sexta-feira,29 março 2024
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O meio ambiente de trabalho do frentista de postos de combustível autoriza o acúmulo dos adicionais de insalubridade e periculosidade?

Coordenador: Ricardo Calcini.

Olá queridos colegas que acompanham nossas colunas no portal Megajurídico!
Nesta semana, o nosso texto é produto da colaboração entre Flávia Rodrigues e Flávio Porpino e estaremos abordando um tema que sempre causa estranhamento para os mais legalistas e, também, para os mais ativistas defensores da (im)possibilidade de se acumular os adicionais de insalubridade e periculosidade.

Para debater sobre a questão posta, decidimos escolher um microcosmo trabalhista dos frentistas de postos de combustível como campo de reflexão. Com isto, esperamos adoçar a discussão com uma observação sobre a situação em concreto destes trabalhadores e o meio ambiente laboral no qual estão inseridos.

Nossa intenção é apresentar, assim, uma discussão voltada para um ambiente laboral que, como esclareceremos mais a frente, parece ofertar à vida e saúde do frentista de postos de combustível uma exposição simultânea à agentes nocivos à sua saúde, sob a ótica da insalubridade, e, a situações que colocam em risco a integridade da vida desses trabalhadores que lidam com combustíveis ao longo de sua jornada de trabalho.

Para elaborar nossa reflexão, nós partimos de algumas perguntas e, na medida em que fomos respondendo, delineamos algumas respostas que, quando somadas, dão o tom de nossa conclusão e resposta derradeira para a pergunta que dá título à nossa coluna de hoje: o meio ambiente de trabalho do frentista de postos de combustível autoriza o acúmulo dos adicionais de insalubridade e periculosidade?

1. Existe uma previsão dogmática-jurídica de que se deve ofertar proteção ao meio ambiente do trabalho?

A primeira pergunta que respondemos diz respeito a existência concreta e positiva de legislação que traduza para o universo do direito do trabalho a possibilidade de se ofertar uma proteção jurídica ao meio ambiente do trabalho.

De fato, ao levantar as premissas para nossa pequena jornada desta semana, nós descobrimos que a ideia de meio ambiente do trabalho está intimamente conectada à proteção geral que a Lei Federal nº 6.938/1981 delineia para o meio ambiente como um todo, em seu inciso I do art. 3º. Neste dispositivo, encontramos o conceito jurídico de meio ambiente traduzido como “[…] o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; (BRASIL, 2018)”, por um lado, e à diretriz adotada pela Carta de Direitos de 1988, que refaz a leitura do conceito jurídico de meio ambiente e, em seu art. 225 dá um passo além, indicando as responsabilidades e diretrizes para se pensar o meio ambiente, por outro lado (BRASIL, 2018).

Com base nestas ideias, devidamente absorvidas pela ordem jurídica nacional, Nascimento conceituou o meio ambiente de trabalho como:

[…] o complexo máquina-trabalho: as edificações do estabelecimento, equipamentos de proteção individual, iluminação, conforto térmico, instalações elétricas, condições de salubridade ou insalubridade, de periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga, outras medidas de proteção ao trabalhador, jornadas de trabalho e horas extras, intervalos, descansos, férias, movimentação, armazenagem e manuseio de materiais que formam o conjunto de condições de trabalho etc. (2011, p. 837).

Interessante notar que o conceito de Nascimento toma como ponto de partida a lógica do inciso I do art. 3º da Lei Federal nº 6.938/1981 (BRASIL, 2018)., e o aplica ao universo do direito do trabalho. Não sem razão, é que se pode afirmar que o tema do meio ambiente do trabalho se conecta, em diretrizes, com o conteúdo do art. 225 da Carta de Direitos de 1988, ao que se pode estabelecer a vinculação entre a relação entre o homem e o fator técnico, e uma nova dimensão, de ordem sanitária (BRASIL, 2018).

O meio ambiente do trabalho, inserido neste contexto, trata da oferta de proteção à saúde do trabalhador e, assim, a integridade da sua vida.

2. Existe uma previsão dogmática-jurídica de que se deve ofertar proteção à saúde do trabalhador?

Com base no art. 5º da Constituição Federal de 1988, podemos identificar como direitos fundamentais da sociedade a proteção à vida, à saúde e à integridade física (BRASIL, 2018).

