Prezados leitores a Maga Carta de 1988 apresenta em seu escopo de princípios o Art.1º, III. Portanto, trata-se do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Principio fundante e pilar de sustentação ideológica do ordenamento jurídico brasileiro. Significa que o ordenamento jurídico existe para proteger a pessoa humana e não o contrário. Portanto, percebe-se claramente a força normativa que o referido princípio possui diante dos possíveis atos lesivos à pessoa humana.
Dignidade é a palavra chave para o entendimento do princípio, porém, eis a questão que urge em meio ao tema que ora explanamos: O que é dignidade? A expressão dignidade vai além de qualquer definição limítrofe a respeito do conceito, assim sendo, dignidade remete-nos para os seguintes aspectos; Felicidade, saúde, educação, segurança e Et Cetera. O significado de dignidade é extremamente amplo, portanto, ter acesso a saúde de qualidade, a prevenção e manutenção da saúde é elemento mínimo necessário para uma vida digna e por consequência para uma vida feliz.
O foco da problemática que por ora iremos nos debruçar é o acesso à saúde enquanto elemento fundamental para a felicidade, portanto, por consequência torna-se elemento fundamental para a dignidade humana.
A Carta Magna de 1988 eleva a saúde enquanto direito fundamental e de ordem social. Sendo precisamente a partir do Art.196 a saúde passa para uma nova dimensão da tutela da jurisdição, portanto, para a dimensão de direito fundamental social.
No que refere-se ao referido Art. 196 afirma a Carta Magna:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação.
Percebam a ênfase que a o referido texto normativo apresenta sobre a dimensão da saúde enquanto direito coletivo e dever do Estado. Ora! Afirma o referido texto normativo: Direito de todos e dever do Estado. Significa que o direito à saúde é um direito que deveria ser inquestionável, intocável e sendo papel do Estado garantir o acesso, a proteção, a promoção da saúde. Percebam senhores (as), de fato, sobre hipótese alguma o texto normativo constitucional declara possível o Estado ausentar-se de tal responsabilidade, pelo contrário, diga-se de passagem, o que fica visível é uma notória obrigação do Estado enquanto protetor e provedor da saúde.
Notoriamente no que se refere ao contexto contemporâneo é exatamente o contrário. Portanto, a marca inerente ao funcionamento do Estado contemporâneo é a sua ausência e o uso de políticas de saúde que pouco contribuem para o acesso universal da população ao direito mínimo da saúde. Tal lacuna da atuação do Estado desenvolve uma eclosão de operadoras e planos de saúde que se espalham em território nacional. Obviamente que a eclosão de diversas operadoras e planos de saúde, per si, não representa um aspecto totalmente negativo, porém, significa que de certa maneira o Estado não consegue promover o direito de acesso à saúde de acordo com a realidade da demanda.
Normativamente existem diversas previsões além do texto constitucional, portanto, previsões normativas que vão além do Código Civil de 2002 e do Código de Defesa do Consumidor. Nesse rol de previsões, textos normativos podem-se destacar: Lei 8.080/90, lei 9.656/98, lei 9.961/2000, lei 13.146/2015 entre diversas outras leis. Eis outra questão normativa a ser pensada: O próprio contrato possui força normativa entre as partes, ou seja, o contrato é lei entre as partes (Pact Sunt Servanda).
Portanto, diga-se de passagem, não é porque o contrato é lei entre as partes (Pact Sunt Servanda) que tal instrumento contratual estará acima da lei, ou melhor, acima da Carta Magna ou do Código Civil, ou simplesmente, do Código de Defesa do Consumidor. Ora! Trata-se de direito fundamental de ordem social e tutelado pelo Estado a partir do próprio princípio basilar da Dignidade da Pessoa Humana, portanto, nenhum contrato poderá colocar-se acima da lei e da própria pessoa humana, significa afirmar, que a regra do Pacta Sunt Servanda poderá ser relativizada por força da Dignidade da Pessoa Humana.
A saúde humana não pode ser compreendida enquanto uma questão mercantil, mas, enquanto elemento básico, mínimo necessário para a manutenção de uma vida digna, de uma vida feliz. Portanto, eis a função do Direito da Saúde, aliás, mais especificamente da advocacia na manutenção, promoção e para a garantia da pessoa humana ao seu direito a saúde.
A existência das diversas operadoras e planos de saúde, jamais, podem representar uma ameaça ao direito fundamental da pessoa humana de acesso à saúde. Porém, deveria, acima de tudo representar enquanto instrumento de preservação da pessoa humana no acesso e promoção de sua saúde. O que se percebe em meio a eclosão das diversas operadoras e planos de saúde, portanto, é o aumento crescente de cláusulas que tendem a fragilizar ainda mais a pessoa humana em meio a sua dor. Desenvolvendo por efeito um crescente aumento da Judicialização da saúde mediante a ausência do Estado enquanto principal ator na promoção da saúde.
Neste sentido compreende o Ministro Celso de Mello RE 271.286:
O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional.
O problema da Judicialização da saúde, diga-se de passagem, monetariamente é tão incisivo quanto ao aspecto da ausência do Estado mediante a falta de verbas para promoção da saúde. O excesso de Judicialização da saúde eleva o custo do Estado em movimentar o Poder Judiciário para garantir o acesso de um Direito que deveras é primordial para uma vida digna e por consequência uma vida feliz. Contudo, a extensa diversidade de operadoras e planos de saúde não garantem qualidade da promoção e do acesso a saúde.
Senhores (as), diretrizes de cláusulas contratuais, ou simplesmente, previsões normativas da ANS, diga-se de passagem, não estão acima da lei, portanto, neste aspecto o Princípio da Hierarquia das Normas incide e impõe a proteção da pessoa humana acima de previsão de cláusula contratual, ou mesmo, de previsão normativa da ANS. A pessoa humana não pode, nem deverá ser submetida a normas que coloquem em risco à sua saúde e consequentemente a vida. Não é a pessoa humana quem deverá proteger o ordenamento jurídico, mas, o ordenamento jurídico que deverá proteger a pessoa humana, assim sendo, no mesmo aspecto não é a pessoa humana quem deverá proteger as operadoras e planos de saúde, mas, as operadoras e planos de saúde que possuem contratualmente e constitucionalmente o dever em proteger, promover a saúde e o mínimo necessário para a dignidade humana.
Portanto, o Estado Democrático Brasileiro não foi fundado na lei em benefício da lei, mas, acima de tudo em benefício da pessoa humana e por essa razão o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é a pedra fundamental para o exercício de um Estado Democrático de Direito que vise a harmonia e o justo equilíbrio dos direitos.