quinta-feira,28 março 2024
ColunaCivilista de PlantãoO devido processo legal e a defesa da boa-fé processual

O devido processo legal e a defesa da boa-fé processual

O devido processo legal deve ser analisado sob a régua da boa-fé processual, reputando-se válida a intimação da constrição de bens do executado, no endereço onde fora citado, ainda que não encontrado, na seara das execuções e se mostrando desnecessária, em caso de revelia para a fase de cumprimento de sentença.

Palavras-chaves: Boa-fé processual. Devido Processo Legal. Processo Civil. Atos processuais. Cumprimento de sentença.

Sumário: INTRODUÇÃO: Escopos do processo judicial: educação e utilidade das decisões, PRINCÍPIOS DE DIREITO: Princípio do devido processo legal em sentido processual, O princípio da instrumentalidade das formas, Princípio da boa-fé processual e da cooperação: deveres de veracidade e de lealdade, Princípio da eficiência e da celeridade processual, Princípio da economia processual. CONCEITO DE INTIMAÇÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DO DEVER DAS PARTES E DO ADVOGADO EM MANTER ATUALIZADO O ENDEREÇO NAS EXECUÇÕES E DA PRESUNÇÃO DE VALIDADE. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

Introdução

Escopos do processo judicial: educação e utilidade das decisões

O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporciona um clima generalizado de confiança no Poder Judiciário e segurança social.

Portanto, na medida em que os jurisdicionados confiam no poder coercitivo do Estado-juiz, cada um, de per si, tende a ser sempre mais zeloso com os próprios direitos e se sente, por conseguinte, mais responsável pela observância dos direitos alheios.

Dessa forma, a educação oferecida pela tutela jurisdicional ágil e eficiente é um fim a ser alcançado, e não uma mera utopia, de modo a induzir a população a trazer as suas insatisfações a serem remediadas em juízo.

Nessa seara, o custo benefício da tutela jurisdicional deve ser favorável ao jurisdicionado titular de um direito, propiciando a este, se impossível o restabelecimento do bem da vida em espécie, tudo aquilo que tem o direito de obter conforme o direito posto, de forma ágil e satisfatória.

Sendo assim, a tutela jurisdicional no intuito de preservar e reparar todo direito tutelado não pode ser inócuo, sendo indispensável à realização do Direito, no plano material, de forma prática, objetiva e racional, tendo como primazia a efetividade do verdadeiro direito tutelado e a lisura processual das partes.

Conjugando com este pensamento, colacionamos um trecho da exposição de motivos do vigente código:

“Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo”[1]

Cumprida essa etapa, será possível atingir o fim almejado: (i) realçar a importância do princípio da boa-fé processual, que deve nortear a atuação das partes no processo; (ii) discutir e refletir sobre os deveres de veracidade, lealdade e dos ônus das partes e suas consequências a parte desidiosa, no âmbito do cumprimento de sentença e nas execuções.

Princípios de Direito

É de extrema importância o estudo dos princípios na medida em que estes se constituem em fontes basilares para qualquer ramo do Direito, influindo tanto na sua formação como na sua aplicação.

O jurista Miguel Reale [2] define princípios como sendo: “…certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.

Em sua lição, De Plácido e Silva [3], estudioso dos vocábulos jurídicos, ensina que os princípios são o “conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica”.

Colacionamos, outrossim, a definição dada pelo eminente Celso Antônio Bandeira de Mello [4] acerca do tema:

“…princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.

O processo não é somente técnica. É, na verdade, um instrumento ético, resultado de séculos de lutas, guerras que objetivaram dar transparência ao ato de julgar, sob o crivo do devido processo legal e do contraditório.

Na esfera processual, os doze primeiros artigos do Código de Processo Civil trazem as chamadas normas fundamentais do processo civil, consagrando a necessidade de se observar os princípios da carta magna, conjugando-os com os do processo civil, a fim de dar maior força normativa dos seus valores e mais efetividade prática, na seara processual.

