quinta-feira,28 março 2024
ColunaConsumidor AlertaO Direito à Saúde e a Realidade Contemporânea

O Direito à Saúde e a Realidade Contemporânea

O âmbito da saúde tem apresentado uma transformação de grande impacto no direito de acesso à saúde e, sendo, portanto, decorrente dos problemas sociais contemporâneos. Especialmente no que diz respeito a realidade do sistema de saúde pública, portanto, apresentando uma lacuna do papel do Estado em promover a saúde.

A palavra promover, diga-se de passagem, deverá ser compreendida a partir do prisma de uma promoção integral da saúde. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 apresenta o âmbito da saúde, enquanto: Direito Fundamental, dessa maneira, submetendo a saúde sobre a tutela do Estado.

O Estado no que diz respeito às vicissitudes dos problemas contemporâneos relacionados à saúde, infelizmente, não consegue promover a saúde com afinco diante do grande número de demandas existentes. Obviamente, portanto, no que diz respeito a função do Estado e de sua ineficácia diante dessas demandas nasce uma lacuna. Sendo uma das consequências o surgimento de diversas operadoras de saúde (planos de saúde) em todo território nacional.

Notoriamente presencia-se no âmbito nacional um crescimento massivo de operadoras de saúde (planos de saúde). Seguindo o ritmo do crescimento do número de operadoras (planos de saúde) surgem diversas problemáticas. Resultante da precariedade dos serviços de cobertura oferecidos pelas operadoras (planos de saúde) que dificultam ao direito basilar de acesso à saúde.

 

As causas que dificultam o direito de acesso à saúde são as mais diversificadas possíveis, portanto, sendo resultado da eclosão de novas operadoras de saúde (planos de saúde) diante do atual quadro de ineficácia do Estado. A Ineficácia na promoção e manutenção da saúde possui forte impacto no mínimo necessário para uma vida digna. Em meio a visível ineficácia do Estado enquanto principal viabilizador do direito de acesso à saúde, surgem os meios alternativos. Neste caso; as operadoras de saúde e com seus serviços conhecidos enquanto planos de saúde.

A ineficácia do Estado diante das necessidades sociais que possuem característica de urgência aponta para o crescimento de reclamações advindas dos usuários (clientes) das operadoras (planos de saúde). A Agência Nacional de Saúde (ANS) aponta a partir de dados estatísticos para a existência de uma demanda crescente. Apresentando, porém, a existência de uma pequena queda no índice de usuários que rapidamente atinge a estabilidade, dessa maneira, não ocorrendo quedas nos anos subsequentes.

A partir dos dados estatísticos apresentado pela Agência Nacional de Saúde (ANS) apontam que no ano de 2009 foram ao todo 42.561.398 o universo total de usuários. Tais dados estatísticos iniciam em 2009 e continuam até os anos subsequentes finalizando no vigente ano de 2019, sendo assim, mais especificamente entre os meses de março e setembro de 2019.

No que se refere ao vigente ano de 2019, especificamente, ao mês de março a Agência Nacional de Saúde (ANS) apresentou dados estatísticos que indicam a existência de 47 milhões de usuários de operadoras de saúde e planos de saúde. Mediante os dados estatísticos apresentados, percebe-se, um número crescente de usuários. Por consequência resultando em um aumento do número de reclamações. Realidade que pode ser comprovada a partir da recente suspensão da venda de 46 planos de saúde ocorrido no ano de 2019 em todo território nacional.

Os dados apresentam a crescente demanda de usuários, portanto, inevitavelmente remete-nos a probabilidade do aumento de arrecadamento por parte das operadoras de saúde. Nesse embalo do crescente aumento e da estabilidade do crescimento, percebe-se, um retrocesso diante das necessidades dos usuários aos mais diversificados serviços de saúde. O número crescente de negativas em suas mais diversificadas modalidades terapêuticas médicas, psicológicas, psiquiátricas e até mesmo odontológicas tem aumentado de maneira massiva.

