terça-feira,16 abril 2024
ArtigosO Ministério Público e a colaboração premiada

O Ministério Público e a colaboração premiada

Por Fernanda Pereira Machado*

A lei que regulamenta a colaboração premiada estabelece que o papel do Ministério Público na realização do acordo de colaboração se inicia com o recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração e termina com formalização do acordo com o investigado.

Após a assinatura do acordo de colaboração, o Ministério Público tem o dever de peticionar em juízo requerendo a homologação do acordo de colaboração pelo Juiz competente, anexando aos autos para análise o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação.

A participação do Juiz no acordo de colaboração é tão somente a fase da homologação do acordo, onde deverá verificar a legalidade, a regularidade do acordo de colaboração e a voluntariedade do colaborador ao celebrar o acordo.

O momento em que o Juiz deve verificar a regularidade e legalidade, adequação dos benefícios pactuados, adequação dos resultados da colaboração, e a voluntariedade da manifestação de vontade é na audiência em que ouvirá sigilosamente o colaborador, antes da homologação do acordo celebrado entre o investigado e o Parquet.

O § 7º da Lei 12.850/2013 estabelece que o juiz deve ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, onde verificará os aspectos legais do acordo e a manifestação de vontade do colaborador, podendo se recusar a homologar a proposta se não atender os requisitos legais, devolvendo-a às partes para adequações necessárias.

Essa previsão legal busca, acima de tudo, garantir que o colaborador não foi coagido, seja com ameaças Lawfare, contra si e familiares, seja com as já fartamente documentadas intermináveis prisões preventivas, a aceitar os termos de um acordo imposto pelo Ministério Público com relação à narrativa, às penas corporais.

Nosso Ordenamento Penal prevê que a confissão obtida em sede de inquérito ou investigação seja confirmada em Juízo, se não é imprestável.

O colaborador confessa não apenas os fatos que participou, mas todos os que tomou conhecimento. É portanto, ao mesmo tempo réu confesso, informante e testemunha, devendo seu acordo ser objeto de profunda e criteriosa análise pelo Juízo quanto a voluntariedade da manifestação da vontade, sob o imenso e nefasto risco de que um acordo imposto sob coação leve a x números de “ações penais dirigidas e manipuladas” pelo órgão de persecução penal ou autoridade policial.

Ocorre que existem colaborações que estão sendo homologadas com a participação do Ministério Público, ato que é exclusivo do Juiz. Explica-se:

O Juiz tem convocado o Ministério Público e o pretenso colaborador, que deverá estar acompanhado de seu advogado, para a audiência sigilosa entre o Juiz e o colaborador, prevista no 7§ do art. 4º, da Lei 12.850/2013, onde se verifica a legalidade do acordo celebrado e a manifestação da vontade e voluntariedade do colaborador. Sendo inadmissível que o órgão de persecução penal esteja presente justamente quando se verifica os aspectos legais do acordo.

A presença do Ministério Público ou da autoridade policial nessa audiência antes da homologação do acordo torna o acordo homologado, salvo melhor entendimento, nulo.

A lei é clara quanto ao sigilo, e quem deverá estar presente na audiência, vejamos: “ devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação: regularidade e legalidade, adequação dos benefícios, adequação dos resultados, e voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares.”

A lei é precisa ao dispor “ especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares”.

Ao, na única oportunidade prevista na lei para manifestar ao Juízo sua narrativa sobre como foi conduzido o acordo de colaboração, o colaborador se vê frente ao “agente da coação ou tortura”, convocado pelo Juízo, ficando claro a ele o alinhamento entre o magistrado e órgão de persecução penal, inibindo qualquer manifestação sobre a legalidade ou coação.

Recentemente uma colaboração premiada ganhou repercussão nacional devido aos vídeos vazados pela imprensa, em que mostra o colaborador sendo dirigido pelo Parquet, sendo que em muitos momentos é a Procuradora que explica ao colaborador o que ele “quis dizer”.

Neste caso específico, a audiência sigilosa entre o juiz e o colaborador, acompanhado de seu advogado, contou com a participação do Ministério Público Federal, e na mesma assentada o Juiz proferiu a decisão que homologou o acordo de colaboração premiada.

Dito isto, questiona-se a legalidade da colaboração premiada em que o Parquet participa da audiência, em que se verifica os aspectos legais do acordo e a voluntariedade do colaborador, sem que haja previsão legal da sua participação. E além disso, questiona-se a presença do Parquet ao lado do juiz na homologação da colaboração, haja vista a homologação do acordo foi proferida em audiência.

A homologação do acordo sem prévia audiência do Juiz com o colaborador, ainda que a princípio menos gravosa que a discutida em comento, projeta nos colaboradores a visão que o juiz não se interessa em escutá-lo porque está de forma concreta pendendo a balança de forma desequilibrada em direção ao órgão de persecução penal. Ao colaborador apenas resta aceitar o que lhe é imposto, mesmo que não represente a expressão da verdade ou a exata manifestação de sua vontade.

Assim, Juízes que de forma constante homologaram acordos sem ouvir o colaborador, estregam de forma consciente ou não ao MPF uma ferramenta para impor acordos fortíssima, um recado claro que não se preocupe com os meios, mas apenas o fim.

O colaborador que não tem seu direito de ser ouvido pelo Juízo, ou o tem na irregular presença do MPF ou autoridade policial, quando na homologação de seu acordo, foi tolhido de proteção penal e processual penal, que prevista em lei, e pior, a outros colaboradores em outros juízos ou pelo próprio que não o quis ouvi-lo, em clara e ilegal caso de aplicação do Direito Penal do Inimigo, sendo portanto nulo o acordo.

 

*Fernanda Pereira Machado, colaborou com nosso site por meio de publicação de conteúdo. Ela é advogada criminalista – 34 anos – Mestre em Direito Econômico, Pós graduada em Direito Penal Econômico e Criminalidade Complexa. Pós graduanda em inteligência aplicada e investigação criminal e pós graduada em Direito Tributário.

 

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