido pelo pai fica sob o poder familiar exclusivo da mãe, haverá a possibilidade exercício exclusivo do poder familiar por um só dos seus titulares, no ato de representação do menor na sociedade empresarial.

Sem embargos, oportuno observar que as juntas comerciais exercem atividades de natureza federal, porquanto, embora sejam administrativamente subordinadas ao governo da unidade federativa em que se encontram localizadas, estão tecnicamente vinculadas ao Departamento Nacional de Registro do Comércio, órgão federal integrante do Ministério da Indústria e do Comércio, conforme preceitua o artigo 6º da Lei n. 8.934/94.

Sobre este prisma, ao receber pedidos de registro de atos societários, compete a referida autarquia, enquanto órgão administrativo apenas o cumprimento das formalidades legais dos documentos, não podendo apreciar o mérito das decisões societárias ou dos atos de gestão de sociedade.

Assim sendo, o controle das Juntas Comerciais restringe-se ao aspecto formal dos documentos, ou seja, de verificar as formalidades extrínsecas dos atos, sem cogitar de questões controvertidas ou de vícios não manifestos.

Nesse contexto, é defeso a mencionada autarquia examinar o mérito de alterações contratuais e atos societários, frisa-se, de teor intrínseco, não podendo, portanto, adentrar na seara dos interesses próprios de sócios ou acionistas.

Quanto às disputas judiciais entre as partes, cumpre ao Poder Judiciário notificar a mencionada autarquia para dar cumprimento a ordens judiciais, porquanto a função jurisdicional é atribuição exclusiva daquele Poder, conforme inteligência do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Neste sentido:

“Ao Registro do Comércio, decidiu o Tribunal de São Paulo, como órgão administrativo que é, sem função jurisdicional contenciosa, jamais se reconheceu competência para declarar a nulidade dos atos de constituição ou de alteração das sociedades anônimas, pelos vícios que poderiam invalidar a substância das declarações sociais. Essa competência é reservada ao Poder Judiciário, mediante ação própria” (Agravo de Instrumento nº 96.329 – Revista dos Tribunais; 299/342, Rubens Requião – Curso de Direito Comercial, 28ª edição pag. 124)

É evidente, portanto, a prerrogativa de se efetuar o registro, do sócio menor com o consentimento apenas um dos pais, em face do seu pleno exercício do poder familiar, cingindo-se a competência das Juntas Comerciais apenas ao exame das formalidades essenciais e legais dos documentos, garantindo, neste particular, a liberdade econômica e a perenidade dos negócios familiares, de forma equitativa e responsável.

Notas

[1] BRASIL. Instrução Normativa n. 81, de 10 de junho de 2020. Dispõe sobre as normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas, bem como regulamenta as disposições do Decreto nº 1.800, de 30 de janeiro de 1996.
[2] GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 360.
[3] BRASIL. Instrução Normativa n. 69, de 18 de novembro de 2019. Altera os Manuais de Registro, aprovados pelaInstrução Normativa nº 38, de 2 de março de 2017, bem como as Instruções Normativas nos 35, de 3 de março de 2017; 48, de 3 de agosto de 2018; 62, de 10 de maio de 2019; 11, de 5 de dezembro de 2013; e revoga a Instrução Normativa nº 36, de 3 de março de 2017.
[4] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
[5] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 13ª. Rio de Janeiro: Eorense, 2002. p. 253

Referências Bibliográficas

CAMPINHO, Sergio. Curso de Direito Comercial. 17ª edição. Ed. Saraiva. 2020.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 28ª. Edição. Saraiva.

Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.

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