Deste modo, deve ser reconhecida a importância dos princípios que o norteiam, sob pena de considerá-lo um mero conjunto de atos processuais, confundindo-o com o rito (procedimento) e, consequentemente, dissociando-o de sua verdadeira função: instrumento de concretização da justiça, ou seja, da preservação e concretude dos direitos consagrados pela ordem constitucional ao jurisdicionado que efetivamente é titular.

Princípio do devido processo legal em sentido processual

A previsão deste princípio como postulado constitucional fundamental aplicado no processo civil está no inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal:

“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”

Neste compasso, reza o artigo 1º do CPC:

“Art. 1º – O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”

Especificamente, quanto ao processo civil, leciona o Professor Nelson Nery Junior [5]:

“..verifica-se que a cláusula procedural due processo of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível…
Especificamente, quanto ao processo civil, já se afirmou ser manifestação do due process of law: a) a igualdade das partes; b) garantia do jus actionis; c) respeito ao direito de defesa; d) contraditório”

É de clareza impar o dispositivo do ordenamento processual: ao mencionar “observando-se as disposições deste código” significa que os princípios estampados na carta magna, como o direito ao contraditório, devem ser analisados sob a régua da boa-fé processual, conforme veremos adiante.

O princípio da instrumentalidade das formas

Com efeito, o direito processual tem como objetivo a efetividade da tutela do direito material, adotando a vertente de instrumentalidade do processo.

A ciência e as formalidades desmotivadas foram substituídas pela instrumentalidade e busca da eficiência na prestação jurisdicional.

As constantes reformas que estão sendo empregadas ao Código de Processo Civil têm por escopo tornar a tutela jurisdicional mais efetiva.

O Direito Processual procura disciplinar o exercício da jurisdição por meio de princípios e regras que confiram ao processo a mais ampla efetividade, ou seja, o maior alcance prático e o menor custo possível na proteção concreta dos direitos dos jurisdicionados.

A construção da teoria das nulidades dos atos processuais tem como alicerce de validade, sempre coadunada ao princípio da instrumentalidade das formas, uma ciência dissociada da teoria civilista.

A Teoria civilista equipara nulidade absoluta a vício insanável, o que realmente não se compatibiliza aos ideais de efetividade e de aproveitamento máximo dos atos processuais.

Em regra, os atos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente o exigir.

Entretanto, conforme inteligência dos artigos 188 e 277 do Código de Processo Civil, que consagram o princípio da instrumentalidade das formas em nosso ordenamento processual civil, consideram-se válidos os atos que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

Constitui em desdobramento da regra da instrumentalidade, a disposição do artigo 282, § 1º do CPC:

“Art. 282 (…)
§ O ato não será repetido nem sua falta será
suprida quando não prejudicar a parte”

A natureza instrumental das normas processuais impõe sejam seus institutos concebidos em conformidade com as necessidades do direito substancial e, será medida em função de sua utilidade para o ordenamento jurídico material, de modo a não apenas assegurar a tutela, mas também garantir a sua satisfação no plano material.

Principio da boa-fé processual e da cooperação: deveres de veracidade e de lealdade

Os artigos 5º e 6º do Código de Processo Civil, inspirando-se no direito privado prevê uma cláusula geral de boa-fé processual e de cooperação que devem nortear a atuação de todos os sujeitos do processo nos sucessivos atos e procedimentos:

“Art. 5º – Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”
“Art. 6º – Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”

O Professor José Rogerio Cruz e Tucci [6] leciona acerca do seu conceito e fundamento:

“O fundamento constitucional da boa-fé decorre da cooperação ativa dos litigantes, especialmente no contraditório, que devem participar da construção da decisão, colaborando, pois, com a prestação jurisdicional. Não há se falar, com certeza, em processo justo e équo se as partes atuam de forma abusiva, conspirando contra as garantias constitucionais do devido processo legal”
… Note-se que a boa-fé processual desdobra-se nos deveres de veracidade e de lealdade na realização dos atos processuais, contemplados nos artigos 77 e 142 do CPC/2015”

É indispensável que a colaboração, ditada pelo novel diploma processual, esteja a serviço da celeridade processual na rota do julgamento de mérito.