As justificativas por partes das operadoras de saúde são as mais diversas dentre das quais destacam-se oito (8) grupos: 1º Autorização prévia, franquia, coparticipação, 2º Rol de procedimentos e coberturas, 3º Reembolso, 4º Suspensão e rescisão contratual, 5º Prazos máximos para atendimento, 6º Rede de atendimento, 7º Itens obrigatórios e cláusulas contratais, 8º Outros motivos (Não especificado no site da ANS). No que diz respeito ao vigente ano de 2019 ressurge mais uma questão que dificulta o acesso integral ao direto basilar à saúde.

Em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a partir da relatora ministra Nancy Andrighi onde apresentou um novo entendimento no que diz respeito as ditas cláusulas de coparticipação. Segundo o novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para casos de tratamento que ultrapassem trinta (30) dias a cláusula de coparticipação não é abusiva. Portanto, deixando de ser caracterizada enquanto cláusula leonina, ou seja, cláusula que fere ao direito do consumidor. Na coparticipação é aceitável segundo o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que o paciente passando de trinta (30) dias de tratamento pague, verbi gratia[1], cinquenta por cento (50%) do valor do tratamento independente de sua adimplência.

Sobre o aspecto da negativa, ou simplesmente, da limitação do exercício do direito de acesso à saúde o presente trabalho direciona o foco para as ditas cláusulas de coparticipação. Cláusulas que limitam o exercício do direito de acesso à saúde e expõe em risco a integridade da pessoa humanas diante das vicissitudes dos problemas sociais contemporâneos. Problemas que pairam sobre os âmbitos sociais e da saúde pública. Resultado da ineficácia do Estado em promover e garantir o direito basilar de acesso à saúde. Portanto, mesmo que esse direito seja por meio do setor privado da saúde o Estado deve garantir o acesso irrestrito à saúde e por consequência a Judicialização é um dos meios de efetivação do direito de acesso à saúde.

A saúde não pode e nem deve ser um direito lesado, portanto, sobre hipótese alguma deve-se colocar a vida em risco a partir do impedimento, ou mesmo, do tolhimento do exercício ao direito de acesso à saúde. Sendo de máxima importância a manutenção eficaz do direito de acesso à saúde. Por sua importância e sua característica de singularidade no que se refere a demanda sociedade, Estado e operadoras de saúde. Dessa maneira, frisa-se a máxima importância do acesso ao direito basilar à saúde, justificando-se, o presente trabalho a partir dessa máxima dos pressupostos de proteção a vida apresentados.

Da Realidade Contemporânea Surge a Judicialização:

Trata-se de um tema inerentemente contemporâneo, ou seja, é pertencente a realidade atual do surgimento do grande número de processos referentes à saúde. O contemporâneo contexto do Poder Judiciário nacional é forte e crescente a tendência para os procedimentos de conciliação, diga-se de passagem, trata-se de uma realidade presente. Ora, em verdade, pode-se, afirma que a conciliação é um caminho interessante sobre o ponto de vista do consumidor, ou seja, do usuário (cliente) da operadora e plano de saúde.

Porém, relembrando algo que foi anteriormente referido no texto anterior, deve-se enfatizar para o simples fato de que é direito da pessoa recorrer ao processo. Realidade que é reforçada e garantida pela própria Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5º, XXXV ao afirmar: “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Portanto, se o direito de alguém se encontra sobre risco, neste caso, à saúde que está automaticamente interligado ao direito à vida deverá ser resguardado sobre o direito ao processo. Neste caso, a vida não pode ser exaurida mediante condutas que venha a ferir a saúde, ou simplesmente, que coloca em risco a pessoa humana.

A Judicialização da saúde, ou simplesmente, de qualquer outro direito lesado ou tolhido, portanto, é o meio legal na tentativa de garantir tal direito. Percebe-se, porém, que no Direito não existe uma posição de certeza, ou seja, é uma ciência que não exata e tudo pode acontecer. Como costumo afirmar: Na atividade introspectiva do juiz, ou seja, na mente do juiz ninguém sabe o que se passar, sendo assim, tudo é possível de acontecer.

