Em 29 de outubro deste ano, foi publicado julgado da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1826463/SC, em que fixou entendimento sobre o dever de informação das instituições financeiras em relação à cláusula de capitalização diária de juros remuneratórios em contratos bancários.
É sabido que os juros remuneratórios consistem na remuneração do capital emprestado, e os juros capitalizados são os juros devidos e já vencidos que, periodicamente, se incorporam ao valor principal.
A capitalização se traduz num importante fator de aumento da dívida, eis que propicia a incorporação dos juros vencidos ao principal (capital), para que passem a integrar a base de cálculo dos juros vincendos. A matemática financeira (André Zanetti Batista. Juros, taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 37) aponta que, quando menor a periodicidade da capitalização, maior será o incremento da dívida que é obtido com a capitalização contínua.
O Código Comercial de 1850, em seu art. 253, estabelecia que os juros não poderiam ser capitalizados, salvo em periodicidade anual. O Código Civil de 1916, em seu art. 1.262, autorizava os juros capitalizados, desde que expressamente ajustados. A Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), em seu art. 4º, vedava a prática do anatocismo ou cobrança de juros sobre juros. A legislação federal relativa aos contratos de crédito rural (Decreto-lei 167/1967), industrial (Decreto-lei 413/1969) e comercial (Lei 6.840/1980) permite o ajuste de juros capitalizados, tendo o STJ editado a Súmula 93, segundo a qual “A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”.
O objetivo da Lei de Usura, ao restringir a capitalização de juros, foi, sem sombra de qualquer dúvida, a de evitar que o valor da dívida aumente expressivamente em proporções não mensuradas pelo devedor à época da celebração do contrato que venha a incorrer em dificuldades ao longo do contrato.
Com efeito, a partir da Medida Provisória 2.170-36/2001, que é reedição da MP 1.963-17/2000, editada em 31.03.2000 – cujo art. 5º prevê que ‘nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano’ – os Bancos passaram a inserir cláusula de capitalização mensal de juros, o que na época gerou discussão quanto à sua validade. Isso porque, desde a Lei de Usura, a orientação jurisprudencial – Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal – considerava ilícita a capitalização de juros em lapso temporal inferior a um ano. Registre-se que o parágrafo único do art. 5º da referida MP estabelece que “sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais”.
O efeito prático da referida MP foi permitir as práticas bancárias de juros compostos e de capitalização de juros. O Código Civil de 2002, em seu art. 591, permite a capitalização anual de juros remuneratórios. A 2ª Seção do STJ, por ocasião do julgamento dos Recursos Especiais 602.068/RS e 603.043/RS, em 22.04.2004, relator Min. Antônio de Pádua Ribeiro, fixou o entendimento no sentido de permitir a capitalização mensal de juros nos contratos bancários celebrados em data posterior à publicação da referida MP, desde que pactuada expressamente. Foi fixado ainda o entendimento de que o art. 5º da referida MP prevalece em relação à regra geral prevista no art. 591 do Código Civil de 2002, diante do critério da especialidade (STJ, AgRg no REsp 822.284/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino).
A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara, e a previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo (12 vezes) da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada (STJ, 2ª Seção, REsp. 973.827/RS, rel. Min. Maria Isabel Gallotti). Desde que expressamente pactuada a cláusula de capitalização de juros em período inferior a um ano, os juros devidos e já vencidos são, na periodicidade ajustada, incorporados ao valor principal e sobre eles passam a incidir novos juros, o que tem o condão de gerar aumento expressivo da dívida.
Num segundo instante, os Bancos passaram a ajustar cláusula de capitalização diária de juros, sem, contudo, observar o dever de prestar informação prévia, clara e inequívoca ao mutuário quanto ao incremento da dívida.
A rigor, a capitalização diária dos juros passou a ser utilizada como uma forma sub-reptícia de aumento exponencial da dívida, de sorte que, para evitar a surpresa inesperada, afigura-se indispensável que os Bancos informem, a par das taxas de juros anual e mensal, a própria taxa de juros diária. Somente com base na informação da taxa diária de juros é que se permite ao mutuário verificar a equivalência entre as taxas, assegurando-se que o montante da dívida será o mesmo, qualquer que seja a periodicidade da taxa aplicada (anual, mensal ou diária).