Assim sendo, compreende-se que o processo fluirá melhor existindo uma confiança na perspectiva de retidão, em sentido diametralmente oposto, a ausência de lisura na esfera processual, resulta em desconfiança, burocracia, má vontade, sendo um obste ao prosseguimento regular do feito.

No que tange ao nosso tema, importante observar o desdobramento da boa-fé processual nos deveres de lealdade e de veracidade como ônus das partes no processo, contemplados nos artigos 77 e 142 do CPC:

“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso”

“Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé”

O descumprimento destes preceitos é tido como ato atentatório à dignidade da justiça e litigância de má-fé, cujas sanções estão detalhadamente previstas nos artigos 77, 80, 81, 100, parágrafo único, 334, § 8º, 536, § 3º, e 702, §§ 10 e 11.

Principio da eficiência e da celeridade processual

A Constituição Federal de 1988 consagrou, em seus artigos 37, caput, e 5º, inciso LXXVIII, respectivamente, os princípios da eficiência e da celeridade processual.

No âmbito do direito processual, assegurar a prestação jurisdicional eficiente consiste em garantir a efetiva proteção do direito material tutelado pelo processo, o que só será possível se a tutela for prestada em tempo razoável.

Nesse sentido, tem-se o princípio da celeridade processual, que determina que a tutela jurisdicional seja prestada com agilidade e rapidez, respeitando-se o devido processo, a boa-fé processual das partes e a devida efetividade do verdadeiro titular do direito tutelado.

Seguindo os preceitos dispostos na Constituição Federal, o artigo 8º do CPC consagrou o princípio da eficiência da prestação jurisdicional.

Principio da economia processual

O princípio da economia processual pode ser resumido no binômio menos atividade judicial e mais resultados.

Acerca do assunto, leciona o Professor Daniel Amorim Assumpção Neves [7]:

“Do ponto de vista sistêmico o objetivo do princípio da economia processual é obter menos atividade judicial e mais resultados. E para tanto deve se pensar em mecanismos para evitar a multiplicidade dos processos e, quando isso concretamente não ocorrer, diminuir a prática de atos processuais, evitando-se sua inútil repetição”

É um dos aspectos do princípio da eficiência consagrado no artigo 5º, inciso LXXVIII, e 37 da Carta Magna.

Por outro lado, o princípio da celeridade processual é consagrado no artigo 5º, inciso LXXVII, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Por força do artigo 1º do CPC, o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme esses valores constitucionais.

Neste compasso, reza o artigo 4º do CPC:

“Art. 4º – As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”

Ao mencionar a “atividade satisfativa” a regra do artigo 4º estende-se à fase de cumprimento de sentença e, também o processo de execução, em prol do titular do direito tutelado.

O comando do dispositivo visa a extirpar dos tramites processuais as dilações indevidas consubstanciadas nos atrasos ou delongas que se produzem no processo por inobservância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das “etapas mortas” que separam a realização de um ato processual de outro, sem subordinação a um lapso temporal previamente fixado.

Por outro lado, conforme a regra do dispositivo o processo deve ser impulsionado de forma contínua, frisa-se, nos cartórios judiciais, a cada provocação das partes.

Na mesma toada, objetiva repelir os atos processuais eivados de rigorismo formal em detrimento a eficácia do direito tutelado.

O processo civil contemporâneo prima por resultados, dissociado do excesso de formalismo, de modo a garantir a efetividade do direito tutelado a seu verdadeiro titular, mediante uma prestação jurisdicional de qualidade, entenda-se, com efetividade (satisfativa) e agilidade.

Conceito de intimação e seus desdobramentos no cumprimento de sentença

Nos termos do artigo 269 do CPC, intimação “é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo”.

É um ato de suma importância, porquanto prestigia o devido processo legal e a ampla defesa possibilitando o demandado ter ciência dos atos e termos do processo, e pratique os atos necessários ao seu andamento e à salvaguarda de seus direitos.