Assim, nos atuais tempos, a chamada tutela da saúde e da segurança do trabalhador, especialmente, para se traçar diretrizes que inibam condições laborais reputadas como indignas e/ou que facilitem a deterioração da saúde dos trabalhadores, resultaram em muitas mortes, mutilações e graves enfermidades.

Nesse contexto, acredita-se que a observância das diretrizes diminuiria os acidentes trabalhistas, proporcionaria a proteção à vida, à saúde e à integridade física do trabalhador, reduziria os perigos e a exposição aos riscos ambientais dos trabalhadores (NASCIMENTO, 2012, p. 864).

Além da adoção da proteção à saúde nas esferas constitucional e infraconstitucional, o Brasil buscou acompanhar as mudanças internacionais na atuação em temas comuns, como ocorre com a proteção do trabalhador, assinando uma série de tratados e convenções internacionais, principalmente no âmbito da Organização Internacional do Trabalho sobre segurança e saúde do trabalhador (OLIVEIRA, 2010, p. 112).

A Organização Mundial da Saúde define saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Desse conceito, depreende-se por completo bem-estar social a saúde e as boas condições do ambiente laboral.

Na mesma linha de entendimento, a Convenção n° 155 da Organização Internacional do Trabalho caracteriza a saúde não só como a ausência de afecções ou de doenças, mas também indica os elementos físicos e mentais que afetam e estão diretamente relacionados com a segurança e higiene no trabalho.

A Convenção nº 155 da OIT obriga a formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, em nível nacional e de empresa, e a Convenção n. 161 da OIT estabelece princípios de uma política nacional de proteção à saúde do trabalhador (NASCIMENTO, 2011, p. 849).

No campo infraconstitucional, a CLT trouxe os seguintes temas: normas básicas de segurança e medicina do trabalho e dos órgãos aos quais incumbe velar por esse bem jurídico (arts. 155 a 159); inspeção prévia, embargo ou interdição de estabelecimento (art. 160); órgãos de segurança e medicina do trabalho na empresa (arts. 162 a 165); equipamentos de proteção individual (arts. 166 e 167); medidas preventivas de medicina do trabalho (arts. 168 e 169); edificações (arts. 170 a 174); iluminação (art. 175); conforto térmico (arts. 176 a 178); instalações elétricas (arts. 179 a 181); movimentação, armazenagem e manuseio de materiais (arts. 182 e 183); máquinas e equipamentos (arts. 184 a 186); caldeiras, fornos e recipientes sob pressão (arts. 187 e 188); atividades insalubres ou perigosas (arts. 189 a 197); prevenção da fadiga (arts. 198 e 199); é competência do Ministério do Trabalho e Emprego baixar normas complementares (art. 200), entre as quais portarias sobre Normas Regulamentares de Medicina e Segurança do Trabalho — Nrs (NASCIMENTO, 2011, p. 850).

Nesta linha de leituras, podemos perceber que a saúde laboral possui diretrizes próprias que orientam aos cuidados necessários para reduzir a exposição de riscos ambientais laborais e, ainda, contribuir para a melhoria da vida do trabalhador exposto a possíveis riscos.

3. Existe uma previsão dogmática-jurídica de quais são os tipos de riscos ambientais laborais?

Certo que é da competência do Ministério do Trabalho e Emprego baixar normas complementares (art. 200 da CLT), entre as quais portarias sobre Normas Regulamentares de Medicina e Segurança do Trabalho, encontramos a Norma Regulamentadora (NR) nº 5, que trata dos riscos no ambiente de trabalho e os classificados em cinco tipos: físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e acidentes.

Estes riscos são entendidos pela NR como fatores que colocam o trabalhador em situação de vulnerabilidade e que podem afetar sua integridade física e seu bem-estar psíquico, estando entre eles os riscos de acidentes com máquinas e equipamentos sem proteção, possibilidade de incêndio e explosão, ambiente físico inadequado, dentre outros (BRASIL, 2018).