Essa foi a motivação que subsidiou a tese do duodécuplo adotada no REsp. 973.827/RS, segundo a qual a previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. Apesar de alguns julgados terem inicialmente considerado ilegal a capitalização diária de juros em contratos bancários (REsp 66.627/SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, AgRg no Ag 966.398/AL, rel. Min. Aldir Passarinho Junior) a 2ª Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 973.827/RS, em 08.08.2012, relatora Min. Maria Isabel Gallotti, considerou legal a cláusula de capitalização diária de juros, sob a lógica formal de que a mencionada MP permitiu a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, o que inclui a diária.
Entretanto, apesar de ter considerado legal a cláusula de capitalização diária de juros, havia uma divergência jurisprudencial entre as 3ª e 4ª Turmas do STJ. A 3ª Turma entende que o mutuário tem direito à informação prévia, clara e precisa sobre a taxa diária de juros (REsp. 1.568.290/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, AgInt no REsp 1.785.528/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze), enquanto que a 4ª Turma entende que não é necessária a informação da taxa diária de juros (AgInt no REsp 1.775.108/RS, rel. Min. Raul Araújo, REsp 1.672.318/SC, rel. Min. Marco Buzzi).
Dirimindo a divergência interna, no julgamento do REsp 1826463/RS, a 2ª Seção do STJ, relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, decidiu que, em havendo previsão de capitalização diária de juros, o Banco tem o dever de prestar informação prévia, expressa e clara da taxa diária de juros, sendo insuficiente a informação das taxas efetivas mensal e anual.
A propósito, não se mostra suficiente a mera previsão de cláusula de capitalização diária de juros, sendo indispensável que o Banco informe previamente a taxa diária de juros ao mutuário, sob pena de afronta ao dever da informação decorrente da boa-fé objetiva. Afigura-se insuficiente a informação ao mutuário a respeito das taxas equivalentes sem a efetiva e clara ciência do mutuário acerca da taxa aplicada em razão da periodicidade de capitalização ajustada em contrato.
A matemática financeira ensina que, nos empréstimos bancários de longo prazo e com taxas elevadas de juros, o aumento decorrente da capitalização diária de juros se revela expressivo e substancial. Como advertido pela Min. Maria Isabel Gallotti no REsp 973.827/RS, “há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de ‘taxa de juros simples’ e ‘taxa de juros compostos’. Dizem respeito ao processo matemático de formação da taxa de juros cobrada. Com o uso desses métodos calcula-se a equivalência das taxas de juros no tempo (taxas equivalentes). Quando a taxa é apresentada em uma unidade de tempo diferente da unidade do período de capitalização diz-se que a taxa é nominal; quando a unidade de tempo coincide com a unidade do período de capitalização a taxa é a efetiva. Por exemplo, uma taxa nominal de 12% ao ano, sendo a capitalização dos juros feita mensalmente. Neste caso, a taxa efetiva é de 1% ao mês, o que é equivalente a uma taxa efetiva de 12,68% ao ano. Se a taxa for de 12% ao ano, com capitalização apenas anual, a taxa de 12% será a taxa efetiva anual”.
Por oportuno, o voto do Min. Paulo de Tarso Sanseverino no REsp 1826463/RS valeu-se da motivação adotada na tese do duodécuplo. Em se tratando de capitalização diária de juros, afigura-se indispensável que o Banco informe a taxa diária a ser cobrada, sob pena de ofensa ao direito de o mutuário obter informação prévia e adequada. Aplicando-se a mesma lógica da tese do duodécuplo à capitalização diária de juros, o fator de multiplicação seria 30 (pois o mês tem trinta dias), em vez de 12 (que é o número de meses do ano), e a conclusão seria de que a previsão de taxa efetiva mensal superior a 30 vezes a taxa diária denotaria a existência de capitalização diária, de sorte que, havendo a informação da taxa diária aplicada, o mutuário pode aferir a existência de capitalização diária mediante a comparação entre a taxa mensal pactuada e a taxa resultante da multiplicação da taxa diária por 30, pois se a taxa mensal for superior ao resultado dessa multiplicação, é evidente que os juros diários foram capitalizados.
Por conseguinte, na hipótese em que somente preveja informação genérica de capitalização diária de juros, sem ser informada propriamente dita a taxa diária dos juros, a cláusula inserida em contrato bancário há de ser reputada ilegal, por afronta ao dever legal de informação. O mutuário tem direito de ser informado da evolução da dívida em contrato bancário, permitindo-se aferir a equivalência entre as taxas diária, mensal e anual, sendo, pois, insuficiente a mera informação acerca das taxas mensal e anual.
Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.