Para efeitos de cumprimento de sentença, na hipótese de advogado constituído nos autos, a intimação do executado se dará na pessoa de seu patrono, via diário eletrônico da justiça, conforme inteligência do § 2º, inciso I, do artigo 513 do CPC, salvo se houver alguma ressalva na procuração que assim não permita, nos termos do § 4º do artigo 105 do mesmo código.

Por outro lado, quando o executado não tiver advogado constituído nos autos ou quando representado pela defensoria pública, a intimação para cumprir o comando da sentença será por carta com aviso de recebimento a teor do § 2º, inciso II, do referido diploma.

Divergências ocorrem quando o réu é revel na fase de conhecimento.

Para alguns Juízos, na fase de cumprimento de sentença, é obrigatória a intimação pessoal da parte executada, frisa-se revel, sem advogado constituído nos autos, nos termos dos artigos 513, II, 523 e 525, todos do CPC.

Contudo, o referido entendimento tem como premissa a análise de dispositivos de forma isolada, não se atendo a uma interpretação sistemática do ordenamento processual.

Com o advento da Lei n. 11.232/2005, a execução de título judicial deixou de ser um processo autônomo para tornar-se apenas uma fase do processo de conhecimento, sob a denominação de cumprimento de sentença.

Desta forma, a teor do artigo 346 do CPC, é dispensável a intimação do réu revel para esta fase processual. Vejamos o seu teor:

“Art. 346 – Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial.
Parágrafo único – O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar”

Para fins de cumprimento do contraditório e ampla defesa o réu revel deve ser intimado da sentença.

Contudo, em face da revelia decretada na fase inicial, pela inércia do executado, tornará dispensável a sua intimação, para o credor dar início ao cumprimento de sentença, frisa-se, mero desdobramento.

Nessa temática, leciona o Professor Marinoni [8]:

“Efeito Processual da Revelia. Contra o revel que não tenha advogado constituído nos autos, correrão os prazo independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório. Se o tem, deve o patrono ser intimado de todos os atos processuais, sob pena de ineficácia. O revel tem direito de ser intimado, contudo, da sentença, tendo em conta o direito fundamental ao contraditório (art. 5º, LV, CFRB)”

Neste sentido, colaciono o entendimento da Sexta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RÉU REVEL, CITADO PESSOALMENTE NA AÇÃO DE CONHECIMENTO, QUE NÃO CONSTITUIU ADVOGADO NOS AUTOS NEM APRESENTOU CONTESTAÇÃO. LEI Nº 11.232/05. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 322 DO CPC.
1. O artigo 535 do Código de Processo Civil não resta malferido quando o acórdão recorrido utiliza fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição ou obscuridade.
2. Nos termos do art. 322 do Código de Processo Civil, será dispensado da intimação dos atos processuais o réu revel que não constituiu advogado nos autos.
3. Após a edição da Lei nº 11.232/2005, a execução por quantia fundada em título judicial desenvolve-se no mesmo processo em que o direito subjetivo foi certificado, de forma que a revelia decretada na fase anterior, ante a inércia do réu que fora citado pessoalmente, dispensará a intimação pessoal do devedor para dar cumprimento à sentença.
4. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 1241749 / SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, Data Julgamento 27/09/2011, data da publicação 13/10/2011).

Interpretação a contrario sensu privilegiará o réu revel, desidioso, que desprezou o contraditório, a boa-fé processual, contribuindo com a morosidade do processo.

Portanto, deve ser responsabilizado por sua conduta contrária aos princípios e fins do processo. Renovar a sua intimação, nessas condições, prestigiará a sua conduta deliberada de ocultação aos efeitos do processo, em detrimento a credibilidade e funcionalidade da própria jurisdição.

Não se trata de inovação processual, mas tão somente garantir, frisa-se, de forma efetiva com a celeridade, lealdade e economia processual, rechaçando a edição de atos processuais sabidamente inúteis, diante de um procedimento já efetivado com êxito, qual seja a citação [9] do réu na fase inicial do processo.

