quarta-feira,24 abril 2024
ColunaDireito AmbientalO crime contra a fauna

O crime contra a fauna

1. A legislação

 

A Lei n. 9.605/88 aborda os crimes contra o meio ambiente e em seu art. 29 há especificação dos crimes contra a fauna:

Art. 29: Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena – detenção, de 6(seis) meses a 1(um) ano, e multa.

O artigo 32 da mesma lei cita o abuso e maus – tratos contra animais e punições como consequência:

Art. 32: Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Pena – detenção, 3(três) meses a 1(um) ano, e multa.

  • 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
  • 2º A pena é aumentada de 1/6(um sexto) a 1/3(um terço), se ocorre morte do animal.

De acordo com Fiorillo, o objeto jurídico do tipo, em especial, é a proteção da fauna silvestre, doméstica ou domesticada, exótica, nativa, que está ameaçada ou não de extinção contra abusos e maus-tratos. O elemento subjetivo do tipo é o dolo (vontade livre e consciente de praticar as condutas tipificadas), portanto, não se admitindo a penalidade quando a conduta resultar de culpa, pois não há previsão legal quanto a isso.

Contudo, na conduta de praticar abuso ou maus-tratos, o delito estará consumado no momento em que fica configurado o perigo de dano aos animais. Nas condutas de ferir e mutilar, a consumação ocorre no momento da efetivação do ferimento ou mutilação. Na conduta em que o animal é submetido à experiência dolorosa, o delito estará consumado no momento da realização do experimento que cause dor ao animal, e no caso em que o animal seja submetido a experiência cruel, o delito se consumará com efetivo dano ao animal. Havendo, portanto, cabimento de tentativa em todas essas hipóteses. (FIORILLO, 2012)

Cabe ressaltar que, como a proteção do meio ambiente existe para favorecer primeiramente o homem, a visão deve estar orientada para a tutela da fauna sempre adaptada paras as necessidades da pessoa humana, sendo aplicado em determinadas hipóteses o princípio da insignificância em relação aos crimes contra a fauna. (FIORILLO, 2013)

 

2. Manifestações culturais

 

A Constituição de 1988 legislou o apoio e o incentivo à valorização das manifestações culturais. Contudo, uma prática só pode ser considerada cultural se traz consigo a identificação de valores de uma região ou população. Se tiver qualquer outra finalidade, inclusive a mercadológica, esta será vedada por estar em desacordo com as tradições culturais. (FIORILLO, 2013)

Um dos princípios principais da CRFB é a dignidade da pessoa humana, portanto, o indivíduo humano está no centro da ordem jurídica nacional. A proteção aos animais e ao meio ambiente é classificada como uma consequência deste princípio e a justificativa para a aplicação desta proteção é a medida em que se torne necessária para que o homem tenha uma existência digna. (ANTUNES, 2014)

Com o objetivo de preservar e defender o patrimônio genético da espécie gallus-gallus, foi criada a Lei 2895/98 no Estado do Rio de Janeiro, que autoriza a prática de briga de galos. Cabendo notar que, logo mais, aos animais foi dada uma dignidade através da proibição constitucional de tratamento cruel que foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de uma ADI 1856/RJ em 26/05/2011:

A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da ‘farra do boi’ (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. Precedentes. – A proteção jurídico-constitucional dispensada à fauna abrange tanto animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados, nesta classe incluídos os galos utilizados em rinhas, pois, o texto da Lei Fundamental vedou, em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de animais a atos de crueldade. – Essa especial tutela, em que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida animal, não só a do gênero humano, mas , também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irracionais, como os galos de briga (‘gallus-gallus’).

O relator ainda afirma que, desde o período anterior à vigência da Constituição de 1988, o Supremo, em decisões, já enfatizava que essa prática caracterizava crueldade contra as aves, e que tais práticas deveriam sofrer repressão penal do Estado. Pois, em hipótese alguma se trata de esporte, nem manifestação cultural com fundamento em costumes e práticas populares, uma vez que as referidas aves eram expostas a treinamentos e lutas que resultavam na morte destas.

Incluindo nesse posicionamento também, a “farra do boi”. Avaliou serem essas práticas uma tentativa de enganar a aplicação da regra constitucional de proteção à fauna. Finalizou dizendo que a “crueldade está relacionada a submeter os animais a um mal desnecessário”. Em 2013, a Lei estadual 15.299/13, do Ceará, regulamentou a vaquejada como pratica esportiva e cultural. Nessa prática, dois peões montados a cavalo tentam derrubar um boi pelo rabo.

Após o ex – Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei do Estado do Ceará que autorizava a prática das vaquejadas, o STF começou a julgar tal prática. Em seu argumento disse que tal ato fere o princípio da proteção ao meio ambiente, pois, submete os animais a tratamento cruel. Complementou dizendo que, ainda que seja praticada como manifestação cultural, esta é inconstitucional.

Em 2016 o STF derrubou esta lei sob o fundamento de que a prática não pode ser considerada esporte ou cultura, pois trata-se de uma forma de maus-tratos. A decisão foi aprovada por 6 votos. Porém, no mesmo ano, foi Sancionada lei que considera vaquejada patrimônio cultural do Brasil. A nova lei tem origem no Projeto de Lei da Câmara(PLC) 24/2016, aprovado no Senado.

Cabe destacar o princípio da supremacia da Constituição. Isto é, quando houver conflito de leis com a CRFB, a solução será a prevalência desta, pois a Constituição Federal é produto do poder constituinte originário. Portanto, ato contrário à Constituição sofrerá nulidade absoluta. (MENDES, 2014)

Contudo, a CRFB como já mencionado anteriormente, incentiva a manifestação cultural, porém, o incentivo a essa prática pode implicar a submissão de animais a crueldade. Havendo, portanto, um conflito entre o meio ambiente natural e o meio ambiente cultural, que, mesmo sendo feita uma análise específica em cada caso, não será determinado em definitivo a prevalência de um aspecto em relação a outro. Cabendo, no entanto, um limite para essas manifestações. Quando a Carta Magna estabeleceu a existência jurídica de um bem que é classificado como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, ficou claro que esse bem não é público e nem particular.

Ficou fixado que todos são titulares desse direito e, não apenas a uma pessoa de forma individual, mas sim toda a coletividade, o que gera um critério transindividual que significa que os titulares do direito não são determinados. O bem ambiental pode ser desfrutado por todos, porém, dentro dos limites constitucionais.

Não cabe, no entanto, exclusivamente a uma pessoa ou grupo, tampouco se atribui a quem quer que seja sua titularidade. Dissociado dos poderes que a propriedade atribui a seu titular, conforme consagram o art. 524 do Código Civil de 1916 e seu “clone” do Código Civil de 2002 (art. 1.228), esse bem atribui à coletividade apenas o seu uso, e ainda assim o uso que importe assegurar às próximas gerações as mesmas condições que as presentes desfrutam.

O bem ambiental destaca um dos poderes atribuídos pelo direito de propriedade, consagrado no direito civil, e o transporta ao art. 225 da Constituição Federal, de modo que, sendo bem de uso comum como é, todos poderão utilizá-lo, mas ninguém poderá dispor dele ou então transacioná-lo. (FIORILLO, 2013, p.190)

 

 

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REFERÊNCIAS:

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Crimes ambientais.13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; Conte, Christiany Pegorari. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Princípios do Direito Processual Ambiental. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Advogada. Pesquisadora Científica. Possui obras publicadas em Revistas e Jornais de grande circulação.
E-mail: cassiarafaelle.juridico@gmail.com

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