quinta-feira,28 março 2024
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O dever da informação prévia, clara e precisa na cláusula de capitalização diária de juros remuneratórios em contratos bancários

Em 29 de outubro deste ano, foi publicado julgado da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1826463/SC, em que fixou entendimento sobre o dever de informação das instituições financeiras em relação à cláusula de capitalização diária de juros remuneratórios em contratos bancários.

É sabido que os juros remuneratórios consistem na remuneração do capital emprestado, e os juros capitalizados são os juros devidos e já vencidos que, periodicamente, se incorporam ao valor principal.

A capitalização se traduz num importante fator de aumento da dívida, eis que propicia a incorporação dos juros vencidos ao principal (capital), para que passem a integrar a base de cálculo dos juros vincendos. A matemática financeira (André Zanetti Batista. Juros, taxas e capitalização. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 37) aponta que, quando menor a periodicidade da capitalização, maior será o incremento da dívida que é obtido com a capitalização contínua.

O Código Comercial de 1850, em seu art. 253, estabelecia que os juros não poderiam ser capitalizados, salvo em periodicidade anual. O Código Civil de 1916, em seu art. 1.262, autorizava os juros capitalizados, desde que expressamente ajustados. A Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), em seu art. 4º, vedava a prática do anatocismo ou cobrança de juros sobre juros. A legislação federal relativa aos contratos de crédito rural (Decreto-lei 167/1967), industrial (Decreto-lei 413/1969) e comercial (Lei 6.840/1980) permite o ajuste de juros capitalizados, tendo o STJ editado a Súmula 93, segundo a qual “A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”.

O objetivo da Lei de Usura, ao restringir a capitalização de juros, foi, sem sombra de qualquer dúvida, a de evitar que o valor da dívida aumente expressivamente em proporções não mensuradas pelo devedor à época da celebração do contrato que venha a incorrer em dificuldades ao longo do contrato.

Com efeito, a partir da Medida Provisória 2.170-36/2001, que é reedição da MP 1.963-17/2000, editada em 31.03.2000 – cujo art. 5º prevê que ‘nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano’ – os Bancos passaram a inserir cláusula de capitalização mensal de juros, o que na época gerou discussão quanto à sua validade. Isso porque, desde a Lei de Usura, a orientação jurisprudencial – Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal – considerava ilícita a capitalização de juros em lapso temporal inferior a um ano. Registre-se que o parágrafo único do art. 5º da referida MP estabelece que “sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais”.

O efeito prático da referida MP foi permitir as práticas bancárias de juros compostos e de capitalização de juros. O Código Civil de 2002, em seu art. 591, permite a capitalização anual de juros remuneratórios. A 2ª Seção do STJ, por ocasião do julgamento dos Recursos Especiais 602.068/RS e 603.043/RS, em 22.04.2004, relator Min. Antônio de Pádua Ribeiro, fixou o entendimento no sentido de permitir a capitalização mensal de juros nos contratos bancários celebrados em data posterior à publicação da referida MP, desde que pactuada expressamente. Foi fixado ainda o entendimento de que o art. 5º da referida MP prevalece em relação à regra geral prevista no art. 591 do Código Civil de 2002, diante do critério da especialidade (STJ, AgRg no REsp 822.284/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino).

A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara, e a previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo (12 vezes) da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada (STJ, 2ª Seção, REsp. 973.827/RS, rel. Min. Maria Isabel Gallotti). Desde que expressamente pactuada a cláusula de capitalização de juros em período inferior a um ano, os juros devidos e já vencidos são, na periodicidade ajustada, incorporados ao valor principal e sobre eles passam a incidir novos juros, o que tem o condão de gerar aumento expressivo da dívida.

Num segundo instante, os Bancos passaram a ajustar cláusula de capitalização diária de juros, sem, contudo, observar o dever de prestar informação prévia, clara e inequívoca ao mutuário quanto ao incremento da dívida.

A rigor, a capitalização diária dos juros passou a ser utilizada como uma forma sub-reptícia de aumento exponencial da dívida, de sorte que, para evitar a surpresa inesperada, afigura-se indispensável que os Bancos informem, a par das taxas de juros anual e mensal, a própria taxa de juros diária. Somente com base na informação da taxa diária de juros é que se permite ao mutuário verificar a equivalência entre as taxas, assegurando-se que o montante da dívida será o mesmo, qualquer que seja a periodicidade da taxa aplicada (anual, mensal ou diária).