Do dever das partes e do advogado em manter atualizado o endereço no cumprimento de sentença e na execução e da presunção de validade

É dever da parte e do seu advogado manter atualizado o endereço onde receberão intimações (artigo 77, V, do CPC/2015), sendo considerada válida a intimação dirigida ao endereçamento declinado na inicial, mesmo que não recebida pessoalmente pelo interessado a correspondência, se houver alteração temporária ou definitiva nessa localização (artigo 274, parágrafo único, do CPC/2015).

Transcrevemos os artigos citados:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva
Art. 274. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria.
Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço.

Neste sentido:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.325.312 – DF (2018/0096515-6) RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO. EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. INTIMAÇÃO NÃO RECEBIDA PELO INTERESSADO CONSIDERADA VÁLIDA. DEVER DAS PARTES DE MANTER ATUALIZADO O ENDEREÇO INFORMADO NA PETIÇÃO INICIAL NÃO CUMPRIDO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. JULGADO EM 01/08/18.

Ao advogado que postula em causa própria, é também exigido o dever de manter atualizado seu endereço, sujeito as mesmas sanções, no que tange a presunção de validade das intimações encaminhadas no endereço declarado nos autos. Confira-se:

Art. 106. Quando postular em causa própria, incumbe ao advogado:
I – declarar, na petição inicial ou na contestação, o endereço, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados da qual participa, para o recebimento de intimações;
II – comunicar ao juízo qualquer mudança de endereço.
§ 1º Se o advogado descumprir o disposto no inciso I, o juiz ordenará que se supra a omissão, no prazo de 5 (cinco) dias, antes de determinar a citação do réu, sob pena de indeferimento da petição.
§ 2º Se o advogado infringir o previsto no inciso II serão consideradas válidas as intimações enviadas por carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos.

O entendimento se aplica também nas execuções de titulo executivo extrajudicial, quando intimado o executado, por ocasião da penhora de seus bens (bloqueio de ativos, imóvel e etc.) no mesmo endereço onde fora citado, a certidão do oficial acusa mudança de endereço, frisa-se, sem prévia comunicação ao Juízo.

In casu, nos termos do art. 841, § 4º, do Código de Processo Civil, reputa-se validamente realizada a intimação do executado no endereço em que ele foi anteriormente citado.

Desta forma, o prazo de defesa começa a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço, a teor do parágrafo único do artigo 274 do CPC, acima transcrito.

Neste sentido, colacionamos o entendimento da 38ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, lavrado em 13/03/19:

“VOTO Nº: 25823. AGRV.Nº: 2267821-76.2018.8.26.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – IMPUGNAÇÃO REJEITADA – AUSÊNCIA DE NULIDADE DE INTIMAÇÃO – EXCESSO DE EXECUÇÃO – NÃO CONHECIMENTO EM RAZÃO DA INTEMPESTIVIDADE. As tentativas de intimação do réu de fls. 304 e 312 se deram no mesmo endereço em que foi realizada a citação de fls. 240, deixando o executado de informar previamente ao juízo a mudança de seu endereço. Assim, diante da regularidade da intimação, a impugnação ao cumprimento de sentença efetivamente deveria ser rejeitada em razão de sua intempestividade. A questão relativa ao excesso de execução encontra-se preclusa. ART. 252, DO REGIMENTO INTERNO DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Em consonância com o princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, inc. LXXVIII, da Carta da República, é de rigor a ratificação dos fundamentos da r. decisão recorrida. Precedentes deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. RELATOR DES. EDUARDO SIQUEIRA. Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão”

É defensável este posicionamento, até mesmo, nas hipóteses de constrições na fase executiva das ações monitórias. Veja-se:

“MONITÓRIA – Conversão do mandado inicial em mandado executivo – Penhora “on-line” – Réu revel – Intimação da constrição – Desnecessidade – Aplicação do art. 346 do NCPC (art. 322 do CPC/73) – Recurso Provido.” (AI nº 2021877-69.2017.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. J. B. FRANCO DE GODOI, j. 19.6.2017)”

Do exposto, mostra-se incontroverso, o ônus das partes e do advogado em manter atualizado o juízo em relação à mudança de endereço, seja temporária ou definitiva, sob pena de inviabilização da prestação jurisdicional, devendo arcar, portanto, com os efeitos da sua desídia.

