quinta-feira,28 março 2024
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O jubileu de prata do Código de Defesa do Consumidor e o Novo CPC

Por Gustavo Mendonça Oriol Torres*

Na data de 11 de setembro a imprensa faz questão de trazer à memória o ataque realizado às torres gêmeas do World Trade Center de Nova York e ao Pentágono de Washington, provocando cerca de 3000 mortes há 10 anos atrás.
Contudo, poucos comemoram o jubileu de prata do Código de Defesa do Consumidor.
Poucos tem conhecimento, mas possuímos uma das legislações mais avançadas do mundo no tocante às relações de consumo.
O CDC surgiu como um “filho” da Constituição Federal de 1988, trazendo inovações que sequer existem em muitos países desenvolvidos.
Até mesmo no continente europeu, não há um regramento tão avançado para responsabilização de fornecedores de serviços.

No Brasil, temos a responsabilização de produtos e serviços claramente delimitadas, e o princípio da responsabilização integral adotado nas relações de consumo em nosso território é modelo para inúmeros países.
O Código do Consumidor veio para “oxigenar o Antigo Código Civil”, que já não satisfazia os anseios da população em razão do crescente aumento das relações de consumo. Neste mesmo período de nascimento do Código de Defesa do Consumidor, surgiu o Superior Tribunal de Justiça, estes considerados “os filhos da Constituição’.

Este Tribunal ficou conhecido por “Tribunal da Cidadania” isto porque aplicou o Código de Defesa do Consumidor em inúmeros casos, criando jurisprudência e lutando para que a lei federal fosse aplicada em face de empresas despreocupadas com os direitos do consumidor brasileiro.

Aliás, o Tribunal da Cidadania, em inúmeros Recursos Especiais apreciados tem aplicado o Código de Defesa do Consumidor tanto na responsabilidade pelo fato do produto como do serviço, indo além das inovações da Comunidade Européia em matéria de responsabilização de fornecedores em matéria consumeirista, aprimorando a Diretiva 374/85 do parlamento europeu, legislação relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos.
O nosso Código de Defesa do Consumidor inspirou-se na diretiva européia, e avançou no tocante à responsabilização devida à todos que sofreram com os eventos danosos advindos do fornecedor de produtos e serviços.
Tamanho o avanço legislativo, o CDC acolheu, nos moldes do modelo americano, o princípio da reparação integral, sem limites para o valor da indenização.

Logicamente, não é objetivo deste artigo adentrarmos a fundo em todas as peculiaridades, mas em pequenas linhas, depreende-se que, na Europa, a responsabilidade pelo fato do serviço não foi regulada até hoje. Cabe ressaltar que este mercado representa aproximadamente 70 % de todo o Produto Interno Bruto europeu !

Mas fica o questionamento, o que mudará com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil?
Trará mudanças positivas?
Poderá o novo CPC prejudicar os avanços já conquistados?
Estas respostas só o tempo nos responderá.
Uma das maiores mudanças relacionadas ao novo disciplinamento diz respeito exatamente ao ônus da prova.
O novo Código de Processo Civil resolveu mexer neste assunto. Mas será que as mudanças são inovações realmente?
Veremos que não.

Basta observarmos o antigo artigo 6, VIII que preceitua entre os direitos básicos do consumidor no Código do Consumidor que ensina que:

“a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.
Tal inversão é denominada pela doutrina de “ope judicis”.

Diferentemente da inversão intitulada “ope legis” determinada pelo legislador.
Segundo artigo 373 do novo CPC:

“Art. 373. O ônus da prova incumbe:
Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
O novo código apenas incorporou o que já existia no Direito do Consumidor que a doutrina intitula: “Carga Dinâmica da Prova”

Desta forma, estará nas mãos do magistrado este poder de determinar quem produzirá a prova do que e para quê.
Esta determinação dá enorme poder ao magistrado de decidir o que será provado como e quem provará.
Talvez uma grande quantidade de fornecedores de produtos e serviços não tenha ainda idéia do significado disso! Esta ferramenta, se bem utilizada, poderá melhorar a atividade jurisdicional e aumentar a celeridade, mas se utilizada erroneamente, massificará agravos de instrumentos que poderão vir a travar grande porcentagem de cartórios imperceptivelmente.

Em breves palavras, percebo este poder concedido ao magistrado como uma via de mão dupla, será que todos os magistrados garantirão o contraditório?
Afinal de contas:
Será que empresas pequenas estarão preparadas para estas mudanças em pé de igualdade com grandes corporações ?
O recurso no Tribunal desta decisão terá celeridade?
E se não for assegurado o contraditório em momento oportuno, tal decisão sofrerá com os efeitos da preclusão?
Pequenas empresas não podem ser tratadas como grandes corporações. O magistrado deve observar tal fato na distribuição do ônus, pois não é de bom alvitre utilizar tal método de forma equivocada em relações de natureza civil propriamente dita.

O código de processo civil, pretendendo evitar abusos, expressamente trouxe como um dos tipos de decisão interlocutória recorrível pelo Agravo de Instrumento, conforme 1.015 do novo Código:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

Mas as questões não param por aqui, e também não é meu intuito resolvê-las ou afirmar categoricamente o que virá pela frente!
Em que momento o juiz decidirá sobre a distribuição? Próximo à prolação da sentença? Após a instrução? No momento da audiência?
Enfim, imagine que um colega advogado esteja defendendo seu cliente, e em audiência o magistrado, sem oportunizar a ampla defesa, informa ao patrono que será modificada a distribuição do ônus da prova? E agora? Quem poderá defender o colega?

O novo Código tenta resolver a questão. Senão vejamos:

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373

Assim, em tese, determinou-se que será na fase de saneamento. Buscou-se o respeito ao contraditório.
Outras questões surgem, esse transposição de normas processuais consumeiristas se encaixarão perfeitamente em todos os contratos civis? Enfim, há muita coisa ainda pela frente!

Por fim, precisamos estar preparados para utilização de todas estas ferramentas, conhecendo-as e aperfeiçoando-as, tendo a cautela como excelentes operadores do direito de analisar os prós e contras do novo ordenamento, atentos aos avanços , mas sobretudo às conquistas passadas, que servem de norte para a jornada que trilharemos em busca de uma sociedade mais justa e solidária.


Referências:
Resp 1.036.485/ SC (2008)
Resp 1.410.960/RJ (2015)
Resp 1.513.245/SP(2015)
Resp 1.352.227/RN (2015)
AgResp 59.6237/SP (2015)
Resp 1.168.775/RS (2012)
Resp 802.832/MG (2011)
Súmula 479 STJ (2011)
Resp 1.118.121/SC (2015)
Resp 1440.756/ RJ (2015)
Resp 1.395.285/SP (2013)
Resp 1.249.363/SP (2014)
Diretiva 375/85 (Comunidade Européia – 1985)
Caso McPherson v. Buick Motors (EUA)
Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078 de 11 de setembro de 1990
Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105 em vigor a partir de 16 de março de 2016


Aproveite e faça download do Código de Defesa do Consumidor em áudio, clicando aqui.

*Gustavo Mendonça Oriol Torres, colaborou com nosso site por meio de publicação de artigo. Ele é Mestre em Direito. Advogado em São Paulo. Palestrante sobre Direito Civil e Processo Civil.

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