Já no chamado risco químico, são consideradas as substâncias, compostos ou produtos que possam penetrar no organismo do trabalhador pela via respiratória, nas formas de poeiras, gases, neblinas, névoas ou vapores, ou que, pela exposição, possam ter contato ou ser absorvido pelo organismo através da pele ou por ingestão. Já o risco biológico se dá pelo contato com bactérias, vírus, fungos, parasitas, entre outros (BRASIL, 2018).

4. O meio ambiente laboral dos frentistas em postos de combustível: ambiente insalubre e periculoso?

O frentista de posto de gasolina trabalha diariamente exposto a fatores de risco tanto à saúde quanto à integridade física (SEGURANÇA, 2016), tendo assim o ambiente dos postos de combustíveis um regime , aos trabalhadores, inúmeros riscos e agravos à saúde, os quais devem ser considerados nocivos ao processo saúde-doença do profissional exposto, podendo-se destacar: o contato com combustíveis e outros produtos químicos, permanência junto às bombas de combustíveis, ruído, vibração, calor, frio, risco de atropelamento, assaltos, repetitividade de movimentos, longas jornadas de pé e sobrecarga de trabalho pelas múltiplas funções que desempenham (CEZAR-VAZ et al., 2012).

O contato do frentista com substâncias químicas permeia diversas atividades como o abastecimento de veículos, lubrificação, manuseio de partes contaminadas do motor para verificar níveis de óleo e água e contato com panos e estopas contaminados.

Uma pesquisa para averiguar a exposição dos trabalhadores de postos revendedores a riscos químicos foi desenvolvido por Juan Carlos Viñas Cortez que desenvolveu um equipamento denominado de Gasolimp, feito de esponja poliuretana e que absorve resíduos combustíveis lançados durante o abastecimento.

Por meio deste equipamento, e avaliando a situação de frentistas que trabalham na área de 6 meses a 2 anos, foi possível verificar que no processo de abastecimento a bomba libera entre 6 e 8 gotas de gasolina que são absorvidas por panos e roupas dos trabalhadores, o que pode gerar problemas gastrointestinais, taquicardia, distúrbios respiratórios, lesões nas mãos, vertigens e tonturas (VODONIS, 2014).

Em relação a atividade insalubre, podemos citar o contato com combustíveis, óleos, e lubrificantes, bem como produtos de limpeza extremamente fortes quando o posto oferece o serviço de lavagem de veículos. O frentista estaria, assim, exposto à situações de constante risco à saúde. (SEGURANÇA, 2016)

Quanto a periculosidade, há o risco acentuado de explosão pelo manuseio de substâncias altamente inflamáveis. Alguns juristas se referem também ao alto risco de assaltos à mão armada (SEGURANÇA, 2016).

Dentre os riscos ocupacionais identificados para a função de frentista, têm-se os riscos de acidentes considerados como ofensivos, em especial o risco de incêndio e explosão, pois qualquer faísca pode se tornar perigosa (BERTOLDI, 2014).

Entende-se que os compostos como gasolina, álcool, diesel, gás natural são inflamáveis e voláteis, assim, quando liberados podem resultar em incêndios e explosões, com danos graves à vida e saúde dos sujeitos. Além disso, os cenários de postos de combustíveis contribuem ainda para a contaminação do solo e da água, e a exposição aos vapores tóxicos (GOUVEIA; NARDOCCI, 2007).

Concordamos, assim, que estes espaços exercem atividades consideradas impactantes à saúde humana e ao meio ambiente, as quais vão desde contaminação humana, incêndios, explosões, geração de resíduos e contaminação do solo e águas subterrâneas e superficiais, por meio de vazamentos de combustíveis (MALCUM, 2009).

5. O meio ambiente de trabalho do frentista de postos de combustível autoriza o acúmulo dos adicionais de insalubridade e periculosidade?

Chegando ao final desta corrida, sabemos que a legislação e a doutrina mais tradicional apontam para a impossibilidade de cumulação de pagamento de ambos os adicionais, legando ao trabalhador a escolha daquele que entenda ser mais vantajoso.

Aqui, lançamos ao leitor a seguinte ideia: os salários condição, como o são os adicionais de insalubridade e periculosidade, não deveriam ser vistos como método de desestímulo ao empregador a colocação de profissionais expostos aos riscos que são indenizados através do pagamento desses referidos adicionais?