Conclusão

Na introdução do presente trabalho foi destacada a necessidade de se zelar pelo custo benefício da tutela jurisdicional, devendo ser favorável ao jurisdicionado titular de um direito, propiciando a este, se impossível o restabelecimento do bem da vida em espécie, tudo aquilo que tem o direito de obter, conforme o direito posto, de forma ágil e satisfatória.

A ordem judicial deve ter como objetivo não apenas metas quantitativas, ou seja, de volume de processos apreciados, meramente estáticos, e também, as de natureza qualitativa, de modo a oferecer uma prestação jurisdicional de qualidade, entenda-se com efetividade.

Efetividade significa analisar os resultados práticos deste reconhecimento do direito ao tutelado, no plano material, exterior ao processo.

Não basta ao direito processual a pureza e a técnica conceitual de seus institutos e remédios; mais importante do que tudo isto é a obtenção de resultados.

O processo contemporâneo é um processo de resultado, acima de tudo.

O tema da instrumentalidade do processo não é novo; o que se tem pretendido é o estabelecimento de um novo método do pensamento dos processualistas, intérpretes, julgadores e legisladores, qual seja, colocar o processo no seu devido lugar, evitando os males do exagerado rigorismo formal dos atos do processo.

O processo há de ser, nesse contexto, instrumento eficaz para a satisfação do direito subjetivo do seu titular.

Rudolf Von Jhering, já assinalava:

“O direito existe para se realizar. A realização é a vida e a verdade do direito, é o próprio direito. O que não se traduz em realidade, o que está apenas na lei, apenas no papel, é um direito meramente aparente, nada mais do que palavras vazias. Pelo contrário, o que se realiza como direito é direito, mesmo quando não se encontre na lei e ainda que o povo e a ciência dele não tenham tomado consciência” [10]

Deve, outrossim, o processo ser compreendido inteligentemente e com uma dose inevitável de fluidez. A inflexibilidade e a rigidez são próprias do formalismo ultrapassado e não coexistem com o moderno processo de resultados.

Para que cumpra, pois, seu escopo maior, o processo reclama flexibilidade, racionalidade e concentração, mediante supressão de trâmites e formalidades desnecessários, para que se atenda o clamor universal e veemente de uma Justiça efetiva, ou seja, o mais rápida e eficaz possível.

Sobre o assunto, sabe-se que na Suíça há notável reação doutrinária e jurisprudencial contra o formalismo excessivo que é considerado como violação da garantia de jurisdição, conforme se infere pelo disposto no artigo 4º da Constituição Federal, in verbis:

“En matiere de procédure, le formalisme constitue un déni de justice quand il n’est imposé pour la protection d’aucun intéret et qu’il complique d’une maniere insoutenable l’application du droit matériel”[11]

Voltando ao tema, vale ressaltar que não há direitos sem deveres recíprocos.

É imperioso o dever da boa-fé objetiva as partes da relação processual, em atenção aos princípios da segurança jurídica, do devido processo legal e seus corolários – princípios da lealdade e veracidade.

A noção de deveres, obrigações das partes e de assumir responsabilidades na esfera processual não pode ficar marginalizados pelo judiciário.

O devido processo legal também deve orientar-se pela boa-fé.

Com amparo nessas premissas, não basta à interpretação literal dos dispositivos sem a devida análise do comportamento processual das partes.

A conduta desidiosa do réu revel e daquele que não mantem atualizado o seu paradeiro no processo é contrária aos princípios da lealdade e boa-fé aqui elencados, com menosprezo manifesto ao contraditório, representando, deste modo, uma ameaça à integridade e funcionalidade do sistema.

Deste modo, e, em defesa da celeridade, economia e boa-fé processual é dispensável ao credor proceder com a intimação do réu revel na fase de cumprimento de sentença.

No mesmo compasso, é dever da parte e do seu advogado manter atualizado o endereço onde receberão intimações, sendo considerada válida a intimação dirigida ao endereçamento declinado nos autos ou onde ocorreu a citação, mesmo que não recebida pessoalmente pelo interessado à correspondência, ou frustrado o mandado.

