quinta-feira,28 março 2024
ColunaDireito da SaúdeO Direito da Saúde nos tempos de COVID-19

O Direito da Saúde nos tempos de COVID-19

             No Correio Brasiliense de 13/03/2020, Francisco Balaguer Callejón iniciou o seu artigo com uma frase bastante emblemática: Alguém, em algum lugar da China, remoto ao que nos possa parecer, compra um animal selvagem num mercado para seu consumo alimentar. Três meses depois, essa decisão provoca mais de 4 mil mortos e mais de 100 mil infectados por coronavírus[1].

              No presente momento, em 31/01/2020, o mundo registra pouco mais de 52 mil mortes e mais de 1 milhão de pessoas infectadas, conforme dados extraídos da Universidade Johns Hopkins[2].

              Para o enfrentamento desta pandemia o Brasil, tal como vários países do mundo, editaram diversas legislações para organizar a sociedade e dispor sobre as novas situações que estão surgindo.

A principal lei, até o presente momento, é de número 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.

              Desta lei derivou uma série de novas normas editadas pelos entes diversos da federação e que vão desde Medidas Provisórias até resoluções, de modo que o arcabouço jurídico está sendo construído conforme necessidades e fatos novos são apresentados aos gestores.

              As ferramentas que o poder público poderá implementar são aquelas dispostas no         art. 3º da referida lei: isolamento; quarentena; determinação compulsória de exames; testes vacinas etc.; estudo ou investigação epidemiológica; exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; restrição excepcional e temporária de rodovias, portos ou aeroportos; requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas; e autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa.

              O isolamento e a quarentena estão regulamentados pela Portaria nº 356 de 2020 e esta expõe que objetiva a separação de pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação clínica e laboratorial, de maneira a evitar a propagação da infecção e transmissão local (art. 3º).

              Esta medida somente poderá ser determinada por prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica, por um prazo máximo de 14 dias, podendo se estender por até igual período, conforme resultado laboratorial que comprove o risco de transmissão (§1º).

              A quarentena deve ser decretada com o objetivo de garantir a manutenção dos serviços de saúde em local certo e determinado.

A medida de quarentena deve ser determinada mediante ato administrativo motivado, devendo ser editada por Secretário de Saúde do Estado, do Município, do Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde com publicação no Diário Oficial, tendo prazo de até 40 dias, podendo se estender pelo tempo necessário para reduzir a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território (§1º e §2º do art. 4º).

O não cumprimento do isolamento ou da quarentena pode acarretar a aplicação de medidas que visem à responsabilização do infrator (art. 5º).

              Note-se que a restrição de pessoas é medida excepcional sendo necessária, pois o exercício de um direito individual pode expor a sociedade a um risco maior (saúde pública). Portanto, o Estado está autorizado a trazer certa limitação ao direito individual, desde que a medida seja justificada e razoável.

              Importante destacar que o §2º do art. 3º da Lei nº 13.979/2020 dispõe que as pessoas afetadas pelas medidas mencionadas possuem o direito de informação sobre o seu estado de saúde e a assistência à família, de receberem tratamento gratuito e pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas.

              No entanto, em caso de descumprimento das medidas impostas, a pessoa poderá ser chamada à responsabilização pelos danos causados.

              O art. 7º da referida lei destaca que as medidas de restrição podem ser impostas pelos diversos entes da Federação, sendo o Ministério da Saúde ou gestores locais de saúde.

              No entanto, em caso de atividades essenciais é vedada a restrição à circulação de trabalhadores, bem como as cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de gêneros necessários à população.

              As atividades essenciais foram regulamentadas pelos Decretos nº 10.282/20  e 10.292/20 e são, dentre outras: assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares; assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade; segurança pública e privada, incluídas a vigilância, a guarda e a custódia de presos;  transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros e o transporte de passageiros por táxi ou aplicativo; serviços funerários; compensação bancária; redes de cartões de crédito e débito; caixas bancários eletrônicos e outros serviços não presenciais de instituições financeiras; mercado de capitais e seguros; cuidados com animais em cativeiro; atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde; e unidades lotéricas.

              Pela urgência para a aquisição de bens e serviços a referida lei dispensa a licitação, mas é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (§1º do art. 4º).

              Algumas medidas mostram-se desafiadoras, mas podem render interessantes avanços como as ações de telemedicina, dispostas na Portaria nº 467 de 2020, onde autorizam os profissionais médicos para a interação à distância, contemplando o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS e na saúde suplementar e privada.

              Ademais, é autorizada a emissão de receitas e atestados médicos à distância e será válida em meio eletrônico, mediante o cumprimento de determinadas normas dispostas no        art. 6º da referida Portaria.

              O recrutamento de estudantes da área da saúde também foi regulamentado pela Portaria nº 356 de 2020, sendo autorizados os alunos dos dois últimos anos do curso de medicina e do último ano dos cursos de enfermagem, farmácia e fisioterapia do sistema federal de ensino, a possibilidade de realizar o estágio curricular obrigatório em unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento, rede hospitalar e comunidades (art. 1º).

Para os alunos de medicina a atuação deve ocorrer exclusivamente nas áreas de clínica médica, pediatria e saúde coletiva no apoio às famílias e aos grupos de risco, de acordo com as especificidades do curso.

Quanto aos estudantes dos cursos de fisioterapia, enfermagem e farmácia, os alunos atuarão em áreas compatíveis com os estágios e as práticas específicas de cada curso.

Como pode ser visto, no enfretamento de uma pandemia a produção legislativa deve ser contínua de forma a dar legitimidade para a atuação dos gestores e fazer com que o planejamento da ação consiga ser a mais efetiva possível.

Os profissionais do Direito devem estar atentos às diversas medidas, auxiliando a interpretação das normas e denunciando caso qualquer irregularidade possa ser cometida.

[1]https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2020/03/13/internas_opiniao,833946/artigo-o-fracasso-da-narrativa-desprovida-de-solidariedade.shtml

[2] https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6

Advogado e professor. Doutorando em Ciências Farmacêuticas, Mestre em Direito da Saúde e especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

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