Aproveitemos a narrativa atual e partiremos do seguinte questionamento: Eu sou obrigado a conciliar? Ora, definitivamente, você não é obrigado a conciliar, mas, é obrigado a participar da conciliação. Em verdade, afirma-se, que a conciliação é presente antes mesmo do direito seguir para o processo sobre os cuidados do juiz. Alguns profissionais (Advogados) não solicitam a conciliação nos casos dos processos de Judicialização da saúde, porém, na prática os juízes acabam solicitando o procedimento da conciliação.

Qual a razão por alguns profissionais não solicitarem a conciliação na peça inicial (petição inicial)? Resposta simples e ao mesmo templo complexa, eis o fato: Em muitos casos e arrisco-me em afirmar que quase 80% ou mais dos casos referentes a operadoras e planos de saúde, de fato, não resultam em acordo entre as partes por meio da conciliação. Portanto, ocorrendo o trâmite comum, normal do processo, ou seja, o que definimos enquanto litígio. Significa que não é eficaz, válido recorrer ao processo ou a conciliação? A resposta é não.

Exemplificaremos a partir do seguinte contexto: 1º Paulo, usuário do plano de saúde da operadora BETA pactua contrato. 2º Após há quase três (3) anos da data do estabelecimento do contrato Paulo que antes nunca ficou inadimplente de sua obrigação passa a atrasar e ficando inadimplente, porém, logo em seguida Paulo efetiva o pagamento e torna-se adimplente. 4º Paulo então necessita de internamento urgente ou poderá ter sua vida exaurida, porém, a operadora de saúde BETA impõe cláusula de coparticipação onde o usuário do plano de saúde, neste caso, Paulo deverá pagar 50% do valor do internamento além dos valores pagos das mensalidades. Eis a questão judicializar ou não? Creio que a decisão cabe ao cliente, mas, devo destacar para o fato de que é possível e sendo viável a Judicialização. Trata-se de cláusula com caráter abusivo, porém, que não impede ao acesso à saúde, mas, tolhe ao direito de acesso à saúde. Sendo assim, gerando uma onerosidade excessiva.

Onerosidade que é bem apresentada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078-90) ao definir em seu Art.39:  “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas; V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”. Eis uma tese de que é válido lutar pelo seu direito, porém, deve-se destacar para o fato das mudanças constantes de entendimento a respeito da cláusula de coparticipação por parte do Poder Judiciário.

Lembre-se, necessariamente, para o resultado positivo, ou melhor, o mais positivo possível do processo, de fato, é necessário que a relação profissional (Advogado) e cliente seja permeada por uma boa conexão de relação humana profissional pautado na confiança mútua. Sendo assim, necessário a juntada de todos os documentos necessários para a Judicialização e uma tese de defesa plausível diante do direito que se pretende acessar. Destaca-se, portanto, para o seguinte fato; A Judicialização da saúde é um direito do consumidor, é um direito de toda pessoa na defesa de seus direitos, dessa maneira, é decidir deixar escapar e sentir-se lesado ou ir à luta pelo direito. Como diz o clássico brocardo: “O Direito não socorre aos que dormem”.

 


[1] Verbi Gratia: Expressão latina de uso comum no âmbito jurídico, também, pode ser usada sobre a abreviação v.g que significa: Por exemplo.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1998.Disponível,http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acessado em 16 de fevereiro de 2014.

CALADO, Vinicius de Negreiros, COLARES, Virgínia. Direito médico e da Saúde. Recife: FASA, 2017.

FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. Genival Veloso de França – 12. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

SILVA, Denise dos Santos Vasconcelos. Direito à Saúde: Ativismo judicia, políticas públicas, e reserva do possível. Denise dos Santos Vasconcelos Silva. Curitiba: Juruá, 2015.

 

 

Advogado, Secretário-geral da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-PE, Pós-graduado em Direito Civil pela PUC-MG, Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-MG, Pós-graduado em Direito da Saúde e Médico. Bacharel em Direito pela UBEC e Bacharel em Psicologia pela FIR.

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