No âmbito dos tribunais, o argumento mais interessante, neste passo, nos pareceu ser o da admissão de cumulação declarada no âmbito do TST, em abril de 2016, por meio do Relator Cláudio Mascarenhas Brandão que entendeu que o artigo 193, § 2º da Consolidação das Leis de Trabalho não havia sido recepcionado pelo artigo 7º, XXIII da Constituição Federal de 1988, e, portanto, que no artigo 193, § 2º da CLT não havia ressalva alguma sobre a não cumulatividade e que este deveria ser interpretado à luz da CRFB (NAYARA, 2017).

O entendimento é de que com a ratificação da Convenção nº 155 da Organização dos Tratados Internacionais, que tem status de norma supralegal, isto é, abaixo da Constituição mais acima das Leis Ordinárias, revogaria a vedação que o artigo 193, § 2º da CLT preconiza acerca desta opção que o trabalhador deve fazer.

Vejamos o art. 11 da Convenção nº 155 da OIT, devidamente ratificada pelo Brasil:

Art. 11. […] b) a determinação das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes;

Assim o entendimento é de que se o trabalhador esteja exposto à agentes insalubres e perigosos, mas sejam provenientes de fatos geradores diferenciados e autônomos entre si, estes serão sim devidos ao trabalhador pois não decorreram os dois adicionais de um único fato gerador.

De outro lado, se o trabalhador estiver exposto à agentes insalubres e perigosos e este decorra de apenas um fato gerador, será aplicado ao artigo 193, § 2º da Consolidação das Leis de Trabalho, neste caso o trabalhador deverá optar por apenas um dos adicionais.

Nesta linha, percebemos que o trabalhador de posto de combustível encontra-se exposto durante sua jornada de trabalho a dois importantes riscos: o risco químico e o risco de acidente. O risco químico é advindo do manejo com substâncias químicas e o risco de acidente ocorre devido a possibilidade de incêndio e explosões, por trabalhar com material inflamável.

Conclui-se este trabalho, pelo favorecimento ao frentista de postos de combustíveis referente ao acúmulo dos adicionais de insalubridade e periculosidade uma vez que são advindos de fatos geradores diferentes e autônomos entre si.

 

 


Referências

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. São Paulo: LTr. 2017.

GOUVEIA, J. L. N.; NARDOCCI, A. C. Acidentes em postos e sistemas retalhistas de combustíveis: subsídios para a vigilância em saúde ambiental. Eng. sanit. Ambient. v. 12, n. 3, p. 317 – 324. 2007.

MALCUM, Karin Ceroni. Avaliação da capacitação de frentistas em postos de combustível na cidade de Porto alegre. Lume Repositório Digital, 2009. Disponível em:
<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/28704/000748709.pdf?sequence= 1>. Acesso em: 10 mai 2018.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

______. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

NAYARA, Fernanda. Cumulação de adicional de periculosidade e insalubridade: Uma análise dos precedentes do TST e TRT. Jusbrasil, 2017. Disponível em: <https://fernandaferreira37.jusbrasil.com.br/artigos/484248737/cumulacao-deadicional-de-periculosidade-e-insalubridade-uma-analise-dos-precedentes-do-tst-etrt>. Acesso em: 10 mai 2018.

OLIVEIRA, Fernando Jung de. Cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Lume Repositório Digital, 2016. Disponível em:
<https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/147598/000999439.pdf?sequenc e=1>. Acesso em: 10 fev 2018.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde o trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTr, 2010.

SEGURANÇA, do Trabalho [Blog Internet]. Frentista de Posto de Gasolina:
Insalubridade ou Periculosidade?, mar. 2016. Disponível em:
<https://www.blogsegurancadotrabalho.com.br/2016/03/frentista-de-posto-degasolina-insalubre-periculo.html>. Acesso em: 02 abr. 2018

VODONIS, Bruno Guilherme. Análise preliminar de riscos em postos de combustíveis – estudo de caso, 2014. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Disponível em:
<http://repositorio.roca.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/3466/1/CT_CEEST_XXVII_2014 _04.pdf>. Acesso em: 16 mai 2018.

 

Flavia Nogueira Rodrigues

Advogada. Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário- pela UNESA- RJ. Membro da Comissão da Advocacia Trabalhista na OAB seccional Maranhão.

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