Portanto, conforme vimos, nos termos do art. 841, § 4º, do Código de Processo Civil, reputa-se validamente realizada a intimação da constrição no endereço em que o executado foi anteriormente citado, na seara das execuções.

Desta forma, o prazo de defesa começa a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço, a teor do parágrafo único do artigo 274 do CPC, acima transcrito.

O Estado-juiz coloca-se no lugar dos titulares dos interesses em conflito para satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos, dando razão àquele que teve in casu, um direito tutelado violado, mediante o exercício do devido processo legal, pautado na boa-fé processual.

Com efeito, para fazer merecedor da tutela jurisdicional e a salvaguarda de seus direitos a parte deve comportar-se com lealdade processual, mantendo atualizado o seu paradeiro nos autos, sob pena de inviabilizar a prestação jurisdicional.

Não se trata de inovação processual, mas tão somente garantir, frisa-se, de forma efetiva com a celeridade, lealdade e economia processual, rechaçando a edição de atos processuais sabidamente inúteis, diante de um procedimento já efetivado com êxito, qual seja a citação do réu.

O credor, detentor de um título executivo judicial, obtido pelo crivo do devido processo legal, na fase preambular não pode ter seu direito tolhido por caprichos e óbices representados pela má-fé e ocultação do réu malfeitor, que pretende se evadir da jurisdição satisfativa.

Da mesma forma, aquele que detém um título executivo extrajudicial, não pode sofrer delongas entre a penhora e a intimação do executado revel, que muda de endereço, sem prévio aviso e oculta o seu paradeiro nos autos.

A desídia, as malícias e o menosprezo ao contraditório engendrado pela parte revel e negligente não podem ficar impunes, devendo assumir as consequências de seu ato, e assim, não podem ser albergados pela tutela jurisdicional, em defesa da própria lisura do certame judicial.

Referências bibliográficas

[1] BRASIL. Lei n. 13.105/2015. Exposição de motivos do Código de processo civil. Código de processo civil e normas correlatas. – 7. ed. – Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2015. Pag. 24. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135.pdf. Capturado em 28/04/19.
[2] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. P. 305.
[3] SILVA, De Plácido e. Vocabuário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998. P. 639.
[4] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. Saraiva. 2000. P. 10-30.
[5] NERY JUNIOR, NELSON. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª. Edição. Editora RT. Pág. 70.
[6] TUCCI, Jose Rogerio Cruz e. Código de Processo Civil Anotado. AASP. Digital. P. 12.
[7] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. Salvador: JusPodiVm, 2016. Pág. 114.
[8] MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 327.
[9] Como é cediço, a citação é importante reflexo da garantia constitucional do contraditório e pressuposto de existência da relação jurídica processual. Nos termos do caput do artigo 240 do CPC, gera os seguintes efeitos: induzir litispendência, tornar litigiosa a coisa e constituir em mora o devedor.
[10] VON HERING, RuJoif. Geist des rômischen Rcchts auf den verschiedenen Stufen seiner Entwicklung, Teil 2, Abtei!ung 2, Unveriinderter Neudruck der 5. (le;>;tcn veriinderten) Auflage Leipzig 1898, Aalen, Scíentia Verlag, 1968, no XXXVIII, p. 322. Tomo UI, n°43, p. 17, da edição espanhola de 1910, tradução de Enrique Príncepe y Satorres: Madrid, editorial Bailly-Bailliere.
[11] Cf., por todos, Alois Troller, L’iní1uence de la Constitution Fédérale de la Confédération Suisse sur les droits de parties devant les tribunaux cantonaux en matiere de procédure civi!e, in Cappelletti e Tallon (organizadores), Fundamental guarentees of the parties in civillitigation, Milano, Giuffre, 1973, p. 637. Indicação bibliográfica mais ampla em Alvaro de Oliveira, C A. Do formalismo no processo civil, São Paulo, Saraiva, 1997, P- 193-5.

Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.

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