Essa foi a motivação que subsidiou a tese do duodécuplo adotada no REsp. 973.827/RS, segundo a qual a previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. Apesar de alguns julgados terem inicialmente considerado ilegal a capitalização diária de juros em contratos bancários (REsp 66.627/SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, AgRg no Ag 966.398/AL, rel. Min. Aldir Passarinho Junior) a 2ª Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 973.827/RS, em 08.08.2012, relatora Min. Maria Isabel Gallotti, considerou legal a cláusula de capitalização diária de juros, sob a lógica formal de que a mencionada MP permitiu a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, o que inclui a diária.

Entretanto, apesar de ter considerado legal a cláusula de capitalização diária de juros, havia uma divergência jurisprudencial entre as 3ª e 4ª Turmas do STJ. A 3ª Turma entende que o mutuário tem direito à informação prévia, clara e precisa sobre a taxa diária de juros (REsp. 1.568.290/RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, AgInt no REsp 1.785.528/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze), enquanto que a 4ª Turma entende que não é necessária a informação da taxa diária de juros (AgInt no REsp 1.775.108/RS, rel. Min. Raul Araújo, REsp 1.672.318/SC, rel. Min. Marco Buzzi).

Dirimindo a divergência interna, no julgamento do REsp 1826463/RS, a 2ª Seção do STJ, relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, decidiu que, em havendo previsão de capitalização diária de juros, o Banco tem o dever de prestar informação prévia, expressa e clara da taxa diária de juros, sendo insuficiente a informação das taxas efetivas mensal e anual.

A propósito, não se mostra suficiente a mera previsão de cláusula de capitalização diária de juros, sendo indispensável que o Banco informe previamente a taxa diária de juros ao mutuário, sob pena de afronta ao dever da informação decorrente da boa-fé objetiva. Afigura-se insuficiente a informação ao mutuário a respeito das taxas equivalentes sem a efetiva e clara ciência do mutuário acerca da taxa aplicada em razão da periodicidade de capitalização ajustada em contrato.

A matemática financeira ensina que, nos empréstimos bancários de longo prazo e com taxas elevadas de juros, o aumento decorrente da capitalização diária de juros se revela expressivo e substancial. Como advertido pela Min. Maria Isabel Gallotti no REsp 973.827/RS, “há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de ‘taxa de juros simples’ e ‘taxa de juros compostos’. Dizem respeito ao processo matemático de formação da taxa de juros cobrada. Com o uso desses métodos calcula-se a equivalência das taxas de juros no tempo (taxas equivalentes). Quando a taxa é apresentada em uma unidade de tempo diferente da unidade do período de capitalização diz-se que a taxa é nominal; quando a unidade de tempo coincide com a unidade do período de capitalização a taxa é a efetiva. Por exemplo, uma taxa nominal de 12% ao ano, sendo a capitalização dos juros feita mensalmente. Neste caso, a taxa efetiva é de 1% ao mês, o que é equivalente a uma taxa efetiva de 12,68% ao ano. Se a taxa for de 12% ao ano, com capitalização apenas anual, a taxa de 12% será a taxa efetiva anual”.

Por oportuno, o voto do Min. Paulo de Tarso Sanseverino no REsp 1826463/RS valeu-se da motivação adotada na tese do duodécuplo. Em se tratando de capitalização diária de juros, afigura-se indispensável que o Banco informe a taxa diária a ser cobrada, sob pena de ofensa ao direito de o mutuário obter informação prévia e adequada. Aplicando-se a mesma lógica da tese do duodécuplo à capitalização diária de juros, o fator de multiplicação seria 30 (pois o mês tem trinta dias), em vez de 12 (que é o número de meses do ano), e a conclusão seria de que a previsão de taxa efetiva mensal superior a 30 vezes a taxa diária denotaria a existência de capitalização diária, de sorte que, havendo a informação da taxa diária aplicada, o mutuário pode aferir a existência de capitalização diária mediante a comparação entre a taxa mensal pactuada e a taxa resultante da multiplicação da taxa diária por 30, pois se a taxa mensal for superior ao resultado dessa multiplicação, é evidente que os juros diários foram capitalizados.

Por conseguinte, na hipótese em que somente preveja informação genérica de capitalização diária de juros, sem ser informada propriamente dita a taxa diária dos juros, a cláusula inserida em contrato bancário há de ser reputada ilegal, por afronta ao dever legal de informação. O mutuário tem direito de ser informado da evolução da dívida em contrato bancário, permitindo-se aferir a equivalência entre as taxas diária, mensal e anual, sendo, pois, insuficiente a mera informação acerca das taxas mensal e anual.

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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